segunda-feira, 31 de março de 2008

Disto não apanhei eu no Kruger Park!

Está bem. Apanhei o 5 de Fevereiro no regresso de lá, o que sempre é uma experiência histórica e fica bastante melhor no currículo do que ver leões, búfalos e crocodilos à bulha - mesmo que por fome ou por solidariedade.
Mas este video amador é a coisa mais extraordinária que vi, no meu longo namoro com imagens da natureza. Vale bem a pena esperar o tempo que leva a carregar.
E eu que só tive este elefante como frisson mais próximo do assento...

Parasitas caninos

Esta não tem nada de metáfora.

Espremi hoje 3 feridas em patas da minha cadela, de onde saíram, quais Aliens, 3 vermes esbranquiçados de cerca de centímetro e meio, gorduchos mas estreitando numa das pontas. Tudo isso saído de buraquitos que, na véspera, me pareceram inflamações de mordidas de uma aranha, ou coisa que o valha.
Fiquei muito mais impressionado e enojado do que vocês ao lerem, a bichinha ficou agradecida, mas eu acabei preocupado. Onde raio apanhou uma coisa assim? Bastará desinfectar bem as feridas, depois de expulsar monstros destes? Que perigos poderá isto trazer para a minha criança?

Por isso, muito a sério, se alguém sabe alguma coisa de parasitas sub-cutâneos que correspondam à descrição, informe-me acerca procedimentos mais adequados.
Que, dos pesadelos com eles, desconfio que ninguém me safe.


Adenda a 2/4: segundo o veterinário, os tais parasitas eram, believe it or not, larvas de mosca "king size"! Parece que é comum e que o procedimento é aquele que tomei. Muito obrigado ao anónimo que me indicou o endereço de clínicas veterinárias.

quarta-feira, 26 de março de 2008

gli Portuguesi

Prólogo 1:
Em Itália, chamam-se "portuguesi" aos borlistas, na sequência da embaixada enviada por D. Manuel I ao Papa. Os presentes oferecidos foram tão opulentos que este deu ordem para que os membros da embaixada não pagassem nada em lugar algum de Roma, sendo-lhe remetidas as contas respectivas. Criou-se, claro, uma legião de borlistas que se declaravam portugueses para comerem e beberem à conta do Papa.

Prólogo 2:
Não é que vocês tenham sentido a minha falta, mas estive uns dias fora em trabalho de campo, em sítios sem internet.
Voltei hoje à Nação (Maputo, para quem não saiba) e descobri-a transfigurada.

Bastou ir fazer um almoço tardio, num restaurante nem por isso fino, para me ver rodeado de personagens da comitiva presidencial, uns turisticando na boa (no que só revelam mimetismo e lealdade para com quem os trouxe), outros aproveitando a viagem de Estado para tratarem de negócios mais ou menos privados - "mais ou menos" porque, embora privados e situados em Moçambique, envolviam segundo a conversa lobbying junto de um governo, curiosamente o português e não o moçambicano.
Bem... também não era uma multidão, este último grupo. Apenas 3 personagens: uns muitíssimo conhecidos senhor e senhora da direita bem direita portuguesa, que partilham um duplo apelido sem que alguma vez me tenha interessado saber se são um casal, irmãos ou outra coisa, a par de um aparente amigo de juventude cascaína e potencial sócio.
É óbvio que, por essas latitudes ideológicas, o princípio é que cada um se desenrasca como pode e que a intervenção estatal é aquela coisa de que se diz sempre mal mas que serve de base para quase todos os negociozitos. A gente quase compreende e tolera. Mas confesso que o ostensivo "tu" e as ordens com a secura das que se dão aos cães que endereçavam aos empregados me foram deixando desconfortável.
Finalmente sairam. E, tão envolvidos estavam na discussão de assuntos de centenas de milhares de dólares, que se esqueceram de pagar a conta.

Epílogo:
Eu sei que escrevi, uns posts abaixo, que isso de nacionalismos e patriotismos não é o meu forte.
Mas... que raio! Tios e tias de Cascais em comitiva presidencial: comportem-se! Façam de conta que alguém vos ensinou boa educação!
É que vocês vão embora amanhã, mas eu fico aqui. E, aqui, tenho "português" escrito na testa, goste ou não goste.
Não me façam passar vergonhas por vossa causa.

post scriptum: a série de posts acerca dos linchamentos recomeçam em breve.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Poder, morte e linchamentos - 1

Fui confrontado pela primeira vez com os linchamentos de putativos ladrões através da cobertura quase integral de um deles, em pleno telejornal de um dos canais moçambicanos.

A essa impressão chocante, seguiu-se a surpresa de verificar que a larga maioria das pessoas - de diferentes camadas sociais - com quem comentava o acontecimento o encaravam com neutralidade ou simpatia, fosse porque considerassem os linchamentos dissuasores da criminalidade («como da última vez que isso aconteceu», esclareciam), fosse porque, simplesmente, consideravam que a morte era a punição mais adequada para os ladrões e para a protecção da sociedade.

Talvez numa tentativa de auto-preservação emocional, acabei por encaixar o ancontecido na vaga categoria das tentativas de purificação e catarse social, suspeitando mesmo de uma ligação entre ele e uma onda de criminalidade aparentemente atípica (onde se incluia um estranho assalto à mansão do ex-Presidente da República), que se seguiu à exoneração de figuras de topo da polícia. Mas, se essa ligação alguma vez existiu, nunca poderá explicar as mais de duas dezenas de linchamentos peri-urbanos que se vêm sucedendo em 2008. É um fenómeno que, pela sua quantidade, ritmo e banalização, nos obriga a suspeitar tratar-se de algo qualitativamente diferente - mesmo se é semelhante, na forma, aos pontuais linchamentos passados.

É normal que, perante fenómenos chocantes, queiramos encontrar A razão que lhes subjaz. Sendo ela única, poderíamos com alguma facilidade modificá-la e superar o problema. Infelizmente, pela minha parte, a experiência leva-me a desconfiar que os factores explicativos são quase sempre vários e interagindo entre si.

Carlos Serra tem acompanhado atentamente esta situação e reflectido bastante acerca dos factores que a permitam compreender; eu sou, relativamente a essa reflexão, apenas um observador interessado. Porém, relendo há dias velhas notas de conversas com ex-soldados portugueses nas guerras de libertação travadas nas então colónias, pareceu-me encontrar alguma coisa de pertinente para a compreensão dos actuais linchamentos. Que me levou a outras.

Pergunto-me hoje se será irrelevante, para a compreensão do que se passa, que o acto de matar sob aplauso público (em vez de sob reprovação) seja frequentemente sentido como um exercício de poder, excepcional na sua força e ocasião, que produz prazer e, a posteriori, saudade. Se será irrelevante o conhecimento em Moçambique de uma estética da morte e do castigo físico públicos - desde tempos pré-coloniais, bem presente nestes e também presente, ou mesmo reforçada, nos tempos revolucionários e nos da guerra civil. Se será irrelevante que estes linchamentos também pudessem corresponder (embora nada indique que sejam assim verbalizados) à metáfora do «povo que sai da garrafa».

Mais do que hipóteses, serão intuições que, a terem validade empírica, poderão constituir mais uma vertente a ter em conta na compreensão da actual vaga de linchamentos. Mas falta ver se têm ou não essa validade. Apresento-os aqui, nos próximos 3 posts, por eventualmente poderem ser de alguma utilidade para quem esteja a estudar o fenómeno. Isto porque, infelizmente, não é possível a cada um de nós pesquisar aprofundadamente todos os temas que lhe interessam e que o merecem.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Plácidas Quartas

Cheio de trabalho até ao pescoço, passei quase uma hora o olhar para a tal garça.

Que magia terão os animais?

A honra dos palhaços



Daniel Oliveira (Arrastão, Expresso, Eixo do Mal) foi condenado pelo tribunal do Funchal a pagar 2.000 euros de indemnização a Alberto João Jardim, presidente do governo regional da Madeira, por lhe ter chamado "palhaço" numa crónica, depois de este ter chamado publicamente "filhos da puta" e "bastardos" aos jornalistas do contnênte.

Entretanto, alguém deu voz ao sentimento de ultraje dos palhaços, por se verem insultuosamente comparados a tal personagem.

Realmente...

terça-feira, 18 de março de 2008

Sarna para nos coçarmos

Portugal quer preparar legislação que criminaliza a apologia do terrorismo.

"E então?", perguntam vocês. O terrorismo não é uma coisa execrável? A sua apologia não é e não deve ser considerada em si mesma um crime, mesmo que potencial?
É, sim senhor! O "então" está na necessidade e pertinência.

A igreja católica, velha e experiente senhora dos nossos fazeres colectivos, sempre teve o bom senso de saber que só se proíbe aquilo que as pessoas fazem ou querem fazer.
(Aliás, por causa disso é que podemos ter hoje preciosas informações históricas acerca das práticas sociais e sexuais de há centenas de anos, com base nos manuais de confissão feitos para os padres.)
Mas, se a possível infracção só existe de facto na nossa cabeça de reguladores, pensava ela, não vamos dar ideias à maltosa.

Estes proibicionistas caloiros, sem a experiência e sabedoria da velha senhora, são de outra cêpa.
A coisa vai ser criminalizada na Europa onde isso é um problema? Também queremos! Também queremos!

Não interessa se o terrorismo não é problema em Portugal desde as FP25 - que, segundo me lembro, nem faziam apologia; achavam que toda a gente ia gostar tanto que os havia de seguir em gloriosas hordas até à vitória final...
Não interessa se não há um "problema religioso" em Portugal, se os muçulmanos (os novos eternos suspeitos de terrorismo) vivem, por lá, a religião "na sua" - tal como os católicos locais, embora estes metendo-se um pouco mais na vida dos outros.
Não interessa se a principal comunidade islâmica no país tem, internacionalmente, como princípio de conduta religiosa respeitar as leis e princípios dos países onde se radica.
Não interessa se os líderes maometanos locais têm uma evidente conduta de pedagogia da tolerância e coexistência religiosa, dentro do quadro de um estado de direito.
Nada disso interessa, porque "a gente também quer".

Esta iniciativa legislativa é desnecessária e absurda.
É, no quadro actual, insultuosa para os muçulmanos portugueses e vivendo em Portugal.
E, como diria a velha e experiente igreja católica, é perigosa.

Mas que esperar de um Ministro da Administração Interna que foi chefe da "secreta" e (a julgar pela foto) de um velho Ministro das Colónias fascista que, embora cultivando uma imagem de moderado entre os "ultras", escrevia, em tempos de plena retórica da "Nação Multirracial", que o estatuto de assimilado não se herdava, que os africanos filhos de cidadãos nasciam indígenas (Administração da Justiça a Indígenas, p. 28)?
Ficam bem na fotografia.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Elis

Conforme me lembraram aqui, a "Pimentinha" faria hoje anos.
Quantos, não interessa. Não consigo imaginá-la senão como era na minha tenra juventude, mais do que bem viva.

Mulher furacão, de partir a loiça toda e de cantar o reconhecimento dos seus erros (lembram-se da história d' «O Bêbado e a Equilibrista»?), era para nós, pobres mortais que nunca a pudemos encontrar, sobretudo aquela voz e aquele feeling imensos.
Para mim, creio que foi mais. Não foi certamente por acaso que quase todas as mulheres com quem vivi têm "pelo na venta", são incrivelmente ternas, casmurras e generosas, e "não levam desaforo para casa". É assim que eu gosto. Culpa tua, Elis.

No "Vai um videozinho?", esta é a semana da Elis Regina, que continuará até ver.
Na engenhoca que tenho, não dá para escolher os vídeos uma a um. Faço figas para que me calhem, no embrulho, o «Como os nossos pais» e o «Mestre-sala dos mares»...
Se eles não estiverem aí ao lado, façam pesquisa, que raio! Vale mais a pena do que 90% das que já fizeram.

Adenda: não me calhou o video do "Mestre-sala dos mares", mas está aqui. Entretanto, aqui a lista disponível é imensa.

Serra: tenho um post para afixar, com uns alinhavos de ideias que podem (ou não) ser úteis para quem anda a estudar os linchamentos. Vai desculpar-me, mas fica para amanhã. Hoje, é dia de santa-diaba Elis.

domingo, 16 de março de 2008

Propriedades

Olhando no seu conjunto as fotos afixadas pelo Carlos Serra, descobre-se que este simpático agente da autoridade não está a espreitar para ver o que se passa do outro lado do escudo, nem onde pode inocuamente guardar o pauzinho que faz parte da farda.
Está a fazer cuidadosa pontaria à cabeça desta perigosa meliante, que atentou contra a sacro-santa propriedade da terra - que, por lados onde a propriedade é maior que muitos países não insulares, é ainda mais sagrada e santificada.


Acessoriamente, a marginal instrumentalizou menores para manifestações (o que é altamente suspeito em Moçambique) e andou a tatuar a cara, sem que seja clara a sua própria maioridade (o que está a caminho de ser ilícito em Portugal, e com muita razão). Maioridade essa que, note-se, é já de si discutível pelo facto de ser indígena ou arraçada.


Adenda no próprio dia: é estranho. Embora não tenha ponta de nacionalismo e muito poucos resquícios de patriotismo, sempre preferi a versão portuguesa da Internacional a qualquer outra. Se calhar, é por a letra ter sido escrita por anarquistas. E é assim que me sinto, ao ver coisas destas.


Messias, Deus, chefes supremos,
Nada esperemos de nenhum!
Sejamos nós quem conquistemos
A Terra-Mãe livre e comum!
Para não ter protestos vãos,
Para sair deste antro estreito,
Façamos nós por nossas mãos,
Tudo o que a nós diz respeito

Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Duma Terra sem amos
A Internacional.

Medo das justiças


Hoje, acordei ao som de gritos de «Pega ladrão!».
Estremunhado, arrastei-me até à varanda e, com esta onda de linchamentos que por aqui anda, dei comigo a torcer pelo ladrão. Escapou-se. Fiquei mais tranquilo.

Não sou o único a cruzar-me com estes sentimentos e reacções contraditórias.
Tempos atrás, roubaram o auto-rádio de um patrício meu, dentro dos muros da sua propriedade. Só podia ser um dos guardas e, após conciliábulo, dois deles acusaram um terceiro. O homem negava e o nosso heroi, muito portuguesmente, levou-o à esquadra para apurar o assunto.
Explicou o que se passara, deixando bem claro que poderia ter sido um dos outros guardas, mas o polícia só perguntou ao homem: «De onde é que tu és?» «De Inhambane», foi a resposta. Antes que o tuga percebesse o que se passava, já o acusado estava estatelado no chão, com o polícia a saltar-lhe a pés juntos em cima do peito, enquanto gritava, ao ritmo dos pulos: «Então... tu vens... da... minha terra... para... roubar... rádios em Maputo?»
O inicial lesado lá conseguiu fazer a cara mais severa que conseguiu e dizer: «Deixe estar, que eu trato do assunto à minha maneira. Vou tirar isso a limpo e trago-o cá mais tarde!» E, entre os olhares cúmplices das forças da ordem, lá enfiou o suposto ladrão no carro e, claro, foi deixá-lo no hospital.

Mas há histórias mais antigas.
Poucos anos após a independência, quando era ouro encontrá-las, tentaram roubar uma peça do carro a uma amiga moçambicana, em plena baixa de Maputo. Ela gritou, o homem foi dominado e rapidamente lhe ataram os braços com arames.
Em direcção à esquadra mais próxima, formou-se uma procissão que ia sempre engrossando com novos justiceiros, que pedagogicamente distribuiam uns sopapos ao homem. A certa altura, já era a lesada que apelava à calma, limitando os estragos como podia.
Na esquadra, após as esperas e recolhas de depoimentos, reparou que o incompetente ladrão estava com os braços inchadíssimos e as palmas das mãos roxas. Imaginando-o já gangrenado e amputado, por causa da merda de um bocado de metal que faz os carros funcionarem, a minha amiga lá conseguiu exigir que lhe tirassem os arames e, pateticamente, deu consigo a fazer-lhe massagens nos braços.
Ainda tentou retirar a queixa, mas havia já não sei quantas testemunhas dispostas a apresentá-la.

Tudo isto me lembra que, em Lisboa, tive que deixar de frequentar um restaurante de que muito gostava, para os lados do Limoeiro.
É que, depois de ouvir as conversas dos aspirantes a juízes, nas mesas ao lado, chegava a ter pesadelos em que ia parar ao tribunal, por uma razão qualquer, e eram eles quem me julgava.

Há dias em que o castigo me assusta mais do que o crime.

sábado, 15 de março de 2008

Racismos subliminares

Esta é para ver se o jpt me chama catanoso "semiólogo" fascista de extracção marxista (que querem vocês? às vezes, ao fim-de-semana, apetece-me um bocadinho de notoriedade, mesmo que emprestada):


Já repararam quando é a única vez em que, no Livro da Selva da Walt Disney, se ouve uma música em tom de jazz?
É quando o rei dos macacos canta que quer ser como os homens e viver em cidades.
E não é um jazz qualquer. É dixieland, com scat singing à mistura - os dois estereótipos cinematográficos, na altura, da música afro-americana.
No conjunto, uma imitação muito directa de Louis Armstrong.

Cá em casa, o DVD ainda não foi catanado, lá por causa disso. O que é que se há de fazer? Não faz parte do meu estilo e todos nós gostamos do filme.

Um abração, Flávio.

Aditamento antropo-histórico eventualmente irrelevante, no próprio 15/3: lembram-se de onde vem a palavra "catana"? É o nome japonês para a mais longa das duas espadas usadas pelos samurais.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Filosofia na lixeira?

Há dois sem-abrigo que conversam, algures entre as machambas e a lixeira que se instalaram nas traseiras da minha casa.
Não os vejo, apenas os consigo ouvir.
O changana modifica-se, quando se fala de assuntos realmente sérios. Muda o tom, a escolha das palavras, a entoação, e começa a soar singularmente parecido com o japonês das grandes tiradas retóricas dos filmes do Kurosawa - embora sem aquele arrastar enfático das vogais.
Aqui e ali, vou reconhecendo palavras solenes, de conceitos complexos que aprendi em trabalho de campo.
Será que tenho dois Sabastiões Albas às traseiras de casa?

Cahora Bassa e as cheias

Acabou o alerta vermelho relativo às cheias do Zambeze e, segundo parece, o balanço das vítimas é infelizmente superior ao da altura em que o assunto fazia as manchetes dos jornais.
É tempo de reconstrução e (esperemos, a bem das populações ribeirinhas) de reflexão.

O engenheiro José Lopes, de quem já transcrevi aqui um artigo, coloca no Xitizap uma pergunta essencial: «Quando em duas estações de chuva seguidas (2007/08) duas tragédias hídricas muito similares ocorrem no Vale do Zambeze, haverá ou não conclusões a tirar quanto à imediata reformulação da gestão hidrológica da Hidroeléctrica de Cahora Bassa?»

Conforme tive oportunidade de comentar por aqui, a resposta parece evidente, mas os interesses em jogo (sobretudo sob pressão do reembolso da dívida contraída para pagar a reversão da HCB) não justificam grandes optimismos de que ela seja sequer equacionada.

Num quase desabafo, lamento que esta questão não tenha tido suficiente visibilidade pública quando o estado português ainda era o sócio maioritário. Nessa altura, até a retórica da "insensibilidade de Portugal" para com o sofrimento das populações poderia ter sido mobilizada - e com uma certa razão, pois se "Portugal" nem sequer sabe do assunto, seria justo apontar essa insensibilidade à administração da empresa. Talvez até, nessa altura, o estado moçambicano pudesse ficar desse lado da barricada.

Agora, temo bem que uma questão e reivindicação como esta venham a suscitar, dos poderes oficiais, as correntes retóricas do anti-patriotismo, do interesse nacional e das mãos invisíveis.

Mas quem sabe? Por vezes, os períodos eleitorais fazem milagres bem desejáveis.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Ciências sociais ocupam páginas centrais do Expresso

É mentira.
Foi o Savana que, sob o título «Que podem as ciências sociais dar em prol da sociedade?», abriu esse espaço a dois cientistas sociais moçambicanos.
Um deles, de quem muito gosto pessoal e cientificamente; o outro, nem por isso. Mas esta gradação não é importante pois, como deixou por lá dito (com outras palavras) Rafael da Conceição, todos somos necessários, desde que questionemos, debatamos e não nos assumamos como estrelas que só têm para dar, aos colegas, lições.

É curioso. Tenho dificuldade em imaginar o Savana do meu país, que se chama Expresso, a suscitar a mesma questão.
E não me parece que a culpa seja só dos jornalistas.

Excertos de "Um Amor Colonial" (1)


«Um dia estou na Praça do Chile a tomar um café ali nos Perus, à espera do meu carro que estava a lubrificar. Vejo uma garota passar na rua e fiz-lhe um olhar daqueles olhares... pronto, que a gente faz. E ela sorriu! Eu levanto-me imediatamente, pago a conta, vou atrás dela e começa aqui uma história que desenrola por um período de sete anos!
Persigo a miúda, a miúda apanha um eléctrico, eu entro no mesmo eléctrico e a miúda cumprimenta o cobrador. Dá-lhe um beijo, um beijo de familiar. Mas é claro, eu não conhecia o sujeito de lado nenhum. Mais tarde, venho a saber que era o pai dela, o cobrador do eléctrico! Entretanto a miúda vai até o Terreiro do Paço e desce. Eu desço também.
Ela atravessa a Praça do Comércio e vai apanhar o carro eléctrico que vai para o Dafundo e a Cruz Quebrada, que partia do Terreiro do Paço. Ora, quando o eléctrico parte para uma viagem, vai vazio. Então, ela senta-se num banco, os outros bancos estavam todos vazios e eu fui-me sentar ao lado dela! A miúda ficou muito atrapalhada. Passado um bocadinho, assim que o eléctrico arranca, levanta-se e muda de lugar. E pronto, eu fiquei no mesmo sítio, mas sempre numa de perseguir. A coisa continuou, eu sempre a ver onde é que ela ficava, e quando ela chega ao Dafundo, desce. Ela desce, eu desço também.
Aí, a miúda começa-me a desviar a atenção. Mete para uma casa comercial, sai, vai para outra, e eu sempre a persegui-la sem perceber o que é que se passava. De um momento para outro, não sei como é que aquilo acontece, eu vou ver numa casa comercial onde é que está a miúda e a miúda não estava lá! E eu disse para mim: «Não! A miúda deve estar escondida, ou qualquer coisa». Bom... isto fez com que eu andasse um dia inteiro atrás dela e perdi-a de vista.»
(capítulo 4)

Excertos de "Um Amor Colonial" (2)


«Mas um dia encontrei-a! Encontrei-a em Algés, porque eu comecei a bater a zona de Algés até ao Dafundo para ver se descobria a miúda. Numa loja de brinquedos, vejo a miúda a sair. Pronto! A miúda não me viu, apanha o eléctrico e eu apanhei também o eléctrico. Só que ela não sabia que eu ia no eléctrico e, então, vejo que ela desce no Dafundo. E quando desce do eléctrico, porque vai para casa, encaminha-se para uma zona residencial. Quando ela entra na rua dela, eu vejo que entra num prédio, só que o prédio tinha três andares e eu fiquei logo: «Agora, qual será o andar?».
Resolvi ficar cá em baixo à espera. E então, quando passados aí dez minutos da miúda entrar vem uma senhora à janela olhar para vários sítios, eu pensei: «É ali que ela mora, porque é a mãe que veio ver quem é o tipo que vem atrás da miúda». Pronto, tomei nota daquilo e fui-me embora.
Entretanto, eu queria comunicar com ela, mas não sabia como. Então, comecei-lhe a escrever cartas, mas sem nome, porque eu desconhecia o nome dela. Eh pá, cartas simples, não é? A dizer que gostaria de falar com ela e tal... Mas, quando eu endereçava a carta era sempre «Menina...?» e mandava para a morada que eu conhecia. É claro, a família teve conhecimento porque a carta ia através dos correios.
(…)
Na última carta que eu lhe escrevi (porque estava cansado já da situação, isto já ia lá a caminho dos dois meses e eu sempre a persegui-la), na última carta eu disse-lhe mesmo: «Olhe, esta é a última carta que eu lhe vou escrever. Se não me der uma chance de um pequeno diálogo, pelo menos para me conhecer, ou para me mandar para qualquer lado assim menos agradável», disse-lhe eu, «é a última vez que eu venho ao Dafundo». E então eu disse-lhe que no dia tantos, às tantas horas, eu estaria no Café Lobito.»
(capítulo 4)

Excertos de "Um Amor Colonial" (3)


«O que se passou é que eu me senti perseguido pela PIDE.
Eu sentava-me num café e via uma pessoa a olhar para mim. Eu saio do café, vou-me embora, sento-me noutro café, vejo o mesmo homem a olhar para mim! E é claro, eu começo a ficar um bocado «Que é isto?» Então, propositadamente, mudo para outro ponto da cidade completamente oposto e, passado um bocado de eu estar noutro sítio, vejo o mesmo indivíduo. Então, aí ganho medo!
Ganho medo, falo com um chefe meu, que era o Nascimento:
- É normal que isso aconteça porque... eu vou-te explicar: Todas as pessoas que a sua profissão é uma profissão que passa fronteiras, portanto tripulantes de navios, comboios, aviões e tal, normalmente são perseguidos pela PIDE. Porque eles podem pensar que são correios ou qualquer coisa. Então, perseguem! Isso não quer dizer que venham a fazer mal. É para ver a vida da pessoa. E, depois, largam.
Mas, é claro, depois de uma pessoa ser apanhada por eles, eu não sei o que é se passaria lá. Eu não tinha nada a ver com política, mas as pessoas sabiam o que é que eles faziam. E esse medo continuou dentro de mim. Então, eu faço um pedido ao Presidente do Conselho de Administração da TAP, para me transferir para Luanda ou para a Beira (…) como ele se recusa, eu apresento a minha demissão. E foi isto uma das coisas que deu uma volta na minha vida profissional. Porque eu fui obrigado a largar um dos melhores empregos que tive na minha vida por causa da... Não foi por causa da rapariga, mas as duas coisas juntas, foi por causa da PIDE! Senti-me perseguido, senão ainda hoje estaria lá, talvez...»

(capítulo 5)

Excertos de "Um Amor Colonial" (4)


«Entretanto, quase todos os meses, eu recebia uma encomenda e mandava encomendas através de um tripulante do Infante D. Henrique. E um belo dia a miúda escreve-me uma carta e diz: «Olha: Optei por ir para São Paulo. Vou para o Brasil e vou resolver as coisas com o meu tio, a ver se há possibilidade de tu ires para o Brasil, também. Tu vais-me mandar o currículo completo, que é para eu entregar ao meu tio, ele vai-te arranjar, com certeza, vida no Brasil e nós vamos fazer a nossa vida no Brasil.» Eu disse: «Está bem.» «Mas antes de eu ir embora vou-te mandar uma encomenda, pelo despenseiro do Príncipe Perfeito.» (Pois, era o Príncipe Perfeito, não era o Infante D. Henrique.) «Está bem», disse eu. Era habitual, isso.
Então, quando o navio chega a Luanda, eu fui buscar a encomenda. Pedi licença ao guarda-fiscal para ir lá acima buscar a encomenda, como habitualmente fazia. Quando eu estava a falar com o guarda-fiscal, olho lá para o cimo da escada e vejo que a encomenda era ela e a mãe! Eu nem perguntei nada ao guarda-fiscal. Subi pela escada acima e fui buscar a encomenda! Peguei na miúda, vim por ali a baixo e o guarda-fiscal:
- Olhe, faz favor...
- Não, não... Deixe-me cumprimentar.
Eu não liguei a nada porque, quer dizer, eu nem estava a acreditar naquilo! A mãe e a filha estavam em Luanda, quando ela me disse que ia para o Brasil.»

(capítulo 5)

Excertos de "Um Amor Colonial" (5)


«Um belo dia de Reis, eu estou no meu serviço e, como habitualmente, ia lá a casa dela. Eu lembro-me que não havia lá nada assim de especial e resolvi ir a uma pastelaria comprar um bolo-rei e uma garrafa de vinho do Porto. A miúda sai do serviço e pensa: «Ele logo vai lá a casa e não temos lá nada. Deixa-me lá ir comprar um bolo-rei, porque é dia de Reis.» Então, foi a uma pastelaria (talvez a mesma, já não me lembra), compra um bolo-rei e, penso que sim, também levou a garrafa de vinho de Porto para acompanhar aquilo.
E quando chego lá a casa:
- Olha: não havia cá nada, comprei isto.
- Tem piada que eu lembrei-me da mesma coisa e também comprei isto. Está ali em cima da mesa.
Já lá estava. Eu olho para aquilo, fez-me um bocado de confusão na cabeça, não é? Era uma grande coincidência, termos os dois pensado a mesma coisa. Mas pronto… A única coisa que eu fiz foi:
- Vamos cortar os dois bolos. Já que se compraram os dois bolos vamos cortar os dois bolos.
- Mas somos poucas pessoas. Somos cinco pessoas.
- Eh pá: diz aí ao senhor Zé – que era o dono da casa – para chamar os vizinhos aqui do lado, porque vêm ajudar a comer o bolo.
Juntaram-se ali mais três pessoas, que era um casal e um filhito que vieram para ali, e fizemos ali a nossa festa de Reis.
Então, quando cortámos os bolos, acontece isto: no bolo que eu comprei, o brinde que lá estava dentro era uma aliança pequenina que entrava no dedo da miúda; e no bolo que ela comprou o brinde era uma aliança maior, que entrava no meu dedo!
A mãe, quando vê as alianças em cima da mesa, começa a chorar, as lágrimas a correr pela cara abaixo. Mas não era de tristeza. Ela disse mesmo:
- Nada vos pode separar, porque o destino vos está a unir.
E depois eu, quando estou a brincar com as alianças, nervoso, a pegar naquilo e também a pensar que o destino estava metido ali, eu quando estou a brincar com as alianças, vejo que uma aliança cai em cima da outra e entra dentro da aliança justinha. Não tinha folga nenhuma! Mais um sinal que, realmente... Eh pá! Eu quando... quando a gente vê aquilo tudo, pronto, a festa mudou. Porque, realmente, depois só se falava à roda disso, em termos de futuro e «vocês têm que resolver a situação». E foi realmente a conversa, até dos vizinhos do lado. «Mas porque é que vocês não resolvem a vida? Os sinais estão aqui evidentes», não sei quê. Mas, quer dizer, continuámos a tentar resolver a situação oficialmente, legalmente.
Até que um dia, quando vimos que a coisa estava um bocado complicada, o divórcio nunca mais surgia, chegámos a um acordo. Dissemos: «Vamos ter a certeza se conseguimos viver um sem o outro. Então vamo-nos separar!» Foi de comum acordo. «Eu fico em Luanda e vocês vão para a outra costa» – nós considerávamos a “outra costa” Moçambique.»
(capítulo 5)

Excertos de "Um Amor Colonial" (6)


«A correspondência mantinha-se. Eu chegava a escrever três cartas por dia, sabendo que às vezes a terceira chegava primeiro que a primeira. Mas eu... eu só estava bem era a escrever! E ela também.
Mas começo a verificar que de Lourenço Marques para Luanda, as cartas começam a reduzir. Começa-me a preocupar. Começa a vir uma carta por semana, outras vezes já vinha por quinze dias, depois um mês e depois acabou! Escrevi, escrevi, escrevi e não obtive resposta.
Eu não fiquei nada satisfeito com isto. Alguma coisa se passou de muito grave. Ou o pai a descobriu, ou… Porque vinha-me sempre à ideia o pai.
Resolvi largar tudo e ir para Moçambique à procura dela.»
(capítulo 7)

Excertos de "Um Amor Colonial" (7)


«Isto foi quase num fim-de-semana. Vem o domingo e uma pessoa não tinha nada que fazer. Aqui em Lourenço Marques, eu não conhecia ninguém. Ponho-me à janela muito cedo, a fumar um cigarro, ainda em roupas interiores e tal, e qual é o meu espanto quando vejo, defronte desse quarto, sair a mãe dela do prédio em frente. E eu disse: «Mas como é que o destino me está a colocar outra vez?...» Porque eu não sabia o paradeiro delas, não sabia! A única coisa que eu sabia era o nome da Pensão Tropical. Elas depois mudaram e a correspondência vinha para a Caixa Postal. E eu olho para ali e vejo a mãe sair do prédio!
Eu vou tentar vestir-me à pressa para ir atrás da mãe mas, quando eu chego à rua, já ela tinha ido à sua vida. Fartei-me de olhar para o prédio mas, àquela hora, ela de certeza morava ali. Porque se fosse a outra hora do dia, ela podia ter ido visitar alguém. Mas era muito cedo. Àquela hora, ela morava ali de certeza.
Então, resolvi fazer umas esperas, até que consigo apanhar a mãe.
- Bem, Dona Rosa, como está? Passou bem? Tal, tal...? A sua filha?
- Ah! A minha filha, e tal... Isso é uma história muito looonga...
- Ah é? Quer dizer, acha que é mais longa que a minha, é?
Eu perguntei-lhe assim, mas:
- Não! Isso aconteceu aí umas coisas...
- Mas o que é que foi? Aconteceu-lhe alguma coisa de mal?
- Não, ela conheceu aí um moço, começou depois a namorá-lo e ele propõe-lhe casamento. E ela casou-se.
- Ela chega aqui, conhece um moço assim sem mais nem menos e casa logo?
- Bem... ele é meu sobrinho, sabe?
Eu disse:
- Seu sobrinho aqui? Mas vocês tinham família em Lourenço Marques?
- Não! Ele veio cá cumprir o serviço militar e resolveu ficar cá.
- Então mas eu gostava de a ver. Pronto, ela seguiu a vida dela, pronto, ok, mas eu gostava de a ver.
- Mas agora é um bocado difícil, porque ela foi viver com o marido lá para cima para o norte, ela está lá para Vila Cabral.
E lá me dá um ponto, realmente, dos mais distantes que há em Moçambique, em relação ao ponto em que a gente se encontrava!»

(capítulo 8)

Excertos de "Um Amor Colonial" (8)


«Então, quando chegámos a um cruzamento em que teríamos que desviar para Nampula, para depois seguir para o norte, eu quando vou a chegar vejo a frota de camiões toda parada na estrada. Os oito carros ali parados. Eu paro também. O que é que se passa? Então verificámos: o primeiro carro partiu o veio de transmissão, que é uma peça muito difícil de reparar. Dali não se podia prosseguir a viagem sem se resolver aquele problema.
Então eu fui a um estabelecimento comercial que havia ali naquele cruzamento e perguntei qual era a cidade mais próxima. Cidade mesmo, não era vileca, porque para resolver um problema daqueles tinha que ser uma cidade. Então disseram-me que era Quelimane, que ficava a cerca de 40 ou 50 km daquela zona. Desmontámos a peça que estava partida, pegámos num camião e lá fomos nós para essa tal cidade de Quelimane, à procura de uma oficina grande.
Chegámos lá, localizámos uma oficina, mas não havia hipótese de resolver o problema. Teríamos que mandar vir uma peça nova de Lourenço Marques. Então, teríamos de arranjar maneira de ficar ali uns dias, à espera que a peça viesse de avião para se montar e prosseguir a viagem. De modo que arranjámos quartos para os motoristas, essa história toda. Então, no domingo (estas peripécias, normalmente, aconteciam ao domingo), no domingo eu entro num café que há em Quelimane, que é o Pólo Norte, estou a tomar o meu pequeno-almoço e encontro um amigo meu que tinha estado em Luanda e conhecia até o nosso namoro de lá. Nós estamos sentados, eu de frente para porta e ele de costas para a porta, ele pergunta-me:
- Então a Rosa Maria, pá?
E eu disse:
- Olha: se tu soubesses porque é que eu estou aqui, pá! Eu estou aqui, houve uma avaria num carro fui obrigado a vir para aqui, mas estou de passagem. Estou precisamente a caminho do norte, porque eu tenho que encontrar a Rosa Maria.
E quando eu digo «eu tenho que encontrar a Rosa Maria», ela entra pela porta do café!»

(capítulo 8)

Excertos de "Um Amor Colonial" (9)


«Agora, não sei. Partiu para Portugal, não sei o que é feito dela. Nunca mais tive notícia nenhuma dela, nestes trinta anos. A mãe também foi, pronto, e eu nunca mais tive notícia. Mas gostava. Ainda pus alguns anúncios num jornal, parece que era um semanário. «Alguém conhece a Rosa Maria de Oliveira César Paulo?» Nunca ninguém me respondeu. Pronto, se calhar ela até leu mas disse: «Não... é melhor não escrever.»
E olha... cá estou eu, mas com esperança de ainda a encontrar! Não é cá para maluquices. Estamos velhos para isso, eu tenho a minha vida, ela tem a dela. Mas gostava de a encontrar. Só.
Eh pá! Acredito que esta do destino… Eu penso muito nisso, e penso que talvez não tenha feito um grande esforço, durante estes 15 anos últimos, para a encontrar porque sinto uma pontinha de esperança cá dentro que o destino, um dia, vai pô-la à minha frente. Nem que seja na véspera de eu morrer! Porque passaram-se tantas peripécias, tantas coincidências que... é o destino.»(capítulo 9)

Excertos de "Um Amor Colonial" (10)

«Portanto, está a ver: o país não está como as pessoas gostariam, o tempo passa e cada vez há menos desculpa para o que está mal, mas a verdade é que passei cá as alturas mais difíceis, não era agora que me ia embora. Quando me convidam para ir para Portugal, eu digo: «Eu hei-de morrer aqui.»
Há um termo que eu apliquei, quando era muito novo e não sabia onde é que ia parar com a minha vida. Dizia isto a muita gente: «Deus deu-me um bocadinho para eu nascer e deu-me o mundo inteiro para eu morrer.» Disse isto durante muitos anos a muita gente, porque andei realmente perdido.
Hoje, sei que hei-de morrer aqui.»
(capítulo 10)

Este livro, a história de vida de um habitante de Maputo (com este amor pelo meio e contada nas suas próprias palavras), está há 2 anos para ser publicado.
Uma editora já avançou e recuou. Outras consideram que, comercialmente, é uma «edição de risco» - e devem ter razão, porque eles é que são os profissionais.
Confesso que não percebo o mercado livreiro.

Leia o Posfácio analítico de "Um Amor Colonial - Álvaro e Rosita, Lisboa/Angola/Moçambique"

terça-feira, 11 de março de 2008

O Social em Análise - a investigação no ICS hoje



O livro que há uns tempos apresentei como o provável grande acontecimento editorial das ciências sociais portuguesas, neste ano e seguintes, ainda procura afinal seu título definitivo.
Eu votei naquele que dá nome a este post.
Também a lista de autores engordou, entre o projecto e a paginação. Cá fica a actualização:

Introdução: Manuel Villaverde Cabral

"A construção do Portugal moderno": artigos de Conceição Andrade Martins, Fátima Patriarca, José Manuel Sobral, Luis Salgado de Matos, Mª Filomena Mónica, Mª Isabel Soares, Mª José Marinho, Pedro Lains e Rui Ramos.

"Cidadania e instituições democráticas": artigos de Alexandra Brito, Alice Ramos, Andrés Mallamud, Cícero Pereira, Filipe Carreira da Silva, Jorge Vala, José Manuel Rolo, Marco Lisi, Mónica Vieira e Pedro Magalhães.

"Ambiente, risco e espaços": artigos de Aida Valadas Lima, João Pato, Luísa Schmidt, Paulo Granjo, Renato do Carmo e Tiago Saraiva.

"Ciência e investigação": artigos de Ana Delicado, Cristiana Bastos, Hermínio Martins, João Pina Cabral, José Luís Gracia e Tiago Saraiva.

"Escola, juventude e trabalho": artigos de Ana Guerreiro, Ana Nunes de Almeida, David Cairns, José Machado Pais, José Oliveira Costa, Mª Manuel Vieira, Marina Koralova, Marínus Pires de Lima, Marta Lino e Vera Borges.

"Género, família e estilos de vida": artigos de Ana Raquel Matias, Anne Cova, Cátia Nunes, Karin Wall, Pedro Moura Ferreira, Sanda Samitca, Sofia Aboim, Susana Viegas, Vanda Aparecida, e Vitor Ferreira.

"Império, diásporas e migrações": artigos de Ângela Xavier, Cícero Pereira, Daniel Melo, Jorge Vala, Marzia Grassi, Patrícia Aguiar, Rui Lopes e Valentim Alexandre.

"Comunidades e práticas religiosas": artigos de João Vasconcelos, José Barreto, Nina Tiesler, Ramon Sarró, Ruy Blanes e Steffen Dix.

Que trupe, heim?

segunda-feira, 10 de março de 2008

Coisas que todo o antropólogo deve saber



O João Vasconcelos, que já mencionei aqui a propósito do seu rito de passagem, tem estado a juntar no seu blog uma colecção de apontamentos deliciosos, sob este título.
Fica aqui a transcrição, como convite a que o visitem.

«Não é preciso invocar Lévi-Strauss cada vez que se escreve bricolage. A maioria das vezes é mesmo melhor não o fazer.»

«Não é preciso falar de Marc Augé cada vez que se pára numa área de serviço. É melhor aproveitar para fazer um pouco de ginástica.»

«Às vezes um charuto é apenas um charuto. Quem o disse, atente-se bem, foi Sigmund Freud, porventura o interpretativista mais compulsivo e genial de todos os tempos. Disse-o a propósito do seu próprio charuto, é certo. Mas vale para todos.»

«Um vegan é um perspectivista destravado.»

«O futuro será sempre o melhor ponto de vista sobre o presente. Cautela, portanto.»

«As palavras com o prefixo pós- têm um prazo de validade mais curto que as palavras com o sufixo -ismo.»

domingo, 9 de março de 2008

A minha vizinha garça

O que é que faz uma garça-real, todos os dias, numa machamba plantada no meio de prédios, em plena cidade de Maputo?
Anda aos sapos, que a minha cadela gostaria de abocanhar durante o xi-xi da noite?
Acha piada a chatear as galinhas?
Gosta de debicar um vegetal de vez em quando?
Vem, apenas, porque aqui ninguém a ameaça?

Não sei. Mas é um prazer para os olhos e para a alma, em cada fim de tarde.

Bute aí curtir tradição!

Com a divulgação deste acepipe antropológico e o convite a que o comentasse, o Carlos Serra encomendou lenha para eu me queimar.

Deixei o meu comentário aqui, que é também o melhor sítio para deixarem o vosso.

A gente vê-se na Matola

Nos dias 4 e 5 de Abril, festa do jazz na Matola!
Dois palcos, um para jovens moçambicanos e outro para cats que vêm do Festival da Cidade do Cabo: The Manhattans, Judith Sephuma, Pieces of a Dream, Freshyground, Moreira Project, Jimmy Dludlu, Irinah, Salimo Mohamed, Otis e Stewart Sukum.

Luís P, amigão: é desta que me fazes uma visita?

Filipe R: é desta que vens dar um abraço aos muitos amigos que deixaste nesta terra, quando por cá passaste?

Família: e vocês? Ficam-se?

sábado, 8 de março de 2008

Os professores e a Professora

Estou banzado!

Ver na televisão mais de 85.000 professores (Fenprof e PSP de acordo), um pouco mais de metade dos professores portugueses, numa manifestação em Lisboa contra a política de ensino do governo e exigindo a demissão da respectiva ministra é um acontecimento que foge a todas as normas. É o equivalente sectorial a vermos 5 milhões de portugueses na rua, a protestarem contra o governo ou uma sua política geral.
Perante um terramoto destes, ver depois Augusto Santos Silva a perorar (certamente contrariado, pois ninguém lhe pode invejar a obrigação de fazer tal discurso) que a política do governo não é ditada por manifestações, mas pelo seu programa, é constrangedor. É patético. Tem-se pena do homem, mesmo tendo sido ele quem aceitou o cargo. Porque não é credível que possa existir um tal nível de autismo num governo e num homem inteligente como ele.

Um tamanho consenso contra uma política de um governo (sectorial mas numa área indiscutivelmente estratégica) e contra a pessoa que com particular empenho a planeia e executa é excepcional. Que esse consenso se expresse através de uma manifestação de rua tão esmagadora é mais excepcional ainda.

Porquê? A propósito de uma outra manifestação, chamei aqui a atenção para um facto que por vezes nos escapa: há quase duas décadas que, em Portugal, as pessoas consideram a representação sindical (mesmo quando não concordam com a actuação prática dos sindicatos) como um serviço público a que têm direito, sem que tal exija delas filiação e participação. Quando participam, isso é um acto muito mais significativo do que quando (até meados da década de 1980) participar era normal; quando o fazem massivamente, a excepcionalidade do acto demonstra como é excepcional e consensual o desacordo.

Mas isto levanta novas perguntas. Como é que alguém (individual ou colectivo) consegue criar um consenso destes contra si próprio? Há a política adoptada, claro. Há o autoritarismo na sua adopção, certamente. Mas é só isso?

O autoritarismo não é apenas um estilo. É uma concepção do poder e do seu exercício - e o poder não é apenas "político", no sentido mais comum da palavra; existe em qualquer relação entre pessoas. Também não é, pelo menos para os psicólogos, a mesma coisa que autocracia.
O autocrata impõe-se, vai à luta para esmagar mas equaciona a possibilidade de derrota e sabe ouvir, porque toma as opiniões adversas como informações essenciais para ajustes tácticos, mesmo que os seus objectivos estratégicos sejam execráveis. Quer dominar, mas está alerta porque encara esse domínio como o resultado de um jogo permanente.
O autoritário "pisa para baixo" e "amouxa para cima". Desvaloriza as opiniões adversas e as informações desagradáveis para o seu plano, porque parte do princípio de que estar numa posição dominante garante, à partida, a imposição e sucesso do seu domínio. São os burocratas do poder sobre os outros.

A Ministra da Educação demonstrou publicamente o seu carácter autoritário e o nosso primeiro mais ainda - juntando até, aos aspectos de poder, a fixação higienista e saudabilista que os psicólogos atribuem a esse modelo de personalidade.
Está estudado que os autoritários preferem rodear-se de autoritários, quer por apreciarem o estilo (que acaba por ser uma extensão do seu), quer por se sentirem mais seguros de que, assim, a sua posição e poder não serão questionados, pelo menos enquanto as posições hierárquicas estiverem claras. OK, mas... Porquê esta autoritária? E que consequências é que essa escolha tem?

Para alguém que leccionou Antropologia da Educação durante 7 anos, sou singularmente pouco interessado por questões relacionadas com o sistema de ensino.
Mas há uma coisa que repeti inúmeras vezes, nos mais variados sítios e contextos, embora fosse quase sempre entendida como uma gracinha pour épater les bourgeois: a importância real dos professores para a sociedade decresce à medida que aumenta o grau de ensino que leccionam.
A afirmação era vista como uma boutade num académico, porque separa o aprofundamento de saberes da importância social do trabalho lectivo (que normalmente são amalgamados) e porque é suposto termos, todos nós académicos, um enorme ego individual e colectivo.
Esta última imagem é basicamente verdadeira, sem que eu seja excepção. Mas a experiência de vida e a capacidade auto-reflexiva têm alguma importância, pelo que por vezes dá para compreender que a universidade é uma instituição singularmente hierarquizada, considerando os seus supostos objectivos, e que tende a ser encarada, por nós académicos "bem sucedidos", não como um cantinho relativamente pouco relevante do mundo, mas como a sociedade (com ou sem o prefixo "micro") relevante em que nós vivemos. É normal, então, que farrapinhos de poder quase ridículos numa perspectiva societal global sejam objecto de lutas fracticidas letais, como se aquelas cagadinhas de poder fossem O PODER, e como se o poder valesse isso.
Em suma, e apesar de algumas muito louváveis excepções (que têm tanto a ver com carácter individual como com a capacidade de fazer com que alguns valores resistam à erosão do meio circundante), somos um caldo de cultura adverso à produção de decisores políticos que encarem o poder segundo uma lógica diferente do mata-ou-morre - ou, num outro sub-produto mais raro, do "bananismo" indeciso.

Posto isto:
A partir de hoje, a Ministra da Educação está politicamente morta.
Não é uma declaração política; é a mera constatação de um facto.
Discordo de algumas opções tomadas pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (embora suspeite concordar com o diagnóstico que o terá levado a tomá-las), mas acho que dificilmente poderíamos encontrar uma melhor pessoa para esse cargo.
Em contrapartida, quanto ao Ministério da Educação, deixem os académicos a academicar. Vejam lá se agora arranjam um(a) ex ou actual professor(a) do ensino básico ou secundário, sem grandes sentimentos corporativos mas sensibilidade para os entender, que não saiba falar educacionês, não seja um(a) "rato(a) de aparelho" partidário e, de preferência, seja inteligente. De outra forma, estarão a pedi-las.

... E o James Joyce, então, é uma seca

Savana, 7/3/2008

Trago-vos uma interessante peça de crítica literária, baseada em peculiares critérios de análise de qualidade (clique para aumentar).

Já agora:
Por curiosidade moçambicanista e literária, tenho tentado comprar nas livrarias as obras publicados pelo seu autor, o novíssimo secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, Jorge de Oliveira. Não tenho tido sorte; lá, não me sabem dizer quais são. Por isso apelo aos leitores: alguém me pode indicar os títulos dos livros, para eu os encomendar?

quarta-feira, 5 de março de 2008

É Pr'ámanhã!



Philip Peek, Chair of Anthropology da Drew University (E.U.A.), apresenta amanhã, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM, a palestra "Reflexões Acerca do Estudo Académico da Adivinhação Africana".
É às 9h. 30m., na sala 206 (o auditório da antiga UFICS).

Como diz o resumo, «Esta comunicação apresentará algumas reflexões acerca do desenvolvimento do estudo académico da adivinhação africana - mas não tentará recapitular a sua história completa. O estudo dos sistemas africanos de adivinhação cresceu rapidamente nos anos recentes e produziu valiosas abordagens inovadoras, mas vários problemas continuam por resolver. Basicamente, quanto melhor compreendermos a adivinhação, melhor nos compreenderemos a nós próprios.»

Estrangeiros à porta de casa

Afinal, ontem não resisti e, na habitual visita ao blog de Carlos Serra, deixei um comentário antropocoisico no post que ele fez acerca desta notícia.

Isto porque, como diz um outro comentador, é uma «bela peça de jornalismo, para quem “curte” antropologia».
Lembrou-me um artigo do Mia Couto, anos atrás, em que ele referia o desconforto e ar de peixes fora de água dos seus alunos, quando tinham que se sentar no quintal de alguém, fora da capital.
Também há uns anitos, tive que teorizar um pouco acerca da prática de "antropologia à porta de casa" (dowload de excerto aqui, livro aqui). Por vezes, duvido da utilidade que essas reflexões possam ter em Moçambique pois, para muitas pessoas nadas e criadas em Maputo, o seu próprio país parece ser tão estrangeiro e exótico como para alguém que acabou de desembarcar da Suécia. Outras vezes, penso que não é assim tão inútil, pois essas mesmas pessoas (quando são, por mero exemplo, jornalistas) não dão grande importância a essa 'estrangeireza' e olham os seus concidadãos como se os conhecessem "de gingeira" e estivessem no Alto Maé.

Daí a pergunta: Que tal uns cursozinhos de verão em Antropologia, para jornalistas e políticos?
E não julguem que estou a falar apenas de Moçambique.

Aditamento a 6/3: a zanga de um comentador mais mal-disposto acabou por abrir a porta à descoberta de um fascinante aspecto linguístico. Veja aqui.

terça-feira, 4 de março de 2008

O Mundo Perfeito

Depois de responder a um interessante comentário a este post, vou meter hoje uma folga bloguística.

Se vinham à procura de novidades, vão antes dar um passeio neste blog, que a minha senhora me aconselhou e de que fiquei fã.

Divirtam-se!

segunda-feira, 3 de março de 2008

descoberta a Mão Invisível

Dou a mão à palmatória!

Afinal, não apenas existe a tal "mão invisível" por detrás dos recentes motins/revoltas/tumultos, como foi documentado, pelo suplemento humorístico do Savana, um rebanho inteiro delas a conspirar para criar novos problemas.

Como sempre, clique na imagem para a aumentar.

sábado, 1 de março de 2008

Tecnologia Industrial e Curandeiros: partilhando pseudo-determinismos

Proponho neste artigo, a publicar no livro colectivo Portugal Contemporâneo. Olhares Sobre a Sociedade Portuguesa (Lisboa, ICS, 2008) que «independentemente das representações públicas acerca dessas actividades e da natureza que os seus praticantes lhes pretendam atribuir, tanto a gestão probabilística de riscos quanto a adivinhação “mágica” se regem por uma lógica de caos determinístico. Dessa lógica comum, associada à complexidade dinâmica das realidades sobre as quais as suas análises incidem, resulta uma também comum incapacidade de controlar a incerteza de forma prospectiva, transformando a prevenção de acontecimentos indesejáveis (seja ela técnica, comportamental ou ritual) num paliativo parcial – útil, mas insuficiente para os evitar.
Dessa forma, mesmo quando sejam exactas nos diagnósticos e cenários que produzam, as conclusões de um adivinho ou de um analista de risco deverão ser encaradas, por quem as considere fidedignas, como apenas parte das dinâmicas futuras possíveis e não como um controlo seguro da incerteza; optar e agir apenas de acordo com os seus ditames, esperando com isso assegurar o resultado desejado, é em última instância irracional.»


Leia «Tecnologia Industrial e Curandeiros: partilhando pseudo-determinismos»