segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Ó prá austera Europa!
A decisão abrangerá, já este ano, 340 funcionários.
Só eu é que me sinto troikado?
E se os palhaços fossem com o Coelhinho no comboio ao circo (de Pequim)?
Fica também a saber-se uma coisa: se este senhor não for imediatamente demitido, isso quer dizer que a emigração é a solução que o governo e o Primeiro-Ministro têm em vista para resolver o problema do desemprego, particularmente o dos jovens qualificados em cuja formação a sociedade portuguesa investiu grandes somas de dinheiro e de conhecimento.
Mas talvez, afinal, isto seja uma nova forma de solidariedade internacionalista: dar de borla aos países mais ricos (onde os jovens e os mais qualificados também estão à rasca, mas isso são pormenores) quem tanto nos custou a formar.
domingo, 30 de outubro de 2011
«Se fores preso, camarada»
No tempo da outra senhora, era um caderninho de conselhos em papel-biblia.
Agora, em apoio ao movimento Occupy Wall Street, um grupo de programadores disponibilizou uma aplicação livre para telemóveis que, com um toque, avisa o advogado e familiares que o seu proprietário está a ser preso (e em que sítio isso está a ocorrer), transmitindo depois a notícia aos media.
Entretanto, o grave ferimento de um veterano de guerra, atingido pela polícia de Oakland com uma granada de gás lacrimogéneo na cabeça, está a fazer crescer a adesão de ex-militares aos protestos.
Citações de café (34)
«Já que mandou para lá o Pai Natal, o Coelhinho devia era ir com os outros palhaços no comboio ao circo!»
"We All Stand Together", ou A Cada Um As Suas Razões Para A Unidade
Segundo um comunicado assinado por instituições cristãos que incluem a Fellowship of Reconciliation, o Student Christian Movement, a Christianity Uncut, o Zacchaeus 2000 Trust, a revista Third Way, a London Catholic Worker, a Society of Sacramental Socialists e vários grupos Quaker,
«Como Cristãos, estamos lado a lado com as pessoas de todas as religiões que estão a resistir à injustiça económica com não-violência activa. O sistema económico global perpetua a riqueza de muito poucos à custa de muitos. É baseado na subserviência idólatra para com os mercados. Não podemos adorar ao mesmo tempo Deus e o dinheiro.»
sábado, 29 de outubro de 2011
Música na ordem do dia: "Não, não sou o único"
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Andam a roubar-nos acima das nossas possibilidades - 2
Lembro-me sempre que, quando o governo anterior decretou os cortes de 5 a 10% nos salários dos trabalhadores de instituições públicas, um colega, naquela lógica bem nacional do «morreu, coitado, mas se ficasse entrevadinho era bem pior», me revelou o seu alívio por não nos terem cortado o subsídio de natal. Quando lhe pedi para multiplicar o corte mensal por 14, ficou muito espantado por verificar que já lhe tinham tirado isso e mais 15% de um outro salário...
Fazendo as contas com todos os factores, no entanto, a coisa fica ainda mais obscena.
Em 2011, considerando a inflação, os cortes salarias mensais e o corte no subsídio de natal (metade da parte que exceda o salário mínimo nacional), foram-me retirados 14,3% do salário. Ou seja, roubaram-me 2 meses de salário. Ou seja, ainda, na prática já não tive subsídio de natal nem de férias.
Em 2012, continuando a não ser compensada a inflação, continuando os cortes salariais mensais e não sendo pagos os dois subsídios, o meu salário vai ter um corte de 28,4%, em comparação com 2010. Ou seja, vão-me roubar quase 4 meses de salário. Ou seja, ainda, para além dos dois subsídios, vou andar mais 2 meses a trabalhar à borla.
O que, apesar de tudo, é um bocadinho diferente desse já escandaloso corte do subsídio de natal e do de férias. É o dobro!...
E não estamos ainda a tomar em conta os aumentos de impostos (via aumento do IVA, aplicação da sua taxa máxima a muitos bens de consumo correntes, e diminuição das deduções no IRS); só mesmo o que é directamente tirado do salário.
Por isso, meus amigos, façam as vossas próprias contas.
Convém sempre sabermos quanto é que, realmente, nos estão a roubar.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Tirar alguma vantagem de uma má situação
Mas dá, por exemplo, para ir relendo uma longa reportagem sobre a Palestina ocupada, escrita em banda desenhada.
Na verdade, uma marcante experiência de leitura.
Ou, como Edward Said escreve no seu prefácio, «Um trabalho político e estético de extraordinároa originalidade, bem diferente de qualquer outro nos longos, frequentemente pomposos e desesperantemente deformados debates que têm ocupado Palestinianos, Israeliras e os seus respectivos apoiantes. Com excepção de um ou dois romancistas e poetas, ninguém alguma vez deu conta deste terrível estado de coisas melhor do que Joe Sacco.»
Não aconselhável, contudo, a quem só goste de desenhos a cores ou de relatos a preto-e-branco.
domingo, 23 de outubro de 2011
Um conselho militar
Depois do alerta lançado pela Associação Nacional de Sargentos ao governo, para que não conte com os militares para reprimir a população, a convocação da manifestação de militares (acima) e as concomitantes declarações do presidente da Associação 25 de Abril têem-me trazido à memória uma frase castrense que, em Stª Margarida, os soldados mais antigos ensinavam aos ainda assarapantados recrutas:
«Quanto mais te agachas, mais o cu se te vê»
Também é, creio eu, um bom conselho a dar aos civis.
sábado, 22 de outubro de 2011
Uma citação estimulante, num interessante artigo inédito
«Na sua religiosidade generalizada e no lugar de Deus nos assuntos públicos, na sua suspeição do desacordo, medo de influência externa, desconhecimento dos países estrangeiros e confiança na força militar para lidar com eles, os EUA têm de facto muito em comum com outros países; mas nenhum deles fica na Europa.»
touche pas a mon Che
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Parece que alguém tem andado a meter o testículo em virilha alheia
A generalidade da população, dos trabalhadores, dos jovens, dos desempregados e dos reformados e pensionistas está a pagar a factura de uma crise que não provocaram. (…)
Neste sentido, o Conselho Nacional da CGTP-IN, reunido a 18 e 19 de Outubro de 2011, decide:
(…)
■Convocar uma Greve Geral para o dia 24 de Novembro de 2011, contra a exploração e o empobrecimento; por um Portugal desenvolvido e soberano; pelo emprego; salários; direitos; serviços públicos;
■Promover, através das Uniões Distritais de Sindicatos, no dia da Greve Geral, acções públicas em diversos Distritos para dar expressão pública à indignação geral contra a política de direita e as posições retrógradas do patronato, e exigir uma mudança de política que respeite e valorize os trabalhadores e assegure o desenvolvimento económico e social do país.» (os destaques a bold não foram acrescentados, estando conformes ao documento original)
Parece que, para a direcção da CGTP-IN, não é evidente que houvesse uma conexão entre as “reiteradas exigências de manifestações em dia de greve” e um qualquer “discurso anti-sindical”. E, se por acaso achou que havia, parece que tem suficiente consciência da incomparável importância e força do movimento sindical (em termos absolutos e em comparação com os restantes e louváveis movimentos sociais) para não subordinar o impacto e capacidade de mobilização da Greve Geral a sectarices mesquinhas.
Parece que, para a direcção da CGTP-IN, não é evidente que uma Greve Geral seja uma coisa que só diga respeito aos trabalhadores assalariados, devendo a restante população arranjar nesse dia um entretém qualquer e não chatear. Parece que, pelo contrário, considera que o seu protesto e reivindicações são expressão dos interesses da população e do país. E parece que, pelo contrário, não só considera bem-vinda a mobilização cívica dos desempregados, dos jovens, dos reformados e da população em geral, como acha que cabe ao movimento sindical organizar, por todo o país, acções públicas no dia da Greve Geral, onde os trabalhadores e a restante população possam dar expressão pública à sua indignação.
Parece que, para a direcção da CGTP-IN, não é evidente que a realização de piquetes e a paralização dos transportes públicos sejam impedimento à organização e realização de acções públicas.
Parece enfim que, para a direcção da CGTP-IN, não é evidente que a forma mais eficaz, pura e justa de fazer uma Greve Geral na situação que atravessamos seja, por definição, ter um garboso e empenhado punhado de activistas nos piquetes e o resto dos grevistas em casa ou a passearem nos centros comerciais.
Também parece que, como diz (em versão mais vernácula) uma conhecida expressão popular, andou por aí muito boa gente a meter o testículo em virilha alheia.
Ou, para usar uma outra colorida expressão popular, parece que andou por aí muito bom mestre de revolução e sindicalismo a querer ensinar o pai a fazer filhos. De forma evidente. E por definição.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Acerca da "insustentabilidade" do Estado Social
E dizia que essa revanchista receita liberalona põe em causa a relativa paz social e segurança pública – que os apologistas de tais medidas dão como asseguradas e normais, mas que resultaram nas últimas décadas, precisamente, do grau de previsibilidade e segurança que o estado social e a negociação consequente dos termos de trabalho (aceites e implementados por governos de todas as cores, entre outras coisas com o intuito de assegurarem essa paz e segurança) garantiam à vida dos trabalhadores.
No debate do assunto, veio à tona uma ideia que parece deixar muito satisfeita alguma boa gente de esquerda, talvez por verem nela um sinal de amanhãs que cantam ou, pelo menos, de umas redentoras (não me perguntem de quê) pancadarias urbanas de toca-e-foge.
Trata-se da ideia de que o Estado Social (tal como os consensos daí resultantes) só foi e é possível com um crescimento económico sustentado e contínuo, característico da época em que foram implementados. E consequentemente que, sem esse crescimento (em fases de estagração, crise ou recessão), ele não é viável.
Ora não é por acaso que essa ideia (que também faz de conta que o crescimento sustentado só teria existido da II Guerra Mundial à chamada “primeira crise energética”) nasceu no seio da direita neo-liberal e é por ela propagandeada, mesmo se é também papagueada por pessoas real ou supostamente “de esquerda”, sobretudo se estão num governo.
Em primeiro lugar (e residirá aí o interesse mais imediato de quem a inventou), essa ideia justifica e legitima a destruição do Estado Social e de qualquer garantia de segurança de vida dos trabalhadores, pois essas coisas do acesso universal à saúde e à educação, a par da segurança na doença, no desemprego, na incapacidade e na velhice, são luxos faraónicos a que uma sociedade só se poderá dar se estiver sempre a abarrotar de cada vez mais riqueza.
Por outras palavras (que essa gente não usa), dizem-nos que, sempre que as taxas de lucro desçam abaixo das «legítimas expectativas» dos investidores, estes têm que ir sacar mais algum, quer seja àquela parte dos “gastos” com o trabalho que nós não chegamos a ver sob a forma de salário (a tal TSU e os nossos próprios descontos), quer a subvenções e benefícios estatais, tornados possíveis pelo desmantelamento desses custos “parasitários” para a economia que são a segurança social e a saúde e educação públicas. Claro que - passado o aperto da “crise”, da “recessão”, ou da “baixa competitividade” – esses sacanços vêm somar-se às anteriores «legítimas expectativas» de lucro entretanto criadas, justificando que o capital exija a sua continuidade.
Mas, se não nos dizem explicitamente isso, já nos dizem, repetem e (pelos vistos) têm algum sucesso a convencer-nos, que não apenas é inevitável «acabar a mama» desse «viver acima das possibilidades» sociais, mas também que, como crises há muitas e cada vez mais, essas veleidades de vida individual minimamente protegida pelo colectivo têm que ser esquecidas. Ou seja, dizem-nos que esses não são direitos, arduamente conquistados e impostos aos capitalistas; são luxos “contra-natura económica”.
Em segundo lugar, essa ideia de que o Estado Social não é viável fora de excepcionais condições de crescimento económico hipoteca a justiça social, não apenas no presente e num quadro de economia capitalista, mas em quaisquer alternativas.
Isto porque, já que os produtores e reprodutores dessa ideia assumem que o capitalismo é o sistema mais eficiente para criar crescimento económico sustentado (o que, com crises e tudo, até parece ser confirmado pela experiência histórica recente, embora tal não possa ser projectado sobre eventuais alternativas futuras ao capitalisto), e já que nem o próprio capitalismo desenvolvido “se pode dar a esses luxos”, essa perversa ideia diz-nos que, num modelo de sociedade alternativo ao capitalismo, ou não seriam sustentáveis a protecção social e o acesso à saúde e educação, ou só poderiam existir à custa da miséria nas restantes áreas da sociedade e da vida económica. Uma conclusão tétrica e injustificada, claro está, mas que é uma mera decorrência lógica da tal ideia que reproduziu.
Por fim, essa ideia de que o Estado Social só é possível em situação de crescimento económico acabaria de vez com qualquer veleidade de justiça social generalizada (fosse em que sistema económico fosse), caso tenhamos uma visão prospectiva e ecologicamente consciente do futuro.
Efectivamente, de acordo com essa visão cada vez mais justificada, o justo e necessário aumento do consumo nos países mais pobres, conjugado com as limitações planetárias à utilização sustentável de recursos e de energia, implicará, a prazo, que o consumo nos países mais ricos tenha que baixar e que assumir novos padrões. Nessas condições futuras, a ideia liberal que tenho vindo a criticar implicaria desistirmos para sempre daquilo que é assegurado pelos direitos sociais e o Estado-providência, pois o crescimento económico na Europa passaria a ser (por imposição da sustentabilidade do consumo à escala global) nulo ou mesmo negativo.
Posto isto, é claro que não há evidências empíricas que sustentem essa suposta relação absoluta entre crescimento económico continuado e a viabilidade do Estado Social. Aliás, a coisa mais aproximada a elementos de um “estado social” que foram implementadas nos EUA não ocorreram nas décadas da expansão económica pós-guerra, mas em resposta às duríssimas condições da recessão dos anos 30 (com o New Deal) e já bem depois “1ª crise energética”.
Na verdade, a ideia dessa relação automática requer, para fazer sentido, dois outros raciocínios e pressupostos complementares:
Requer, por um lado, o pressuposto de que (como afirmava a economia clássica pré-marxista e repete o mainstream económico actual), o lucro seja um extra relativamente ao custo de fabrico, que se obtém no mercado em função tanto da oferta e da procura quanto da legítima expectativa de uma determinada taxa de lucro, tendencialmente semelhante em todos os sectores éconómicos. E que portanto não seja, conforme defendeu Marx, uma parte do valor do trabalho incorporado na mercadoria que não é paga ao trabalhador (diríamos hoje que sob a forma de salário ou de prestações sociais), sendo apropriada pelo patrão e materializada em dinheiro com a venda do produto no mercado. Ou seja, que a taxa de lucro é um dado a priori, legítimo e por isso intocável (por exemplo, para financiar em grau mais elevado os serviços e prestações sociais do estado), sob pena de se cometer uma injustiça e se hipotecar a capacidade de reprodução da economia.
Acreditar que a viabilidade do estado social depende de um contínuo crescimento económico requer, por outro lado, o pressuposto de que os formatos dos direitos sociais (e do próprio “contrato social”) são e devem ser comandados pelas conjunturas económicas, em vez de dependerem de opções políticas e de correlações de poder – ou seja, que não há luta de classes entre diferentes interesses em jogo, e que a esfera do político se tem que submeter à ditadura da esfera do económico, segundo a forma como a economia (e o estado em que se encontre) for interpretada e avaliada pelas classes dirigentes.
É claro que os serviços (e segurança no futuro) que são garantidos pelo estado social constituem uma forma indirecta de distribuição de riqueza entre capital e trabalho. É claro que os interesses das partes são diferentes, e que o aumento da “fatia” de riqueza de uma delas se faz à custa da outra, esteja-se em crescimento ou em depressão económica. É claro que, por isso, os salários reais e os benefícios sociais não têm que seguir as flutuações das conjunturas económicas. Podem aumentar mesmo que a economia decresça, tal como podem ser degradados em tempos de crescimento económico (como em décadas passadas), ou (como agora) num grau muito maior do que o da degradação da economia. A questão é qual é a parte do trabalho e do capital na distribuição da riqueza, e isso não é um automatismo económico, mas uma opção política e o resultado de uma correlação de forças sociais.
Não obstante, ao aceitarmos e reproduzirmos a ideia de o estado social só é sustentável em situações de crescimento económico contínuo e sustentado, não é isso que vemos, mesmo que o saibamos. Para além de estarmos a ser roubados e a aceitar o roubo, stamos a aceitar implicitamente tudo aquilo que antes referi.
Este processo de hegemonia, em que engolimos e papagueamos as justificações que os dominantes apresentam para legitimar a dominação e roubo que sofremos, é sempre relevante e merecedor da nossa atenção e reflexão.
Mas, agora, mais do que alguma vez antes. Porque o que de mais importante está em causa não é a falta que nos faz o dinheiro que nos tiram e o tempo de trabalho que nos impõem. É a destruição do contrato social e do modelo de sociedade que conquistámos e pelo qual nos temos regido.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
terça-feira, 18 de outubro de 2011
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Vem aí Greve Geral
Greve ao Natal
Se os senhores lojistas quiserem ter a bondade de levantar o rabo do sofá, nas próximas manifestações, protestos e greves, serão muito bem vindos.
domingo, 16 de outubro de 2011
As duas melhores frases que li ontem na manif
«Arrest me! I have an opinion»
A minha modesta «O século XIX não é aqui» ficou-se a milhas de distância delas...
E, enquanto espero que um amigo me envie as fotos que lhes tirou, vejam estas belas imagens, onde uma delas também aparece.
sábado, 15 de outubro de 2011
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
A caminho do século XIX
A coberto da crise e do pagamento da dívida, estas decisões do governo são um acerto de contas revanchista com a história dos últimos 100 anos e uma brutal subversão do pacto social que ao longo deles se estabeleceu na Europa. Do que se trata, afinal, é de anular abruptamente os direitos do trabalho tal como os conhecemos (e outros conquistaram para nós), anular um dos pilares da legitimidade do poder político (sustentada na negociação consequente dos termos do trabalho) e aplicar/estimular interesses de classe e as condições de exploração, ao abrigo do discurso hegemónico (à Gramsci) do equilíbrio das contas públicas e do fim-do-mundo do incumprimento.
Desbragado como sempre, Belmiro de Azevedo já tinha explicitado esse programa logo aos primeiros sinais de crise, afirmando, como se de uma fatalidade evidente se tratasse, que os trabalhadores teriam que aceitar salários mais baixos, pois era melhor isso do que ficar sem emprego. É o tempo de utilizarem o "exército industrial de reserva "e a ameaça de a ele passarmos a pertencer, para transformarem o salário, de uma retribuição assimetricamente negociada do trabalho, num leilão invertido entre trabalhadores assustados, num "mercado de oferta e procura" viciado e despótico.
O que esta gente esqueceu é que, nos 60 e tal anos da construção (e posterior minagem) do estado social e de relações menos injustas e despóticas entre capital e trabalho, estas duas coisas não aconteceram por acaso.
Em parte aconteceram, é verdade, por factores que já não existem ou se têm vindo a deteriorar - respectivamente, o medo do comunismo e a capacidade de luta sindical. Mas aconteceram também pela consciência de que o anterior grau avassalador de insegurança e incerteza que caracterizava a vida da massa da população acarretava enormes perigos para as classes possuidoras e para os gestores políticos do capitalismo: o perigo de uma quotidiana desordem pública incontrolável, e o perigo de uma também incontrolável emergência e adesão a alternativas políticas messiânicas, cesaristas e totalitárias (de carácter fascista ou sob novos formatos), prometedoras de ordem, segurança, regras claras e previsibilidade.
Por isso, o estado social foi implementado tanto por governos social-democratas nacionalizadores, como por democratas-cristãos e conservadores. E por isso, em enorme medida, também a paz social foi quase em continuidade assegurada na europa capitalista, restringindo a conflitualidade à negociação laboral - uma conflitualidade no essencial previsível e auto-controlada, dado exercer-se em torno dos termos de uma relação laboral que se pretende manter, mesmo quando (ou mais ainda, então) a negociação desses termos incluia formas de controle dos trabalhadores sobre a gestão das empresas.
Os jovens e velhos lobos do liberalismo radical esquecem que essa predominante paz social que tomam por adquirida não é um dado autónomo e abstractamente característico das "sociedades europeias" mas, precisamente, um resultado e sedimentação desses dois factores - o estado social e a regulação confiável entre capital e trabalho. Sem eles, a brusca generalização da incerteza, insegurança e ameaça à subsistência das pessoas (tão mais violenta e traumática quanto, ao contrário de antes da II Guerra Mundial, não é uma continuidade da situação habitual, mas uma ruptura de tudo o que nos habituámos a considerar como a vida normal) terá previsivelmente efeitos avassaladores. Esses canis lupus ficarão a gerir um circo de feras - e não dessas que se tentam devorar entre si, nos mercados financeiros.
Todo esse panorama recebe uma enorme ajuda e rastilho quando os cidadãos assustados, inseguros e ameaçados não podem descortinar, nas formas de intervenção e mecanismos políticos existentes e habituais, nenhuma possibilidade credível de canalizarem de forma eficaz e consequente o seu protesto. Isso já se passa há anos, para muita gente, mas só é de esperar que esta tentativa de "regresso ao século XIX" alargue essa avaliação a muitas mais.
E, aí, não é só o "regime", a direita e os liberalismos em tons de rosa que têm culpa. A evidente incapacidade dos partidos mais à esquerda para gizarem estratégias prospectivas e eficazes para combater a situação que vivemos é um dos factores dessa descrença, mas também da implausibilidade de que todo sentimento de revolta que existe, e muito irá crescer, possa ser canalizado para uma resistência eficaz e para alternativas essenciais e estruturais.
Porque, perdoem-me os apologistas do "quanto pior, melhor", mas parece-me bem que o "pior" só poderá levar, nas condições presentes, a situações de granel e expressões de revolta que se esgotem em si próprias.
O que me faz desabafar e perguntar:
Quando é que as direcções do PCP e do BE vão autorizar-se a si próprias a perceber que o tempo não é de rivalidades identitárias, pintelhices semânticas e tacticismos eleitoralistas à custa um do outro?
Quando é que vão deixar-se perceber que cada um tem capacidades que o outro não tem, e que sem as de ambos será quase impossível criar alternativas e mobilizar para elas?
Quando é que vão deixar-se lembrar que a unidade se faz com aqueles que são diferentes de nós?
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Reflexões ociosas - 6
Parece-me que a questão está mal colocada. Talvez por Kolakowski ter sido tão estruturalmente judaico-cristão como os sacerdotes dos "marxismos" no poder.
Pela minha parte, diria que a relação entre "virtude" e "mal" é bem diferente dessa, e muitíssimo mais generalizada (e verificável) nos mais diversos contextos da vida política e social.
Diria, antes, que a busca e imposição pública da virtude e da pureza se torna inevitavelmente maléfica (para além de repressiva) nos seus métodos, práticas e consequências.
Um efeito perverso? Talvez. Mas sistemático e permanente.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
domingo, 9 de outubro de 2011
Transculturalidade desportiva
Apesar disso, as empregadas domésticas sul-africanas aprenderam umas coisas com os All Blacks...
sábado, 8 de outubro de 2011
Mudam-se os tempos, mudam-se os epítetos
Contava ele que, enquanto A. J. Jardim discursava, um homem com aspecto modesto começara a gritar um qualquer protesto, que não conseguiu perceber bem.
O orador interrompeu-se e, apontando para o cidadão que lhe perturbava a inauguração-comício, disse e repetiu: «Não queremos comunas aqui!...»
De imediato, um grupo de gente rodeou o homem, que levou uma valente carga de pancada e, ensanguentado, acabou por ser arrastado dali para fora, perante a impassibilidade de dois polícias que se encontravam no local.
Ontem, os epítetos a quem protesta passaram de «comuna» a «fascista», e a polícia impediu que um ex-candidato a Presidente da República levasse mais do que alguns pontapés.
Sinais de alguma mudança nos tempos, talvez.
Muitíssimo insuficiente, certamente.
Reparei entretanto que, sem sequer pensar conscientemente nisso, ao escolher entre bananas ainda meias verdes de não-se-de-onde e bem aspectadas bananas da Madeira, tenho vindo a trazer do supermercado as primeiras. Isto desde que foi conhecida a ocultação de contas públicas e a aparente simpatia local para com a justificação de AJJ, de que cometeu esse crime para esconder outro, a violação da lei de finanças regionais.
Se, depois disto e conforme prevêm as sondagens, os eleitores voltarem a dar a vitória a AJJ nas eleições regionais, passarei a fazer essas escolhas diárias de forma consciente e reflectida, alargando a minha recusa de compra a todos os produtos vindos da Madeira.
Um boicote com poucas consequências, bem sei.
Afinal, esta situação não é reproduzida e paga com bananas, mas com os nossos impostos e com a cobardia e cálculo eleitoral dos políticos do centrão continental.
Mas, simplesmente, não estou disposto a compactuar com esta obscenidade, no que dependa do meu limitado espaço de escolha e actuação.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Lembrei-me hoje dela
Por uma inesperada associação de ideias, lembrei-me hoje, com a admiração do costume, da Natália Correia.
Como acho que, para prendas a quem gostamos e homenagens a quem respeitamos, não são necessárias datas e efemérides, aqui vos deixo a sempre extraordinária Queixa das Almas Jovens Censuradas.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Espiões, polícias e tumultos
Já está disponível online, aqui, o programa Discurso Directo onde debati o relatório de chefias do SIS e da PSP em que estas especulam sobre a proximidade dos «tumultos mais graves desde o PREC» e a necessidade de se prepararem para isso e de controlarem os "instigadores" e "cabecilhas".
Para quem não tenha tempo de visualizar o vídeo (ou para vos aguçar o apetite, ou a repulsa), aqui deixo uma síntese da minha apreciação inicial acerca da coisa.
- Que as chefias policiais e dos serviços de espionagem interna estão bem conscientes de que a situação social é tão violenta para as pessoas que pode suscitar reacções violentas.
- Que essas chefias (seja por deficiente capacidade de análise, seja por inércia e deformação profissional, seja por ambas) não situam o risco de tumultos nos cidadãos "comuns", precarizados, subitamente empobrecidos e marcados pela incerteza e indignação quanto ao seu futuro e subsistência, mas em conspirativos grupos de activistas. Não procuram o risco na situação social; procuram "inimigos internos".
- Que, devido a esse centramento no (e busca do) "inimigo interno", se justificam preocupações quanto a abusos sobre os direitos de cidadania, as garantias e liberdades democráticas dos cidadãos. É plausível que alguns desses abusos (designadamente escutas ilegais, violação de correspondência electrónica e infiltrações) já estejam a ser cometidos sobre os "suspeitos do costume", tal como aliás já aconteceu no passado com sindicatos e determinados partidos políticos.
- Que se reforça uma dúvida, já antes justificada, acerca daquilo que as chefias policiais e dos serviços secretos consideram ser a sua missão e razão de existência. Acham que é defender os cidadãos e a segurança pública, conforme é suposto e legalmente consignado? Ou acham que é defender o governo que estiver em funções e as políticas que aplique, inclusive da contestação dos cidadãos expressa por meios legais?
- Que se justifica cada vez mais a atenção crítica de todos os cidadãos relativamente ao medo que lhes é instigado. Não apenas o medo da repressão violenta de protestos, de que este documento e a mentalidade que lhe subjaz constituem ameaças (pouco) veladas. Mais importante do que isso, para que o medo e o discurso da insegurança não os façam aceitar como coisas normais e inevitáveis os abusos sobre os seus direitos, liberdades e garantias.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Rosa anarca
Será de admirar que, cá em casa, até as rosas sejam um bocado anarcas?
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
In the land of the free
Fazendo soar desconfortáveis alarmes, nestes dias em que foi tornada pública a preocupação das chefias do SIS e da PSP para com os "piores tumultos desde o PREC"...
E a polícia, pá?
«A polícia de Nova York está a um despedimento colectivo de distância de se juntar a nós».
O que parece fazer trabalhar as meninges do very tipical agente da autoridade que está ao seu lado.
Será, também, por preocupações como esta que os chefes da PSP e do SIS se entretêm a fazer relatórios que prevêm «os piores tumultos em Portugal desde os tempos do PREC»?
(A notícia é do DN, que já não a tem na sua página de abertura online)
Parece que a crise também vai ser demográfica
domingo, 2 de outubro de 2011
Querem telefonar?
Como o programa, o «Discurso Directo», tem participação telefónica dos espectadores, suponho que estamos todos convidados.