Regressado hoje a Maputo, fui surpreendido pela faixa propagandística que atravessava uma avenida e anunciava a Semana do Aleitamento Materno, sob o muito olímpico lema Aleitamento Materno, o Caminho para a Medalha de Ouro.
O Navegador Solitário levou-me, entretanto, a um artigo do Notícias, em que se afirma que «o Governo tem como uma das prioridades promover o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses».
Confesso que não percebo muito bem o que é que há a promover, já que a quase totalidade da população pratica o aleitamento materno, quanto mais não seja por não ter acesso a outra alternativa, se a quisesse.
Será que a campanha se dirige às camadas abastadas? Mas por que a fazer, então, nos bairros populares?
Será que é uma daquelas coisas que se fazem porque há dinheiro disponível e sempre se pode dizer que se fez?
No entanto, o mais desagradável e preocupante com esta campanha não é a sua redundância, num país com tantas carências de saúde, mas algo que já aflorei por aqui:
É dito no artigo, pela voz de uma responsável governamental, que «o aleitamento materno protege as crianças de infecções como a diarreia e a pneumonia e acelera a recuperação após o parto». E é verdade.
É também dito que «o leite materno é o melhor alimento para os bebés, pois satisfaz as necessidades nutricionais completas quando dado exclusivamente até aos seis meses». E é verdade, também.
Mas outra verdade, relevante num país com uma elevada taxa de infecção por HIV, é que o aleitamento materno, por parte de mulheres seropositivas, é um dos principais factores de infecção dos filhos.
A placenta é um poderoso filtro contra o virus. Sabe-se há mais de 10 anos, por estudos realizados em diversos países, que apenas 12 a 14% dos filhos de mães seropositivas ficam infectados, caso nasçam por cesariana e não recebam aleitamento materno. Com parto natural e amamentação, estes números duplicam.
É, portanto, do mais elementar bom senso detectar tão precocemente quanto possível o HIV nas grávidas, proporcionar parto por cesariana às seropositivas sempre que tal seja possível, e fornecer-lhes condições para não amamentarem, pois a grande maioria delas não terá dinheiro para leite em pó ou conhecimentos acerca da necessidade e forma de esterilizar água e biberões.
Não, certamente, tecer loas universais ao aleitamento materno que, ainda por cima, quase toda a gente pratica.
É por isso que fiquei chocado ao ler em 1999, numa revista gratuita que por aí havia, chamada Que Passa?, um artigo daquilo que parecia ser um médico sueco, negando que o aleitamento materno aumentasse o perigo de transmissão de HIV e defendendo que o perigo estava, antes, em alternar peito e leite em pó...
Cientificamente, isso era já, na altura, uma conhecida mentira.
Eticamente, era um apelo ao infanticídio.
9 anos depois, é mais que tempo de mudar de rumo, de discurso e de práticas.
Porque, se uma Vice-ministra da Agricultura não tem obrigação de perceber destas coisas, um Ministério da Saúde tem.
Adenda - Numa calinada que demonstra que não lemos as palavras letra a letra, crismei como "Navegador Solitário" o blog do Agry White, que tem um título muito mais interessante e subtil: Navegador Solidário. As minhas sinceras desculpas ao autor.
4 comentários:
Agradeci e respondi ao seu comentário no Navegador Solidário. É frequente, apelidarem o blog de Solitário. SOLIDÁRIO. O primeiro sugere egocentrismo ou isolocrata
De facto, peguei na noticia, sem muita convicção mas o salário que me pagam para manter este blog obriga-me a estas concessões rsrsrrs
No que respeita às campanhas estimuladoras da SIDA, não poderia estar mais de acordo consigo. Se reparar, o texto do NOTICIAS sugere um conjunto desordenado de colagens de diversos autores!
A questão central da notícia é, supostamente, a SIDA. Depois, é o/a vice ministro da agricultura a proceder à abertura solene da Semana do Aleitamento e a “fazer” de técnico de saúde!
(Não basta ser mulher de César é preciso parecê-lo. O contrário também é verdade)
Ao ler a noticia também fui assaltado por esta incoerência. Não seria mais adequado delegar essa tarefa em alguém ligado à Saúde? Não há, em Moçambique, pessoas tecnicamente melhor apetrechadas para fazer essa abordagem?
Regressando à noticia e ao Noticias. Como é verificável, metade da noticia dedica-se à SIDA.
O restante gira em torno da intervenção de Catarina Pajume, vice-ministra da agricultura.
Reconheço ,sem esforço, a justeza do seu comentário no que respeita à propagação da Sida
pelo contacto com sangue e fluidos vaginais da mãe bem como o carácter desinformativo destas campanhas.
Finalmente,reafirmar a acuidade do seu comentário justamente porque desmistifica e põe a nu aspectos da maior relevância nos cuidados a observar no combate SIDA neles incluíndo a amamentação.
Quem o ler ficará, seguramente, melhor esclarecido
Espero que este comentário não surja duplicado, pois já o enviei sem que me apareça publicado. Parece que este blog é cão que não conhece o dono...
As minhas desculpas pelo engano no nome do seu blog, por onde tantas vezes já passei, convencido de que era "Solitário".
É mais uma demonstração de que não lemos as palavras letra a letra, mas em "pacotes" visuais e em função daquilo que esperamos esteja lá escrito. Já tinha ouvido e lido acerca deste assunto, mas é a primeira vez que tenho consciência de me enganar por causa disso.
Mas imagino que seja frustrante encontrar um nome tão bom e subtil para o blog e, depois, virem distraídos como eu deturpá-lo.
Não sou muito de alterar "pela surra" o que já está escrito, pelo que acrescentei uma adenda com o nome correcto. Pode ser que, assim, chame a atenção de outros distraídos.
Um abraço.
boas primo
epa acabei de mandar esta mensagem para outro sitio qualquer..
precisava que me mandasses um mail para poder falar ctg..
abraco
pgranjo@gmail.com
para ter um vídeo da ELIS REGINA, é porque é uma pessoa com muito bom gosto...foi simplesmente a melhor cantora brasileira..
não tem nada a ver com política ou muito menos com antropologia mas de qualquer modo gostava de expressar a minha alegria em ver que alguém aprecia boa música
Ana Alves
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