segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Jon Stewart p'ra Moçambique, já! (e, já agora, pode dar uma paradinha por aqui...)


Parece que, da mesma forma que um popular da província de Cabo Delgado pedia há uns anos ao então presidente Joaquim Chissano para «importar um monhé, para ser cantineiro», a importação de Jon Stewart para Maputo e Nampula se tornou uma necessidade premente para os moçambicanos.
Neste caso, para organizar uns desses seus comícios de restaurar a sanidade.

Eles já dariam jeito para tentar convencer a Frelimo a lidar de forma mais responsável e racional com as causas e tentativas de solução para os protestos populares de início de Setembro.
Mas tornaram-se ainda mais necessários, agora que uma reunião da cúpula da Renamo decidiu dar 45 dias ao partido governante (ufano dos seus 3/4 de deputados no parlamento) para negociar com ela um governo de transição, que depois decidiria uma data para repetir as eleições gerais (!) …

Diz o Sr. Afonso Dhlakama que essa é a única forma razoável e pacífica de parar «injustiças a mais no país», como a governação por um «partido ilegal», em virtude do «roubo de votos nas urnas». Caso contrário, «será o fim da democracia no país», pois será «obrigado a ser, de facto, belicista como dizem que sou», recorrendo «a manifestações para exigir um governo legal».
A um outro jornal, adiantou que «Se Guebuza quer a manutenção da democracia, deve aceitar esta negociação. Caso não, iremos iniciar com as manifestações que vão paralisar todo o país, à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro nas cidades de Maputo e Matola

Ora, de facto, as últimas eleições moçambicanas foram antecedidas de uma actualização do recenseamento eleitoral em que o material informático (fornecido por um empresário de transportes ligado ao poder) sistemática e misteriosamente falhava e não tinha apoio técnico a norte do rio Save - o que aumentou o número de deputados a eleger nas províncias mais favoráveis è Frelimo, em detrimento das mais desfavoráveios.

É verdade, também, que o emergente partido MDM foi impedido de concorrer na esmagadora maioria das províncias, poupando à Frelimo a perda de 2 deputados e, à Renamo, a perda de mais 7.

É verdade, ainda, que houve assembleias de voto com 112% de votantes e houve centenas de votos (sobretudo no MDM e em Deviz Simango) anulados à dedada por membros das mesas eleitorais, por vezes mesmo à frente de jornalistas.

O que não quer dizer que, mesmo sem estas preocupantes e inaceitáveis trapaças, a Frelimo não vencesse folgadamente na mesma, e a Renamo deixasse de ser a grande derrotada, perdendo votos para toda a gente.

É curioso, também, que as reivindicações concretas avançadas por Dhlakama tenham a ver com a marginalização de oficiais da Renamo nas forças armadas e policiais (num bem real processo de partidarização do Estado, que em muito as transcende), e não com os aspectos de governação que mais afectam a vida das pessoas – isto, se exceptuarmos uma vaga queixa em relação à (também bem real) assimetria de investimento entre o sul e o resto do país.

É sintomático e preocupante, por fim, que o presidente do maior partido da oposição em Moçambique considere que «manifestações para exigir um governo legal» constituam actos próprios de belicistas e «o fim da democracia no país».

Esta incompreensão do papel e espaço democráticos da manifestação e do protesto só é compreensível (mas torna-se, com isso, mais sintomática ainda) em quem considere que «paralizar o país» com manifestações é uma acção insurreccional e um golpe de estado e se propõe a fazê-lo.

Mas isso torna ainda mais ridícula (ou se quisermos, voltando a Jon Stewart, pouco adequada à sanidade) a sua ameaça de mobilizar a população «à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro» - essas, realizadas por pessoas que, estando contra as práticas governativas, não o querem ver nem pintado.

Mas, afinal, talvez nem seja necessário importar o tal homem.
Lembro-me agora da frase de um ferrenho renamista, que muito bem se dava e dá com a paz, quando Dhlakama ameaçou «voltar ao mato», na sequência das eleições de 1999: «Só se ele voltar sózinho!»


PS: o link feito a propósito dos ‘protestos populares do início de Setembro’ vai dar ao meu artigo para o Monde Diplomatique do mês passado, que aqui disponibilizo a quem more no estrangeiro, a quem tenha sido demasiado forreta para comprar o jornal, ou a quem esteja mesmo à rasca com a crise. O Carlos Serra adiantou-se-me na sua divulgação, o que explica o “do not copy” (não liguem a isso) e o meu temor de uma enésima intriga privada ou calúnia pública por parte de um outro bloguista sedeado em Maputo. Enfim… ossos do ofício.

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