sábado, 17 de outubro de 2009

As extraordinárias eleições em Moçambique


Na véspera das eleições moçambicanas, este ano marcadas por muitas polémicas e um novo partido que ameaça quebrar a rotina da bipolaridade (sim... também nesse sentido) Frelimo/Renamo, vi finalmente hoje um artigo sobre o assunto num jornal português.

É claro que a minha atenção àquilo que se vai passando em Moçambique é uns milhões de vezes maior do que a daquele senhor mítico a que se chama "português médio".
Mas, mesmo assim, espanta-me este desinteresse mediático, tendo em conta o espaço dos PALOP nos nossos afectos e imaginário - ou, quanto mais não fosse, o facto de Portugal ser um dos países que, a partir dos impostos dos seus cidadãos, pagam quase 2/3 do Orçamento Geral do Estado moçambicano...

Dado este silêncio, talvez tenham interesse em saber que, daqui a uns 10 dias, vão haver eleições para o Presidente da República, para o Parlamento e para os novos orgãos de governação intermédia, as Assembleias Provinciais.

Para além dos inefáveis Frelimo, Renamo, Guebuza e Dlhakama, a grande novidade é a candidatura de Deviz Simango (cuja vitória no município da Beira, como independente, foi um autêntico terramoto político para o status quo - ver aqui e aqui) e do seu novo partido MDM que, com uma imagem de honestidade e um discurso completamente novos, suscitou uma onda de interesse e simpatia - sobretudo nas cidades, entre os jovens e nas zonas rurais do centro do país - provocando um enorme nervosismo nos dois partidos instalados. (aqui)

Simango foi objecto de um ataque a tiro por parte da Renamo (aqui) e de ataques a sedes (aqui) e cenas escabrosas organizadas pela Frelimo. (aqui)

Mas aquilo que parece ter sido mais escabroso foi a exclusão, pala CNE, das listas do MDM para 9 dos 13 círculos eleitorais, devido a supostamente não ter sido entregue alguma documentação relativa a vários candidatos e suplentes. (aqui e aqui)
Uma exclusão que foi objecto de uma reclamação ao Conselho Constitucional (aqui), que não lhe deu provimento porque, acusam os queixosos, decidiu com base em processos enviados pela CNE de que teria sido extraviada parte dos documentos entregues. Disso mesmo foi feita queixa-crime à Procuradoria-Geral da República... (aqui)

Já antes tinha levantado celeuma o facto de a actualização do recenseamento eleitoral ter sido feita com material informático adjudicado a uma empresa de transportes, que só disponibilizou técnicos para repararem as frequentes avarias quando estas se verificavam a sul do rio Save, na zona de maior implantação da Frelimo. (aqui)

Com isto tudo, a Frelimo parece ter afastado o espectro de perder a maioria absoluta (por crescimento do MDM à conta dos dois maiores partidos) e de ter que passar a, pela primeira vez na história, negociar e tomar em conta as posições e opiniões da oposição.
Há mesmo quem pense que, afinal, conseguiu criar as condições para ter 2/3 no Parlamento e poder mudar, sozinha, a Constituição.

Embora Moçambique seja a única coisa que o BM, o FMI e a indústria de cooperação podem apresentar como suposto bom exemplo (pelo que as consequências não devem vir a ser muitas), estas eleições estão já feridas de enormes dúvidas quanto à sua transparência e justeza.

Mas, mesmo assim, tudo isto tem um certo interesse noticioso, ou será que não?
Sugiro que acompanhem os desenvolvimentos através do blog de Carlos Serra.

Adenda: Com essa mesma origem, está disponível aqui um dossier das notícias eleitorais do jornal Savana. Muito interessante, mesmo.

1 comentário:

AGRY disse...

Não tenho escrito nada, ou quase nada, sobre processos eleitorais em Portugal ou nas ex-colónias.
Sobre Moçambique, é quase imperdoável!
Este texto permite-me salvar a honra do convento. Tomei a liberdade de o referir na minha página do Facebook e também no Solidário.
Os ingredientes estão lá todos. Parabéns