sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um novo país?

Pelos dados que chegam de Moçambique, em particular através do sempre rápido e bem informado blog de Carlos Serra, as eleições autárquicas desta semana tiveram um resultado que constitui um ponto de viragem na vida política (e na forma de a fazer) neste país.
Trata-se da reeleição do agora independente Deviz Simango como Presidente do Conselho Municipal (= Presidente da Câmara) da cidade da Beira.

Explico um pouco, para quem não acompanhou este processo:

Há 4 anos atrás, foram eleitos para as duas principais cidades do país dois homens que são normalmente apontados como os melhores Presidentes que elas alguma vez tiveram. Em Maputo, pela Frelimo, Eneas Comiche; na Beira, pela Renamo, Deviz Simango.

O seu trabalho de intervenção urbana tornou-se muito visível e contrastante com a pasmaceira habitual, de forma ainda mais impressionante na Beira, cidade que estava a apodrecer e autodestruir-se e que passou neste tempo, segundo o testemunho de amigos de todos os quadrantes políticos, de uma das cidades mais sujas de África à mais limpa de moçambique.
Não escapou também ao escrutínio público que, em ambos os casos, os novos presidentes recusaram benesses pedidas por importantes figuras dos partidos respectivos (facto impensável!), por esses pedidos não terem base legal que os pudesse enquadrar.

Ambos os Presidentes foram afastados da reeleição pela direcção dos partidos respectivos.
Comiche, dirigente histórico e membro da Comissão Política da Frelimo (embora não pertencente à ala do actual Presidente da República), acatou a decisão e foi dedicar-se às suas empresas.
Simango decidiu recandidatar-se como independente, enfrentando tanto a Frelimo como a Renamo.

Os dados existentes indicam que Deviz Simango venceu com mais de 60%.
Em Maputo, bastião da Frelimo, o candidato da Renamo obteve 25%, o que é muito superior à implantação do seu partido na capital. Também a lista independente "Juntos Pela Cidade" terá reforçado significativamente a sua votação.

Dessa forma, na Beira a população mobilizou-se em apoio do Presidente do Conselho Municipal que respeita e a quem reconhece competência, empenho e honestidade, ficando a sua votação quase 10 pontos percentuais acima daquela que tinha obtido há 4 anos.
Talvez também em resultado do feio processo de afastamento de Deviz Simango por parte do presidente da Renamo (que levou os "jovens turcos" renamistas a demitirem-se dos seus cargos partidários), este partido parece ter perdido todos os municípios que detinha.
Em Maputo, também expoliada do Presidente que respeitava e sem que este tenha avançado contra os partidos, tudo indica que uma significativa percentagem da população optou por um voto de protesto contra o afastamento de Comiche.

Ou seja, parece que:

1 - a lógica de "posso, quero e mando" das cúpulas partidárias, aliada à naturalização do uso dos cargos públicos para benesses aos próprios e aos seus correlegionários, deixou de ser popularmente suportável, pelo menos quando priva a população de administradores a quem ela reconhece uma rara competência e eficiência.

2 - apesar da inexistência de alternativas credíveis aos dois grandes partidos, estes não são donos do voto popular, mesmo nas suas zonas de maior influência; pelo menos a nível local, podem ser derrotados pela emergência de alternativas mobilizadoras, em termos de eficiência, honestidade e respeito pelo eleitorado.

3 - também em Moçambique, os erros pagam-se, pelo menos se a população reconhecer como disponível uma forma de os fazer pagar.

São aspectos que merecem ser cruzados com um recente artigo de João Pereira, disponível aqui.

Fica-me a pergunta: será que o povo saiu mesmo da garrafa?

4 comentários:

Anónimo disse...

Na Beira, ok, continua o Deviz, mas sem a Renamo e com muito mais Frelimo. No resto, é tudo da Frelimo. Caminhamos para o partido único. Essa é a nossa desgraça.

umBhalane disse...

Alô Paulo

Tenho passado por cá.

Vi no Diário de um Sociólogo a sua chamada de atenção, e cá estou...

Um abraço.

(Paulo Granjo) disse...

E que é feito da sua opinião?
Posso estar errado, mas isto parece-me merecedor.

Anónimo disse...

O povo da Beira ja saiu da garrafa!! Nunca mais vai entrar de novo. Um abraco