quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O papão da novidade

Há um espectro que assola Moçambique.
O espectro de Daviz Simango e do seu novo partido MDM.

A uma só voz, tanto os ricos que governam o país e se tornaram ricos por o governarem ("com todo o direito", já que trouxeram a independência, conforme disse o "general do primeiro tiro"), quanto a oposição do costume (que não encontra espaço à direita dos governantes e cada vez mais recorda passados sanguinolentos que toda a gente quer mandar bem para trás das costas), se arrepiam, insultam, agridem e aldrabam.

Depois do choque de ver um "puto" da minha provecta idade ganhar o segundo maior Município do país como independente (aqui e aqui), após ser corrido pelo seu partido por demasiada honestidade e competência, continuou o abalo do status quo e da tranquilizadora ideia de que o eleitorado tem donos e estes têm bastiões intocáveis.

Até pode ser (e muito provavelmente será) que a transposição do fenómeno da Beira para o país se dê a uma escala muito mais modesta.
Mas, quando se está em posições instaladas que se imaginam para 1.000 anos, ver Daviz Simango entrar como em casa de família no centro rural do país e, ao mesmo tempo, suscitar o entusiasmo dos jovens urbanos (sejam eles altamente qualificados ou andem eles a desenrascar a vida no "caniço" maputense), a coisa assusta.
Mais ainda, quando até os velhos que continuarão a votar nos partidos em que sempre votaram demonstram ter por ele uma evidente simpatia.

Então, já não dá para imaginar que se é confrontado com um qualquer epifenómeno paradoxal.
Claramente, a imagem do homem e aquilo que o homem diz correspondem a uma necessidade que o "povão" e as "classes médias emergentes" sentem e querem ouvir.

E que coisa é essa?
Pelo que ouvi e li em Moçambique, a "receita" é simples - e, na aparência, nada ideológica.

Trata-se de exigir e prometer honestidade, competência, uma atitude serena e pacificadora que contrasta com o belicismo verbal dos partidos instalados, a par de algo que está entranhado nas visões mais tradicionalmente africanas de poder, economia e família: que todos (e não apenas muito poucos) beneficiem do desenvolvimento e do caudal financeiro que, todos os anos, desagua no país.

(Na Europa, falar-se-ia talvez de "justiça social".
No norte de Moçambique, exigir-se-ia que quem manda não coma sozinho.
No centro, que não se seja tratado como cão, a quem dão ossos dizendo que não gosta de carne.
No sul, que o pai não abandone os filhos.)


E trata-se também, claro e de forma imprescindível, de possuir a credibilidade, enquanto pessoa e enquanto político, para poder dizer essas coisas.

Mas, posta a esperança a rodar, mais os sustos se assustaram, em ambos os lados do establishment:

A Renamo disparou sobre ele em Nacala e vai-lhe agredindo activistas aqui e ali.

A Frelimo rodeou a sua comitiva, no Xai-Xai, com dois camiões cheios de bandeiras e de militantes a cantarem insultos e a ameaçarem a população para não se aproximar.

Os organismos estatais que gerem as eleições já haviam alcançado o prodígio de actualizar os cadernos eleitorais com material informático (fornecido por uma qualificada empresa de transportes pertencente a uma família ligada ao poder) que sistematicamente se avariava no centro do país e para cuja reparação só estavam disponíveis técnicos até ao Save.

Agora decidiram, inusitadamente tarde e sem explicações ou esclarecimentos, excluir as listas de candidatos do MDM em 9 dos 13 círculos eleitorais.
Curiosamente, as supostas falhas viriam da força política que, na apresentação de assinaturas para formalização das candidaturas a Presidente da República, entregou o menor número de processos considerados irregulares.

A resposta, conforme seria de esperar, não foi um esbracejar ameaçador.
Daviz Simango e o MDM interposeram recurso ao Concelho Constitucional (que, assim como assim, é formado por juízes) e farão a campanha eleitoral como planeado, enquanto aguardam por uma decisão favorável.

Mas, pela rua e pelos media, a indignação alastra.

Que vai sair daqui?
Não faço ideia.

Há quem diga que, após o peculiar recenseamento e com acções intimidatórias de ambos os lados ao MDM, talvez a Frelimo chegue aos 2/3 necessários para alterar a Constituição e eternizar o actual presidente no poder, através do desaparecimento do limite de mandatos.

Nos "caniços" de Maputo, muita gente prevê, projectando para as urnas as mudanças que observa no seu bairro, que Guebuza será facilmente reconduzido, mas a Frelimo perderá a maioria absoluta devido à votação do MDM, acabando o total "posso, quero e mando".

A uma cada vez mais vociferante e inconsequente Renamo, ninguém augura outra coisa senão uma forte quebra eleitoral.

Esperemos para ver.
E, esperemos, que sem mais violência e com tão poucas golpadas quanto possível.

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