sábado, 30 de junho de 2007

Bom para Lisboa - 1

(imagem do Expresso)


O Expresso dizia hoje, com chamada à primeira página, que "Santana tinha razão: túnel do Marquês é bom para Lisboa".

Não me impressiona particularmente a ideia de que o menino pudesse vir a ter razão nalguma coisa, algum dia.

Impressiona-me aquilo que, para o Expresso, é "bom para Lisboa": que tivessem passado a entrar na cidade mais 14.000 automóveis por dia, com mais alguma fluidez de tráfego.
Ou seja, bom para Lisboa são mais uns milhares de viaturas vindas de fora da cidade (presume-se que conduzidas por pessoas que antes recorriam aos transportes públicos em cuja qualidade não se investe), deitando para o ar mais umas toneladas de dióxido de carbono e restantes mimos poluentes, entre os quais se incluem os aditivos que permitem à gasolina sem chumbo ter o nível de octanas suficiente para não explodir nos motores quando lhe apetece. Bom para Lisboa é o pandemónio de mais 14.000 carripanas à procura de estacionamento e a dificultar o tráfego após a entrada na cidade.

Bom para Lisboa (e para o país) seria, talvez, que nos jornais de referência se pensasse um pouco antes de escrever, mesmo que acerca de estudos de fluxos de tráfego todos bonitos.

E, já agora: quem foi a brilhante equipa técnica que fez este estudo de impacto de uma obra nova, tendo como termo de comparação fluxos de tráfego de há 7 anos e meio?

Bom para Lisboa - 2

Mas, infelizmente, o que de mais grave está em causa não são fluxos de trânsito, lugares de estacionamento e mais uns quilos de dióxido de carbono (e etc.) no ar.
Parecemos esquecer que grande parte da baixa está assente sobre água, que em cada um dos vales que separam as célebres 7 colinas correm ribeiras hoje subterrâneas, e que a água encontra sempre forma de passar. Se lhe tapam o caminho (por exemplo, com um enorme túnel de betão), irá corroer à volta o que antes era terreno firme, sem que se possa prever com certeza onde, quando e com que consequências para o que está edificado em cima.
Para mais, duvido que alguém saiba, hoje, qual o percurso preciso dessas ribeiras.

Alexandre Quintanilha tornou-se o divulgador em Portugal de uma curiosa teoria acerca dos riscos tecnológicos: a natureza é robusta. Quer isto dizer, basicamente, que aguenta com as asneiras tecnológicas e tecno-científicas que formos fazendo, pelo menos até que os autores das asneiras (ou outros seus colegas) descubram uma solução ou um paliativo para o mal que foi feito.

Parece que a mesma profissão de fé guiou, e continua a guiar, estes esburacanços em Lisboa. Com as diferenças de que nem sequer previsões sérias de impacto são feitas, e de que essa fé na natureza e na capacidade dos técnicos está, neste caso, mal colocada.
A natureza poderá ser robusta, acabando mais tarde ou mais cedo por levar à frente terra, rochas e mesmo túneis; mas o que cá está em cima, a tal cidade em que vivemos, só tem a robustez que a natureza em que assenta lhe deixe ter. E pode ruir.

Mas parece, também, que nada disso importa, desde que mais 14.000 carros possam entrar por dia - ou qualquer outra coisa "boa para Lisboa".


E, depois, há sempre a possibilidade de uma nova fé, num futuro com oníricas Lisboas venezianas, como as imaginadas por António Gonçalves e Nuno Silva, nas aventuras de Filipe Seems.