sábado, 19 de janeiro de 2013

Uma Guernica policial?


Não me canso de o lembrar:

Quando os Stukas nazis bombardearam a população civil em Guernica, dois anos antes da II Guerra Mundial ter começado, uma acção de guerra como essa era tão inaudita que chocou quem dela teve conhecimento e suscitou o poderoso quadro de Picasso.
Poucos depois, bombardear Londres era trivial, arrasar cidades alemãs também, e a II GM terminou com o lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

O que é pior, nas formas repugnantes de violência que largamente ultrapassam o limite daquilo que acabou por ser socialmente consensualizado como inaceitável, nem é o próprio acto violento.
É o facto de, bem mais facilmente do que custou construir o consenso de que tal acto era "impensável" e repugnante, ele depressa se poder tornar "normal" e trivial.


Não há grande coisa a discutir, numa sociedade que partilhe os valores elementares e os princípios legais da nossa, acerca da barbaridade de, perante um protesto de alunos do ensino básico e secundário que fecharam a cadeado o portão da escola, um polícia começar a lançar gás pimenta sobre crianças de 12 a 15 anos.
Podemos perguntar-nos como é que tal energúmeno chegou a polícia, ou o que será de esperar que lhe aconteça quando for identificado pelos pais respectivos. Mas justificá-lo no campo dos procedimentos policiais ou da salvaguarda da "ordem pública" já só estará ao nível de sociopatas ou seus aprendizes.

Não obstante, o comando nacional da PSP justifica essa utilização de gás pimenta contra crianças como forma de evitar uma intervenção "mais musculada".
Uma acção "mais musculada", recorde-se, contra crianças que protestam à porta da escola e para retirar um cadeado que, depois disto, se tornou obviamente irrelevante.
Uma intervenção "mais musculada" que só poderá corresponder, afinal, a isto:


Se há quem produza tais afirmações em nome do comando nacional da PSP, isso quer dizer várias coisas, todas elas preocupantes e inaceitáveis:

- que a sociopatologia começa a grassar entre algumas das pessoas que têm por emprego comandar as forças policiais;

- que quem acha imaginável, hoje, acções de musculada bastonada sobre crianças de 12 anos irá muito provavelmente achar justificado, amanhã, disparar balas reais sobre grevistas mais velhos;

- que só a veemente indignação pública e a subsequente demissão de quem praticou esses actos bárbaros e de quem os justificou podem evitar uma escalada e uma trivialização daquilo que é para todos nós, ainda, impensável.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Avião tradicional de feiticeiros despenhou-se em quintal


Numa vila do interior moçambicano que vive um boom mineiro, um senhor que perdeu em 2012 o pai, um filho por nascer e a carta de condução viu despenhar-se no seu quintal, na noite de ano novo, um avião tradicional que serve para transportar feiticeiros nas suas malfeitorias nocturnas.

Primeiro, pensou-se que a inesperada trouxa pudesse conter um nado-morto abandonado.
Mas, chamadas as várias polícias (incluindo a equivalente à Judiciária) e ganha coragem por parte de um ancião da vizinhança, que se atreveu a desamarrar a capulana que servia de embrulho, descobriu-se a macabra peneira mágica.

As polícias declaram que, não estando lá cadáveres nem pedaços de corpos, existe um vazio legal que impede a sua actuação.
O Secretário de Bairro lembra que há por ali muitos curandeiros estrangeiros sem fregueses, e que se deverá investigar por esses lados.

Esta peça jornalística notável é um extraordinário documento etnográfico.
Está lá tudo.

Se precisarem de descodificadores, para descortinar cabalmente o tal "tudo" e a rara coerência e racionalidade por detrás dos acontecimentos descritos, eles estão disponíveis aquiaqui aqui.

Votos de um melhor 2013!


(foto retirada do blog de Carlos Serra, que primeiro divulgou esta notícia)