segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Último cigarrito

Fumei ontem à noite o meu último cigarro.
Foi na varanda, olhando as traseiras.
Começou a chuviscar.
Tentei dar alguma solenidade ao acto, mas não consegui. Na altura, não me pareceu grande coisa.

domingo, 17 de agosto de 2008

Gostavam de ver estas terras?

Eu gostava. Sobretudo, através do vosso olhar.

Por isso, aproveitando o facto de o Antropocoiso ter passado, no dia 8, os 3.000 visitantes diferentes, vindos de centenas de terras, criei o Antropovistas para as exibirmos.

É simples.
Vocês enviam uma foto do sítio onde residem para o antropocoiso@gmail.com, identificam o local e o autor (mesmo que com pseudónimo) e as vossas contribuições irão sendo afixadas.

Vejam só o portfólio que podemos juntar:

Portugal: Águeda, Albufeira, Alcabideche, Alcobaça, Almancil, Álvaro, Algés, Almada, Almagem do Bispo, Almeirim, Alverca, Amadora, Angra do Heroísmo, Arrentela, Aveiro, Barreiro, Beja, Belas, Benavente, Benedita, Boliqueime, Belmonte, Borba, Braga, Bragança, Bucelas, Caldas da Rainha, Camarate, Caneças, Caparica, Carcavelos, Carnaxide, Carregado, Carvalhos, Cascais, Castelo Branco, Castro Daire, Coimbra, Corroios, Cova da Piedade, Covilhã, Ericeira, Espinho, Estoril, Évora, Famalicão, Famões, Faro, Fátima, Feira, Felgueiras, Figueira da Foz, Funchal, Fundão, Gaia, Gondomar, Guarda, Guimarães, Ílhavo, Lagos, Landim, Leiria, Linda-a-Velha, Lisboa, Loures, Machico, Maia, Malveira, Marinha Grande, Matosinhos, Mem Martins, Mirandela, Mogadouro, Montijo, Nazaré, Negrais, Oeiras, Oiã, Olhão, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Ovar, Palmela, Perafita, Pombal, Ponta Delgada, Pontinha, Portalegre, Portimão, Porto, Porto Salvo, Póvoa do Varzim, Praia da Vitória, Queluz, Recarei, Ribeirão, Rio de Mouro, Rio Maior, Sacavém, Sangalhos, Sta Iria de Azóia, Santarém, Santo Tirso, São Brás de Alportel, São Domingos de Rana, São João da Madeira, Seixal, Sertã, Sever do Vouga, Setúbal, Sines, Sintra, Tomar, Tondela, Torres Vedras, Valongo, Viana do Castelo, Vila do Conde, Vila Franca de Xira, Vila Nova da Telha, Vila Real, Viseu
Moçambique: Maputo, Beira, Nampula
Brasil: Americana, Amontada, Apucarana, Aracaju, Arara, Arcos, Barra Mansa, Barretos, Barueri, Belém, Belo Horizonte, Blumenau, Bragança Paulista, Brasília, Cabo Frio, Campina Grande, Campinas, Campo Alegre, Campos, Cascavel, Caxias do Sul, Ceilândia, Contagem, Criciuma, Cuiabá, Curitiba, Curitibanos, Divinópolis, Florianópolis, Fortaleza, Francisco Morato, Goiânia, Guarulhos, Indaiatuba, Ipatinga, Itubera, Jabuatão, Jaciara, João Pessoa, Joinville, Jundiaí, Londrina, Macae, Maceió, Mafra, Manaus, Maraba, Marília, Maringá, Montes Claros, Mossoro, Natal, Navegantes, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Novo Hamburgo, Osasco, Ouro Branco, Ouro Preto, Paulinia, Pelotas, Piracicaba, Poções, Porto Alegre, Porto Velho, Poso Alegre, Presidente Prudente, Recife, Ribeirão Preto, Rio Claro, Rio de Janeiro, Salvador, Santa Maria, Santarém, Stº André, Stº António da Platina, Santos, São Caetano do Sul, São Luís, São Paulo, São Vicente, Serra, Teresina, Uberaba, Valença, Vassouras, Vitória, Vitória da Conquista
França: Aix-en-Provence, Angers, Annecy, Avignon, Bagnolet, Bordeaux, Cannes, Carvin, Clermont-Ferrand, Feucherolles, Garches, Gentilly, Kremlin-Bicêtre, Lens, Lusignan, Lyon, Montrouge, Nantes, Neuilly-sur-Seine, Pantin, Paris, Puyricard, Rennes, St. Cloud, Saint-Jean-de-la-Ruelle, Sallanches, Strasbourg, Toulouse, Vanves, Versailles, Villejuif
República Checa: Frenstat, Frydek, Ostrava, Praga, Rakovnik, Zlin
E.U.A.: Arlington, Bellingham, Blinghamton, Brooklyn, Butler, Cambridge, Chapel Hill, Charleston, Chicago, Chilton, Cincinnati, Columbia, Cranston, Downingtown, Euless, Fort Worth, Hallandale, Hollywood, Houston, Irving, Las Vegas, Los Angeles, Milwaukee, Montverde, Moraga, Morristown, Naperville, New Orleans, New York, Newark, Oak Park, Ossining, Pearl City, Pittsburgh, Pompano Beach, Providence, Saint Ann, San Francisco, San Leandro, San Mateo, Somerville, Turtle Creek, Washington, Winter Garden
Angola: Luanda
Grã-Bertanha: Aston, Birmingham, Brentford, Bushey, Cambridge, Croydon, Edimburgo, Ewell, Hengoed, Londres, Luton, Manchester, Newcastle, Oxford, Poplar, Stoke Gifford, Teddington, Wembley
Alemanha: Berlim, Bocholt, Bona, Bremen, Burglengenfeld, Burladingen, Colónia, Dresden, Dusseldorf, Estugarda, Filderstadt, Frankfurt, Hamburgo, Hannover, Kronberg, Leopoldshohe, Ludwigshafen, Munique, Munster, Regensburg, Saarbrucken, Solingen, Wolfsburg
Espanha: Barcelona, Ciudad Real, Eibar, Gerona, Hospitalet de Llobregat, Huelva, La Coruña, Las Palmas, Madrid, Málaga, Murcia, Oviedo, Pozuelo de Alarcón, Puerto de Sta. Maria, Sabadell, Salamanca, Santiago de Compostela, Valência
Holanda: Amsterdão, Bunnik, Delft, Deurne, Eindhoven, Haarlem, Hilversum, Leiden, Oosterbeek, Oudewater, Panningen, Pijnacker, Rijswijk, Ulestraten, Utrecht, Valkenburg, Voorschoten, Zeist
Suécia: Estocolmo, Gotemburgo, Hagfors, Halmstad, Kalmar, Malmo, Sundbyberg, Taby
Bélgica: Bruxelas, Courcelles, Etterbeek, Ixelles, Leuven, Sint-Josse-Ten- Noode, Zaventem
Tanzânia: Arusha, Dar-Es-Salam, Zanzibar
Itália: Augusta, Bolonha, Milão, Rimini, Roma, Treviso
Noruega: Bergen, Oslo, Stavanger
Suiça: Birsfelden, Genebra, Lancy, Renens, Worb
Luxemburgo: Luxemburgo
África do Sul: Cabo, Florida, Joanesburgo, Potchefstroom, Pretória
Austrália: Brisbane, Camberra, Hobart, Melburne, Sidney
China: Hong Kong, Macau
Canadá: Calgary, Islington, Quebec, Toronto, Weston
Dinamarca: Bagsvaerd, Copenhaga, Fredericia, Hedehusene
Gana: Accra
Finlândia: Helsínquia, Turkku
Áustria: Viena
Roménia: Pascani, Slatina, Tirgoviste
Cabo Verde: Praia
Chile: Santiago
México: Mérida, México, Monterrey
Argentina: Mendoza, San Miguel de Tucuman, Vincente Lopez
Grécia: Atenas
Quénia: Nairobi
Índia: Calcutá, Chandlgarh, Nova Deli
Israel: Jerusalem, Petah Tigwa
Tailândia: Bangkok, Phitsanulok, Phuket
Namíbia: Windhoek
Irlanda: Clondalkin, Dublin
Turquia: Adana, Balikesir
Croácia: Labin, Zagreb
Malásia: George Town, Ipoh
São Tomé e Príncipe: S. Tomé
Japão: Osaka
Peru: Mollendo
Uruguai: Montvideo
Venezuela: Caracas
Eslováquia: Svaty Jur
Filipinas: Manila
Bulgária: Sófia
Martinica: Fort-de-France
Haiti: Petion-Ville
Eslovénia: Maribor
Brunei: Bandar Seri Begawan
Singapura: Singapura
Polónia: Lodz
Irão: Tabriz
Yemen: Sana
Nova Zelândia: Hamilton
Estónia: Tallinn
Indonésia: Jakarta
Tunísia: Tunis

sábado, 16 de agosto de 2008

Paraguai boliviza-se

Até hoje, o Paraguai era conhecido por 4 estereotipos:

- Por ser o único país "ocidental" que legalizou e incentivou a poligamia (depois de uma incrível guerra com o Brasil lhe dizimar a população masculina pois, na altura, ainda eram os soldados quem morria nas guerras);

- Por ser considerado o campeão latino-americano da corrupção;

- Por ser o suposto destino de todos os bons carros roubados no Brasil;

- Por já ser governado pelo partido Colorado na altura em que qualquer estrangeiro vivo ouviu falar do país pela primeira vez.

A partir de hoje, passará a ser conhecido por um quinto estereotipo: por ter como Presidente um ex-bispo que tomou posse sem gravata e de sandálias franciscanas.
Mas, com este novo estereotipo, outros se perdem ou estarão em vias de se perder.

Para começar, não é o partido Colorado a governar.
Para continuar, Fernando Lugo, o "bispo vermelho", passou a campanha eleitoral e a cerimónia de investidura a prometer libertar o povo paraguaio e acabar com a miséria e a corrupção.

No entanto, uma outra novidade já tem antecedentes por outras bandas. Tal como Evo Morales na Bolívia, o novo presidente paraguaio tem como base um grupo muito largo e heterogéneo de forças sociais, que inclui desde organizações indígenas e movimentos sem-terra, a partidos conservadores e de extrema-esquerda.

Como irá correr?
Bem... pior não será. E poderá ser uma efectiva mudança para muito melhor.
Pela minha parte, desejo-lhes os maiores sucessos, na concretização daquilo que prometeram.

O Zé Paulo referiu, na caixa de comentários, as suas preocupações com traços nacionalistas e xenófobos na campanha de Fernando Lugo e nas reacções populares que suscitou. Teve a simpatia de indicar 3 links para acompanharmos este aspecto: aqui, aqui e aqui. Muito obrigado.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ele há gente séria


Hoje vivi uma aventura improvável.

As bancazinhas do Mercado do Peixe serão muito very typical, mas a verdade é que na peixaria do Sr. Juvêncio, lá para o meio, os preços são iguais ou mais baixos, as balanças não têm a capacidade de aceleração da Lurdes Mutola e o produto que se leva é o que se vê, e não umas miudezas escondidas por baixo dos bichos bem aspectados que nos enchem o olho.

Tornei-me cliente a conselho de um outro homem sério: o Sr. Matine, taxista de um Mercedes que já teve muito mais saúde naquelas rodas, mas pessoa em quem confio totalmente e que tem sempre uma frase inteligente e sensata em qualquer conversa - coisas que fazem esquecer alguns desconfortos da viatura e a pontual necessidade de a tchovar.

Mas, então, lá passei eu hoje pela peixaria e, pressa para aqui, distração para ali, vim-me embora sem o bendito cartão de crédito.
Só dei pela falta 5 horas depois e, claro, instalou-se o pânico. Para além da possibilidade de ficar bem mais pobre em muito pouco tempo, o cartanito é o cordão umbilical que me une à única conta bancária que tenho, na longínqua terra dos herois do mar.

Lá pensei e me lembrei que, de facto, não o tinha trazido.
A caminho do Mercado do Peixe, a anterior seriedade do homem dava-me esperança de que tudo corresse bem. Mas isso não impedia que todas as possibilidades desagradáveis me passassem pela cabeça.
Chegado à porta,

- Oh, Sr. Paulo! Andámos à sua procura, mas como o cartão é português não têm o seu telefone, aqui no número de emergência.

«Muito obrigado», etc. e tal, e tudo normal.
E, de facto, é normal.
Mas é, também, muito pouco provável.
Depois de 9 meses a ser abusado financeiramente por moçambicanos, portugueses e sul-africanos, saí do Mercado com um pouco mais de fé na humanidade.

Obrigado sr. Juvêncio, obrigado Sr. Matine, por me deixarem poder confiar.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Citações de café (13)

GEOGRAFIAS GRINGAS

(esta não foi num café, mas num chat do Yahoo)

- Vivo na Geórgia. Ouvi nas notícias que a Rússia invadiu, mas não os vejo em lado nenhum. O que é que se passa?

- Você mora no estado da Geórgia, USA. O país Geórgia é do outro lado do mundo.


(via Reflexões de um Cão com Pulgas)

Bolívia pós-Mandela

O que fazer quando um presidente com um programa de profunda transformação social enfrenta ameaças separatistas, apelos a que o exército faça um golpe de estado e tem uma base de apoio heterogénea, que vai de grupos revolucionários a organizações feministas e a movimentos nativistas patriarcais?

A resposta de Evo Morales, o presidente boliviano que os cientistas políticos gostam de de não levar a sério (pelos seus gorros andinos, o seu discurso terra-a-terra saudavelmente utópico e o seu uso de simbolismos locais muito directos) foi: «Reforça-se a legitimidade democrática.»

Num cenário em que, mais uma vez, um golpe de estado não estava excluído, realizou-se domingo um referendo acerca da continuidade nos seus cargos do Presidente da República, do Vice-Presidente e, pelo que pude perceber, dos Governadores estaduais.
Evo Morales recebeu, no seu caso, mais de 61% dos votos, o que corresponde a mais 8 pontos percentuais do que aqueles com que tinha sido eleito.
Também pelo que pude perceber, os Governadores estaduais, seus apoiantes ou da oposição, foram também reconduzidos por voto popular, tendo o discurso de vitória do presidente sido um apelo à unidade nacional, à colaboração institucional e uma reafirmação dos objectivos de dignidade e justiça social.

(Escrevi «pelo que pude perceber», porque a notícia já tem uns 3 dias mas não apareceu nos jornais portugueses de referência, pelo menos on-line.
Até compreendo.
Isto de um «ditador» que está sob ameaça de golpe desde que foi eleito recorrer a mecanismos democráticos transparentes - e comummente aceites - para procurar chegar ao fim do mandato e para poder concretizar o programa que claramente conhecem os que votam em si e contra si é, de facto, um bocado chato para a reprodução de lugares-comuns mediáticos e políticos.
Mais ainda se o tipo for um índio com um comportamento público que as pessoas sérias acham folclórico.
Confirmei, entretanto, aqui que foram reconduzidos 6 dos 8 Governadores. A notícia não é, contudo muito clara. Num sítio diz que os Governadores da oposição foram confirmados, no outro que os 2 que perderam a votação eram da oposição.)

Não obstante, o mecanismo não é novo.
Charles de Gaulle recorreu extensivamente ao referendo (para desespero dos partidos franceses de esquerda) a fim de legitimar as suas posições e continuidade no poder, quando as coisas lhe ficavam mais adversas.
Também as nacionalizações e uma redistribuição social mais justa da riqueza nacional eram, até há umas décadas, hábitos do Partido Trabalhista britânico quando chegava ao governo.

A diferença, aqui, é que tudo se passa num país com uma estrutura oligárquica racista, regiões de latifúndio e uma forte presença de interesses económicos do "grande irmão do norte" - o que muda tudo, em termos políticos e na forma como as coisas são vistas.
Para além de que, claro, Evo Morales não é um general com ares aristocráticos que pareça ter engolido uma vassoura.

A diferença que mais me interessa é, no entanto, outra.
Os movimentos políticos que tentaram fazer alterações revolucionárias ou radicais nos seus países tiveram, habitualmente, a tendência de responder à oposição interna e às pressões externas ou com violência e repressão, ou com "fugas em frente".
É toda uma outra escola que vemos surgir em casos como este, quer quanto à abrangência das alianças sociais e políticas, quer quanto à resposta a situações de crise.

É verdade que as condições geopolíticas se têm alterado muito nos últimos 20 anos, mas creio que existe um outro factor aqui envolvido.
O esvaziamento de um centro de hegemonia revolucionária a nível mundial e a facilidade de acesso a informação globalizada parecem ter criado o espaço para práticas revolucionárias muito mais híbridas, flexíveis e culturalmente situadas, mesmo para forças que estão no poder.

Mas a globalização da informação só é útil a este processo se existirem acontecimentos, objecto dessa informação, que sejam eles próprios úteis para a reflexão e construção de novas culturas políticas e de poder emancipador.
Quanto a isso, e sem querer colocar demasiado peso nas costas do pobre homem, parece-me que aquilo que se passa na Bolívia deve muito à prática e exemplo de Nelson Mandela.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

É hoje, na 24 de Julho

Aproveitando a presença em Maputo de 4 dos autores, haverá um lançamento do número da Análise Social sobre "Moçambique Actual - continuidades e mudanças", na segunda-feira, 11 de Agosto.

Será às 17h. 30m., na Livraria Escolar Editora, da Av. 24 de Julho.

Depois de curtas apresentações por parte de Emídio Gune, João Pereira, Jason Sumich e este vosso criado, haverá tempo e espaço para debate acerca dos seus artigos, 3 dos quais já foram sendo conhecidos e objecto de polémica. A coisa promete, portanto.

Reparo agora que a rua parece ter sido escolhida a dedo, para corresponder ao título da obra.
O 24 de Julho da avenida referia-se, inicialmente, ao acordo firmado com Mac Mahon (que também dá o nome à cerveja 2M) acerca das fronteiras entre a África do Sul e a então África Oriental Portuguesa - que entre outras coisas levou a que Maputo faça parte de Moçambique.
É, agora, o Dia das nacionalizações.
Querem mais jogo de continuidades e mudanças?

domingo, 10 de agosto de 2008

Lobolo em debate

A palavra lobolo designa, simultaneamente, uma instituição matrimonial, a cerimónia de casamento que lhe corresponde e os bens que, nela, são entregues pela família do noivo à família da noiva.

As formas de casamento que lhe são semelhantes (chamadas bridewealth em inglês) foram consideradas pelos seus primeiros observadores uma «compra de mulheres».
Foram depois visto como uma retribuição pela perda da capacidade de trabalho da mulher por parte da sua família, ou mesmo pelos seus «serviços sexuais» (sic).
Na antropologia, os bens entregues à família patrilinear da noiva são hoje consensualmente encaradas como uma retribuição pelo facto de os filhos que vierem a nascer do casal não lhes irem pertencer, mas à linhagem do marido.

Os estudos feitos acerca dessas instituições seguiram diferentes perspectivas e enfatizaram diferentes aspectos nelas envolvidos. Elas foram vistas, para além daquilo que já referi, como garantias de acesso do grupo "doador" a esposas para os seus homens, como instrumentos de controlo dos mais jovens pelos mais velhos, como formas de transferência de recursos ou até, quando o lobolo é sistematicamente pago "a prestações", como um sistema de segurança social que distribui o risco por diferentes famílias (aqui), ou como objecto de luta política em tempos de transformação revolucionária (aqui).

No caso de Moçambique, os estudos mais recentes enfatizam um aspecto anteriormente deixado na penumbra: o papel central não apenas dos parentes vivos, mas também dos espíritos dos antepassados.
Um dos autores que o fazem salienta que o lobolo estabelece uma ligação entre os vivos e os antepassados que cria ou restabelece a harmonia social e inscreve o indivíduo numa rede de parentesco e aliança (aqui).
Outro (este vosso criado), sustenta que esse putativo envolvimento dos antepassados legitima ideologicamente a descendência e, no quadro das visões locais de domesticação da incerteza, é um instrumento de protecção do casal contra os perigos e infortúnios (aqui, aqui e aqui).

Nessa perspectiva, sem deixar de ser um fenómeno económico, de poder e de regulação social, o lobolo (que é muito variável, mutável e adaptável) tem duas mais-valias muito importantes sobre as restantes formas de casamento disponíveis: legitima, como elas, a relação matrimonial e eleva o estatuto dos membros do casal, mas também regula a descendência e o aleatório.

Isso não o torna menos objecto de polémicas, na sociedade urbana.
Este post-forum resulta do interesse da Samya em compreender como se lida com a descendência em caso de concubinato e quais são as consequências económicas do lobolo no caso dos casamentos poligâmicos.
Darei, na caixa de comentários, as minhas contribuições para a esclarecer e espero o mesmo da vossa parte. Tal como espero que muitas outras dúvidas, polémicas e diferentes interpretações tenham aqui um espaço profícuo.

sábado, 9 de agosto de 2008

Os meninos apedrejam os pássaros a brincar, mas os pássaros morrem a sério

Conforme seria de esperar, houve uma escalada na situação da Ossétia do Sul.
Há confrontação directa entre forças terrestres da Rússia e da Geórgia, que estão, na prática, em guerra. Fala-se de mais de 1.600 mortos, só em Tskhinvali e a coisa promete aumentar.

A desagregação de estados multinacionais, ou mesmo de carácter imperial, traz sempre a tendência para novas divisões e reorganizações, trazendo à superfície desejos, desagradados e identidades antes submergidas por esses estados.
À imagem do que dizia Max Gluckman relativamente aos costumes, é a altura em que identidades antigas são enfatizadas, perante a continuidade e reemergência de conflitos antes escondidos ou controlados pelas correlações de forças anteriores.
Deparamos, então, com separatismos de motivações bem menos económicas e políticas que a invenção do Panamá ou da região latifundiária da Bolívia, mas que jogam com os conflitos de interesses e brios dos grandes estados sobrantes que resultaram da desagregação anterior.

Face a isto, há sempre quem diga que o território em litígio pertence historicamente a um determinado estado (o que é a mera constatação factual duma relação de poder ultrapassada), que os grupos em confronto sempre se deram bem e até casaram reis entre si (como se todos os outros países não o tivessem feito), ou procure legitimar uns pelo mal dos outros («se a Tchetchénia é russa, a Ossétia do Sul é da Geórgia»).

Tendo na memória os massacres na Jugoslávia ou entre "etnias" inventadas pelos Belgas no Ruanda, as "boas vizinhanças históricas" deixam-me sempre uma pulga atrás da orelha.
Mas, sobretudo, preocupações de futuro.

Talvez nem todos consigam reagir como a Boémia às reivindicações separatistas da Eslováquia: «Ah sim? OK. Chauzinho e amigos como dantes. Como é que vai ser a vossa bandeira? bonita?»
Mas, quando se "comparam pilinhas" entre estados vizinhos e partes deles, normalmente para consumo interno, acaba sempre por acontecer como no velho adágio:

«As crianças atiram pedras aos pássaros na brincadeira. Mas os pássaros morrem a sério.»

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Gatos a não perder

Procurando o Paolo Conti, para o acrescentar à coluna da direita, fui dar casualmente com um filme de animação que procurava desde que o vi há anos, no Teatro Taborda. É o «My Babe Just Cares For Me», da Nina Simone, interpretado por uma gatona de plasticina, com um gato apaixonado à perna.
Por favor, vejam. Faz-vos bem à alma, seja lá isso o que for.

E já que estamos nas memórias inesquecíveis da tal sessão, aproveitem e vejam um outro must de animação: o episódio-pivot do Creature Conforts, com o também inesquecível puma - que na verdade deveria ser um jaguar (onça), já que a voz é de uma entrevista com um imigrante brasileiro em Londres.

Pedro, Sandra e Paulo: estão perdoados por devolverem os videos antes de eu os ter podido piratear.

A guerra que se segue

18 anos depois da declaração separatista, a Geórgia atacou a capital da Ossétia do Sul, declarando que a maior parte do território está sob seu controle e que continuará as operações até alcançar uma «paz durável».
Vai daí, a Rússia - que sempre se demonstrou intransigente no seu apoio à independência desse território de maioria populacional russa, que estimulou e protegeu - bombardeou uma cidade georgiana. E vai declarando que «a Rússia não hesitará para avançar com medidas a grande escala para proteger os nossos compatriotas na região e para assegurar a segurança das fronteiras da Rússia a Sul».

O que levou a este ataque, este tempo todo depois e sabendo-se que a Rússia nunca ficaria de braços cruzados?
O mesmo que fez a junta militar argentina invadir as Malvinas?
A velha ideia, tantas vezes desmentida, de que uma guerra maningue nacionalista reforça o moral e o apoio a governos fragilizados?

Agora, pouco importa.
Tal como pouco importa que a "independência" da Ossétia do Sul tivesse sido uma obra russa.
O que importa é que iremos certamente ter uma nova modalidade olímpica: wargames com mortos a sério.

Adenda: conforme Miguel Madeira chama a atenção na caixa de comentários, a população da Ossétia do Sul não é maioritariamente russa, mas pró-russa (o que pode ter a ver com conflitos históricos e/ou com a protecção do "irmão grande" a expectativas independentistas), tendo uma língua própria que nem sequer é eslava.

Citações de café (12)

OLÍMPICAS ALTURAS

- Mas repare que os produtos chineses são uma mudança muito importantes para nós, africanos. Mesmo com má qualidade, dão às populações acesso a produtos a um preço que podem pagar.

(um curto silêncio antes da resposta)

- Mas não é irónico que os possam pagar porque eles são produzidos por pessoas que trabalham em condições que os africanos não aceitariam, e muito bem?


PS: passando a outros direitos humanos e particularmente à pena de morte, considero as polémicas olímpicas mais que justificadas. Aguardo a sua extensão, depois, aos Estados Unidos e ao Irão - os outros campeões mundiais dessa punição desumana.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Lobolo pegou fogo no blog do lado

Enquanto eu fui vergonhosamente deixando para o dia seguinte o post-forum sobre o lobolo que prometi à Samya, o Carlos Serra deitou fogo ao assunto neste post.
A coisa está que arde. Dêem uma vista de olhos.

Entretanto, como não é essa a discussão que a Samya procura, reitero a promessa de não deixar passar o fim-de-semana sem cumprir o que já deveria ter feito há muito.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Serão coisas de globalização...

... mas lá que não é todos os dias que se vê uma portuguesa e uma velha curandeira moçambicana, sentadas em frente do tinhlolo, a trocarem impressões acerca das suas respectivas viagens a Veneza, lá isso é verdade.

(desenho da filhosca)

O regresso dos Pretorianos

O primeiro presidente democraticamente eleito da Mauritânia foi hoje vítima de um golpe de estado, dirigido pelo general que comandava a guarda presidencial.

Rezam as crónicas que este já tinha, há poucos dias, traído o presidente, orquestrando a demissão conjunta de 48 deputados eleitos nas suas listas.
O chefe não gostou e demitiu-o.
Ele não gostou e "demitiu" o chefe...

Depois de os pretorianos tomarem conta do Zimbabwe, a moda (re)pegou do outro lado do continente.
Mas com uma tomada de posição muito mais rápida e decente por parte da União Africana: a imediata condenação.

Entretanto, os portugueses que por lá estejam são aconselhados a dirigir-se à Embaixada de França.
A julgar pela minha experiência recente, é melhor é.
Essa, ao menos, deve estar aberta.

Menos pobres no Brasil

Pelas notícias que tinham projecção na Europa e iam chegando em catadupas, sobretudo até à reeleição de Lula da Silva, criou-se a impressão de que o seu governo era uma cambada de vendidos que se dedicavam, alegremente, a ser tão corruptos quanto conseguissem.

Foi em conversas pontuais com brasileiros vivendo no Brasil, ao acaso dos encontros entre falantes de português em aviões e aeroportos (portanto, gente com recursos e, muitas vezes, votantes de outros partidos), que fiquei a saber da enorme dimensão dos programas sociais em curso e que estes estavam longe de se retringir à distribuição de subsídios aos mais pobres.
Nessas conversas, mesmo um homem bem de direita e forte opositor do presidente acabou por trazer à conversa esses programas, como «a única coisa boa que o Lula fez», e por se entusiasmar ao descrevê-los.

Dados hoje noticiados aqui revelam uma diminuição notável do número de pobres nas principais metrópoles brasileiras. Ainda correspondem a uns obscenos 24,1% de uma população terrivelmente assimétrica, mas baixaram quase 11 pontos percentuais (e 31%) em 5 anos.

Venham-me cá falar de subsidiodependência...!


PS: a foto foi roubada, há uns tempos, do blog do Carlos Serra.

A Inhaca continua linda

Só que:

- O lodge de palhotas onde a filhosca começou a existir foi deitado abaixo.

- O dono do meu restaurante favorito foi comido por um crocodilo que também achou boa ideia mergulharem juntos.

- O burro que metia medo a toda a gente mas decidiu ser meu amigo morreu envenenado.

- A maré e os ventos decidiram estar contra nós.

- Os curandeiros tinham mais que fazer do que me aturar.

Como dizem que dizia o outro, «É a vida...»

sábado, 2 de agosto de 2008

Estímulo ao SIDA


Regressado hoje a Maputo, fui surpreendido pela faixa propagandística que atravessava uma avenida e anunciava a Semana do Aleitamento Materno, sob o muito olímpico lema Aleitamento Materno, o Caminho para a Medalha de Ouro.
O Navegador Solitário levou-me, entretanto, a um artigo do Notícias, em que se afirma que «o Governo tem como uma das prioridades promover o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses».

Confesso que não percebo muito bem o que é que há a promover, já que a quase totalidade da população pratica o aleitamento materno, quanto mais não seja por não ter acesso a outra alternativa, se a quisesse.
Será que a campanha se dirige às camadas abastadas? Mas por que a fazer, então, nos bairros populares?
Será que é uma daquelas coisas que se fazem porque há dinheiro disponível e sempre se pode dizer que se fez?

No entanto, o mais desagradável e preocupante com esta campanha não é a sua redundância, num país com tantas carências de saúde, mas algo que já aflorei por aqui:

É dito no artigo, pela voz de uma responsável governamental, que «o aleitamento materno protege as crianças de infecções como a diarreia e a pneumonia e acelera a recuperação após o parto». E é verdade.
É também dito que «o leite materno é o melhor alimento para os bebés, pois satisfaz as necessidades nutricionais completas quando dado exclusivamente até aos seis meses». E é verdade, também.

Mas outra verdade, relevante num país com uma elevada taxa de infecção por HIV, é que o aleitamento materno, por parte de mulheres seropositivas, é um dos principais factores de infecção dos filhos.
A placenta é um poderoso filtro contra o virus. Sabe-se há mais de 10 anos, por estudos realizados em diversos países, que apenas 12 a 14% dos filhos de mães seropositivas ficam infectados, caso nasçam por cesariana e não recebam aleitamento materno. Com parto natural e amamentação, estes números duplicam.

É, portanto, do mais elementar bom senso detectar tão precocemente quanto possível o HIV nas grávidas, proporcionar parto por cesariana às seropositivas sempre que tal seja possível, e fornecer-lhes condições para não amamentarem, pois a grande maioria delas não terá dinheiro para leite em pó ou conhecimentos acerca da necessidade e forma de esterilizar água e biberões.
Não, certamente, tecer loas universais ao aleitamento materno que, ainda por cima, quase toda a gente pratica.

É por isso que fiquei chocado ao ler em 1999, numa revista gratuita que por aí havia, chamada Que Passa?, um artigo daquilo que parecia ser um médico sueco, negando que o aleitamento materno aumentasse o perigo de transmissão de HIV e defendendo que o perigo estava, antes, em alternar peito e leite em pó...
Cientificamente, isso era já, na altura, uma conhecida mentira.
Eticamente, era um apelo ao infanticídio.

9 anos depois, é mais que tempo de mudar de rumo, de discurso e de práticas.
Porque, se uma Vice-ministra da Agricultura não tem obrigação de perceber destas coisas, um Ministério da Saúde tem.
Adenda - Numa calinada que demonstra que não lemos as palavras letra a letra, crismei como "Navegador Solitário" o blog do Agry White, que tem um título muito mais interessante e subtil: Navegador Solidário. As minhas sinceras desculpas ao autor.

Análise Social na TVM


Fiquei a saber que o artigo «Antes o 'diabo' conhecido do que um 'anjo' desconhecido»: as limitações do voto económico na reeleição do Partido Frelimo, que João Pereira publicou no número da Análise Social acerca de Moçambique, foi há uns dias objecto de debate televisivo.

Parece que se esqueceram foi de convidar o autor...
Assim à primeira vista, parece-me que não é apenas uma questão de boa educação.
Sei lá: às tantas, pode ser que o homem tivesse alguma coisa a acrescentar ou a esclarecer, acerca das hipóteses que avança, no trabalho que é seu. Podia ser, até, que os tele-espectadores tivessem alguma coisa a ganhar com isso.

Mas isso sou eu a falar. Eu, que não sou nem moçambicano nem programador de televisão.

Parabéns e bom trabalho

Estava eu dando uma rápida voltinha pela net, quando deparei com esta notícia de há uns dias atrás, anunciando a nova presidente do Teatro D. Maria II.

Ora foi Maria João Brilhante que me arrastou para dar a cadeira de Antropologia e Artes Performativas, na licenciatura de Artes do Espectáculo da FL-UL, que ela construiu desde o zero e dinamizou com uma mestria que faz juz ao apelido (sobrenome, para os brasileiros).
É verdade que aquilo que recebo por isso quase só paga o taxi, mas lá que é estimulante e dá muito gozo, lá isso dá. E o facto de continuar a dar a cadeira tem também muito a ver com o óptimo ambiente que foi criado entre a equipa docente.

Ou seja: não faço ideia daquilo que é preciso para se ser uma boa presidente do D. Maria; mas se bastar capacidade, empenho, profundo conhecimento do teatro e facilidade de relacionamento com os outros, ela tem que chegue e sobre.

Por isso, Maria João, um grande abraço de parabéns e desejos de bom trabalho!