domingo, 30 de setembro de 2012

Curiosa coincidência


A julgar pelo que tem dito e feito, também António Borges chumbaria na minha cadeira de Antropologia Económica, no primeiro ano lá do curso.

Não porque, por lá, se tenha que pensar como eu.
Mas porque se tem que ser capaz de compreender e de pensar criticamente acerca das inúmeras lógicas e formas de racionalidade económica, incluindo aquelas que se partilhem...

sábado, 29 de setembro de 2012

Para que gente de má-fé (...)




(...) que ande a lutar pela vidinha, seja em Maputo ou em Lisboa, não volte a ter a lata e desonestidade de fazer piadas boçais a partir de fotos do Terreiro do Paço quando a procissão ainda ia no adro.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

conselhos de falta de ética


O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida emitiu um parecer considerando que o Ministério da saúde «pode e deve» racionar o acesso aos tratamentos mais caros para pessoas com cancro, sida e doenças reumáticas, para além do acesso a meios de diagnóstico como TACs, ecografias e ressonâncias magnéticas.

A justificação para tão ético e humano parecer é a «luta contra o desperdício e a ineficiência, que é (sic) enorme em saúde».

A lógica da decisão, para tratar as pessoas ou as deixar morrer (e/ou deixar sofrer e degradar a qualidade do resto da sua vida quando tal é evitável) é um critério resultante de uma criativa reelaboração do Juramento de Hipócrates: a relação custo/benefício.
«Tudo depende do custo dos tratamentos e da avaliação de se prolongam a vida durante tempo suficiente para justificar os gastos.»
Um critério, é verdade, já alegado pelo negócio das seguradoras para evitarem diminuir os lucros - o que não espantará muito, já que o actual Ministro da Saúde foi figura central na instauração de tais empreendedoras actividades em Portugal, e certamente para elas voltará quando o despedirmos das suas actuais funções, ou acabar de desmantelar o SNS.

Supõe-se que se seguirá a definição burocraticamente justificada de a quantos euros temos direito para cada mês de vida que possamos conquistar ou, no caso das doenças reumáticas, por cada intensidade de dor e grau de imobilização que nos possa ser evitado.
Isto para que seja com total racionalidade de gestão financeira que nos venham um dia a anunciar:
«A senhora desculpe, mas a sua esperança de vida não justifica o dinheirão que a gente podia gastar consigo. Olhe... encomende a alma a deus e prepare-se para bater a bota, que a sua vida não vale o que custa.»

Que gente é esta, cujas mães certamente não merecem os mesmos insultos que os filhos?

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Adriano Moreira já não é ministro, ó gorila!


Hoje, à entrada de uma homenagem a Adriano Moreira, um homem pertencente à segurança do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e que declara ser polícia obrigou a sair das instalações do ISCSP, para identificação, um aluno que vaiou o seu patrão, enquanto ameaçava os cameramen, dizendo "Tu não me filmas a cara!". (imagens aqui)

Já que ninguém explicou ao tal homem (nem aparentemente a Pedro Passos Coelho, ou teria intervido) que ele era um acompanhante (tolerado) de um convidado numa instituição e espaço protegido pela autonomia universitária, e já que o tal guarda-costas não foi expulso das instalações pelo director do Instituto nem por nenhum dos professores, torna-se necessário dizer o seguinte:

Enquanto professor universitário e membro da academia com que a UTL se irá fundir, apelo e reclamo ao Magnífico Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, Prof. Doutor António Cruz Serra, que honre o título que ostenta, exigindo de Pedro Passos Coelho um pedido de desculpas público pelo inaceitável comportamento do seu staff e a adequada punição do prevericador.

Afinal, embora se tratasse de uma homenagem a um homem que, para além de académico, foi um ministro fulcral de Salazar, já não é nesse regime que nos encontramos.
E, mesmo nele, o futuro presidente do conselho Marcelo Caetano se sentiu na necessidade de se demitir de reitor da Universidade de Lisboa,  após cargas policiais dentro das suas instalações.

Bê-à-bá: O habitual não é "natural"

(foto Andrea Comas)

Há poucos anos atrás, participei num seminário acerca da violência nas favelas cariocas, em que os colegas explanaram a terrível situação dos habitantes, tiranizados pelos gangs de traficantes de droga e com mais medo ainda da polícia - que, quando entrava, disparava a matar sobre tudo o que mexia, no pressuposto de que quem mora em favela é bandido, ou se não for também não interessa, porque nem tem direitos nem como reclamar justiça.

Chegada a altura das perguntas, fiz uma que me pareceu sociologicamente inevitável, perante aquele quadro traçado: «E como é que se explica que os habitantes "normais", sem ligação ao tráfego, nunca tenham começado a disparar sobre os polícias, para se protegerem ou por vingança?»

O embaraço que caíu sobre a sala fez-me ver que aquela pergunta não era de forma alguma inevitável em termos sociológicos. Sê-lo-ia, quanto muito, em termos antropológicos.
Após um daqueles silêncios que parecem muito mais compridos do que foram, uma colega acabou por aventar, tateando, que talvez por ser muito difícil o acesso a armas. Algo que contradizia o que nos tinha sido dito e demonstrava, no conteúdo e na forma, que uma pergunta aparentemente tão evidente nunca lhes tinha passado pela cabeça, ao longo de vários anos de pesquisa.

Trabalhar diariamente como antropólogo exige, pelo menos na forma como entendo e vivo essa experiência, questionar a "normalidade" daquilo que, por ser habitual, tendemos a encarar como dados assumidos, como um mero decor que está inevitavelmente ali, como uma ordem "natural" das coisas. Exige, afinal, que nos espantemos tanto por muitas pessoas se divorciarem como por muitas se casarem, que tentemos perceber tanto as erupções de violência como a ausência delas.
Imagino que isto crie alguma deformação profissional. Ou então, esta era já uma tendência pessoal, que o trabalho exacerbou e legitimou.

Seja como for, terá certamente a ver com uma sensação de enorme espanto que me voltou a assaltar hoje, vendo as imagens chegadas de Madrid:

Como é possível que, numa situação de crise, incerteza e progressivo desespero e revolta das pessoas, não passe pela cabeça de quem está no poder político ou no comando policial que actuações de uma tão grande, desnecessária e arrogante violência possam deixar de ser aceites, por quem as sofre, como a "natural" regra do jogo?
Como é possível que não vislumbrem que, neste quadro e na sequência de actuações como esta, possa passar a haver, num destes dias, pessoas para quem faça mais sentido responder a tiro  a tentativas estatais de lhes abrirem a cabeça à cacetada, enquanto estão sentadas no chão, do que deixar fazê-lo ou tentar fugir?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar - 9

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da minha autoria e responsabilidade.



Quem quer mercantilizar a saúde, paga


A assistência pública à saúde e na doença é um direito constitucional de todos os cidadãos, que é responsabilidade do Estado assegurar. Nesse sentido, os hospitais e clínicas privadas não podem ser encarados como elementos complementares de carências de cobertura por parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas sim como ofertas redundantes cuja comercialização constitui um privilégio concedido aos empresários respetivos – justificando-se a sua contribuição fiscal reforçada, comparativamente a outros negócios, para as despesas de saúde pública.

A existência e ação do SNS têm, por outro lado, uma contribuição direta e relevante para a rentabilidade de duas outras atividades comerciais: a venda de seguros de saúde e de seguros de vida. É, consequentemente, justo que tais atividades tenham uma comparticipação especial no seu financiamento, em particular numa fase de crise orçamental como a que vivemos.

Propõe-se, por isso, a adoção das seguintes medidas fiscais:

1. Elevação para o valor máximo do IVA sobre serviços prestados pelos hospitais e clínicas privadas, e tributação especial complementar dos seus lucros, revertendo em ambos os casos diretamente para o financiamento do SNS.

2. Tributação especial e complementar, revertendo diretamente para o financiamento do SNS, dos lucros obtidos pela comercialização de seguros de vida e de saúde, assim como de produtos financeiros que os incluam ou exijam - como, por exemplo, os empréstimos para habitação.

Têm-se igualmente verificado tentativas de retirada do mercado e/ou ruturas de stocks de medicamentos imprescindíveis a doentes crónicos, só compreensíveis por motivações de rentabilidade e/ou pelo seu desvio para países onde o lucro obtido seja superior. Tratando-se de uma questão de saúde pública, e não de mera gestão empresarial, propõe-se que:

3. Sempre que uma empresa farmacêutica decida retirar do mercado um medicamento protegido por patente e sem que existam alternativas terapêuticas de igual eficácia, a patente e respetivos direitos cairão, sumária e irrevogavelmente, no domínio público dentro do território nacional. Consequentemente, qualquer outra empresa credenciada (ou laboratório estatal) poderá produzi-lo e comercializá-lo sem pagamento de direitos; em caso de desinteresse por parte de empresas de genéricos, a produção será assegurada necessariamente por instituição estatal.

Entretanto, pelo Facebook...



E, acrescentaria eu, ir preparando aquela conversinha de pé da orelha:

«Pois é, gentlemen… Obrigadinho, mas já não queremos o vosso memorando. O que vamos fazer é isto.»



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Os aneis e os dedos


Ouvi esta manhã na TV que a venda de ouro subiu 75% em Portugal. Com a súbita pululação de lojas e anúncios nessa área, até esperava que fosse mais.
Mas ouvi também que 10% do aumento das exportações portuguesas são, hoje em dia, de ouro.
Quanto a esta parte da notícia - já que estamos proibidos por europeu acordo de vender ouro das enormes reservas do Banco de Portugal e é, portanto, de ouro das nossas famílias que se trata - o número é assustadoramente alto.

O preconceito que mais vezes encontrei entre assistentes sociais é bem expresso pela frase, tantas vezes repetida, «Veio aqui pedir ajuda e contar histórias dramáticas, e trazia brincos de ouro nas orelhas».
A par da profissional desconfiança de que quase toda a gente (e não uma ínfima minoria) recorre aos seus serviços para as enganar, a frase denuncia uma ignorância acerca do seu "público-alvo" e desta história do ouro.

Desconhece, por um lado, que a maior parte das pessoas que se vêem obrigadas a recorrer a apoios sociais têm vergonha e necessidade de salvaguardarem, tanto quanto possam, a sua dignidade - a começar por se apresentarem tão "bem arranjadas" quanto conseguem.
Mais importante do que isso, essa frase e preconceito (que pressupõe que quem ainda consiga ter uns brincos de ouro não precisa de ajuda) ignora o papel popular que tal joalharia desempenha, mesmo em termos económicos.

Para lá dos factores afectivos e simbólicos, os pequenos artefactos de ouro são reservas de valor, mas em que só se toca nos casos mais extremos - e, mesmo assim, de forma gradual.
Sem dinheiro, sem ter como o arranjar e perante uma necessidade urgente e incontornável, uma família pobre não vende as alianças, brincos ou fios de ouro que tenha. Vai "pô-los no prego", na quantidade estritamente necessária para que lhe avancem o dinheiro para a necessidade urgente que enfrenta, com a perspectiva de os resgatar logo que possível.

Não vende ouro em caso de pobreza continuada, agravada por uma maior dificuldade pontual.
Só vende ouro numa situação de miséria em que não veja qualquer possibilidade de vir a recuperar esses objectos que, para além de terem história e consubstanciarem memórias de acontecimentos e entes queridos, lhe permitiram ir contornando situações de "aperto" excepcional, mesmo na pobreza.
Para uma família pobre ou de poucos recursos, vender as alianças, o fio ou os brincos de ouro é abdicar do único recurso que lhes pode dar uma momentânea segurança, num quadro de permanente insegurança e precariedade económica. E tem plena consciência disso.

Já sabíamos que o equilíbrio entre importações e exportações portuguesas foi atingido pela falta de dinheiro nos bolsos do "cidadão comum", para comprar produtos importados.
Sabemos agora que10% daquilo que exportamos a mais é a miséria dos portugueses.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar - 8

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.
Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Miguel Vale de Almeida.


O que está por fazer nos direitos LGBT?



Portugal conseguiu significativos avanços na área dos direitos civis de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero, nomeadamente com a igualdade no acesso ao casamento civil e com a lei de identidade de género que veio facilitar e dignificar o processo de alteração do nome e do sexo no registo.

Estes avanços deveram-se a duas dinâmicas importantes. Por um lado o movimento associativo LGBT que, sendo recente em Portugal, tem agido no sentido da luta pela igualdade e pelos direitos com uma energia democrática e de convencimento quase única; por outro, a institucionalização de mecanismos – legais e no aparelho do Estado - de promoção da igualdade de género. A luta pela não-discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género está – deve estar - intimamente ligada à luta pela igualdade entre homens e mulheres, e tanto o movimento LGBT português quanto as referidas instituições do Estado (como a CIG) souberam reconhecer isto, ao contrário de outros contextos.

Todavia, algumas contradições da nossa sociedade, bem como a sociologia política do nosso sistema partidário, fizeram com que a resolução das desigualdades na área da reprodução e da parentalidade tivesse ficado adiada. As identidades LGBT têm a ver com a sexualidade e os afetos e, portanto, com a construção de conjugalidade e família. É urgente que as crianças filhas de casais do mesmo sexo vejam reconhecidos os laços com ambos os pais/mães, através da co-adoção, como é urgente que os casais de pessoas do mesmo sexo possam enveredar pelos seus projetos de parentalidade com recurso à reprodução biológica (assistida ou caseira) sem a ameaça da ilegalidade ou do não reconhecimento do laço entre a futura criança e um dos pais/mães. É também urgente que os casais do mesmo sexo possam candidatar-se à adoção, à semelhança dos casais de sexo diferente e das pessoas singulares. E é urgente que todas as mulheres, sozinhas, em união de facto, ou casadas com uma pessoa do mesmo ou outro sexo, possam aceder à procriação medicamente assistida.

Com a garantia destes direitos – que na maior parte dos casos são direitos das crianças – concluiremos o processo legislativo que cria as condições formais para uma sociedade decente neste plano. Paralelamente é importante que o Estado proceda ao combate explícito à homofobia e à promoção de pedagogias de não-discriminação e de inclusão.

Miguel Vale de Almeida

Relatórios, rabos-de-cavalo e destruição de um país


É verdade que os prémios igNobel deste ano não têm tanta piada como os de 2008. Também não admira; foi uma colheita excepcional.

Mesmo assim, há um par deles que merecem atenção.

Na física, venceu um estudo sobre "o equilíbrio das forças que moldam e movimentam o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo".

Já na literatura, venceu o General Sccounting Office dos Estados Unidos, pelo seu "relatório sobre relatórios sobre relatórios, que recomenda a preparação de um relatório sobre o relatório sobre relatórios sobre relatórios".

Uma injustiça que demonstra a posição periférica do nosso país, está bom de ver. Por cá, as justificações governamentais para cada nova medida de austeridade ou de destruição de direitos dos trabalhadores e dos cidadãos seria (mesmo sem relatórios) muito mais merecedora de receber o igNobel.

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar - 7


Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Maria Eduarda Gonçalves.



Reforço da segurança e da vigilância policiais: a liberdade em risco?


Estará o contexto de crise económica e social a potenciar o reforço das políticas de segurança, bem como da indústria da segurança em Portugal? Estaremos a caminho de uma sociedade de vigilância fazendo perigar a democracia tal como a conhecemos?

O recuo do Estado social e a limitação de direitos fundamentais a que se assiste atualmente coincidem com uma intensificação das políticas de segurança na Europa manifesta na ampliação dos mecanismos de vigilância e controlo policial dos cidadãos, na expansão dos sistemas de informação contendo cada vez mais categorias de dados pessoais (biométricos, genéticos, etc.), em obrigações impostas aos operadores de telecomunicações de retenção dos dados dos utilizadores, entre outras. Impulsionadas pela luta contra o terrorismo global que se acentuou após o 11/9, estas tendências têm sido também justificadas por um alegado recrudescimento da criminalidade, sem que os dados disponíveis o confirmem.

Portugal tem acompanhado esse movimento, mais uma vez, sem efetivo debate público. O governo português foi, aliás, dos que se apressou a aceitar o mais recente acordo entre a UE e os EUA relativo à transmissão ao Department of Homeland Security dos EUA dos dados de passageiros aéreos viajando para aquele país, onde, reconhecidamente, as garantias de proteção de dados são manifestamente insuficientes. A revisão da legislação sobre videovigilância (Lei 9/2012, de 23/2), permitindo a instalação de câmaras em locais públicos por mera decisão do MAI e retirando à CNPD o poder para emitir parecer vinculativo, é outro sinal perturbador na perspetiva da salvaguarda das liberdades públicas.

Em nome de um indemonstrado risco está-se concedendo às autoridades policiais e judiciais acesso a dados sensíveis de toda a população, criando uma atmosfera social de suspeita e temor generalizados. Não é apenas a lógica da segurança que explica esta deriva. O mercado das tecnologias e serviços de segurança é dos que mais cresce, não obstante a crise, estimulado por investimentos privados e públicos.

É uma tendência perigosa, que importa esclarecer, denunciar e fazer reverter.

Maria Eduarda Gonçalves

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar - 6

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Margarida Chagas Lopes.


Por um modelo de crescimento sustentado centrado no emprego

À medida que se vai tornando mais evidente a armadilha da austeridade, sem que os decisores de política económica saibam nem queiram daí tirar as inevitáveis consequências, muito especialmente quando em regime de “assistência” internacional sob a égide das atuais troikas, duas coisas se tornam claras: ao contrário do que nos têm feito crer, há alternativas à política económica vigente; a sua adoção exige um corte inequívoco e consequente com a ideologia e a praxis neoliberal. É, assim, possível caminhar para um modelo de crescimento sustentável que crie emprego e que afixe como objetivo central o respeito pela qualidade de vida dos cidadãos e pelos direitos sociais básicos. Em determinadas condições, será mesmo possível caminhar nessa direção sem por de lado o até agora incontornável objetivo de controlo do défice orçamental, o qual de resto não se mostra atingível com as atuais políticas.

É toda uma conceção estratégica alternativa que se exige, em vez de medidas descontinuadas, inconsistentes e contraproducentes como temos assistido em matéria de emprego. É preciso, desde logo, inverter a tendência de queda do investimento produtivo, tanto nacional como estrangeiro. Uma reforma fiscal que favoreça menos o investimento financeiro e que torne mais atrativa a canalização dos lucros – dos sectores financeiro e não financeiro – para a formação bruta de capital é, portanto, indispensável (1). Do mesmo modo que é urgente adotar uma política fiscal efetivamente progressiva sobre os mais altos rendimentos, a propriedade e os ganhos financeiros, reduzindo os privilégios rentistas, e absentistas, dos 1% da população no topo da escala de rendimentos. Uma tal opção política trará de imediato dois efeitos: o aumento das receitas fiscais e o estímulo ao investimento produtivo, com ganhos óbvios sobre o emprego a médio prazo.

Ao contrário do que afirma e pratica a conceção mainstream, também a crescente liberalização dos direitos do trabalho e o enfraquecimento dos direitos sociais são contrários à criação de emprego e ao crescimento sustentado, ainda mais quando implementados em contra ciclo. A curto prazo, reforçam a precariedade e o trabalho não digno e favorecem o desemprego, mercê de cláusulas cada vez mais favoráveis ao despedimento e ao enfraquecimento da negociação social (2). A médio prazo, impedem também o crescimento e o emprego ao minarem as bases da procura interna. Ora esta é, com efeito, a mola real daquele modelo alternativo, ao sustentar as expectativas empresariais e o investimento produtivo, sobretudo das pequenas e médias empresas, já de si sufocadas pela política de forte restrição de crédito bancário… à produção. Como é óbvio, o estímulo à procura interna é incompatível com o corte e a desvalorização salariais, assim como com o enfraquecimento progressivo dos montantes e da acessibilidade às prestações sociais. Perante a iminência de quebra das exportações para a Europa e os Estados Unidos, alguns países da América Latina, e mesmo a China, vêm ensaiando com sucesso medidas de promoção da procura interna através do reforço de alguns direitos do trabalho, como a subida controlada do salário mínimo… O que deveria ajudar os decisores a refletir sobre as incongruências das atuais políticas.

Trata-se, em suma, de convergir na ação e empenhamento cívicos para erradicar de vez a ideologia neoliberal e a economia mainstream, contrapondo-lhes uma alternativa democrática e inclusiva porque centrada no crescimento e no emprego.

Margarida Chagas Lopes



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar - 5

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Eduardo Maia Costa.


Contra uma democracia de baixa densidade


O funcionamento aparentemente regular das instituições mal esconde uma efetiva fraca densidade da nossa democracia.


A deficiente qualidade da representação parlamentar, devido a um sistema eleitoral capturado pelos partidos políticos que não permite aos eleitores outra opção que não seja a escolha de listas partidárias fechadas, elaboradas pelas direções partidárias, conduz a um controlo insuficiente do Governo pelas Assembleia da República.

É frágil, quase nula, a autonomia dos deputados perante as respetivas direções partidárias, que lhes impõem, como regra raramente excecionada, a disciplina de voto. As maiorias parlamentares sucedem-se rotativamente, sem que haja uma verda-deira rutura de políticas.

As maiorias que alternadamente vêm exercendo o poder correspondem a um bloco central político e de interesses que, garantindo a continuidade de políticas, mantêm e alimentam as clientelas partidárias, em prejuízo do interesse público.
A participação popular no exercício democrático é reduzida à eleição dos representantes.

Toda esta situação se agudizou com a chegada ao poder da atual maioria e a assinatura do memorando com a troika.

A política que desde então vem sendo seguida, a pretexto de cumprimento do programa de austeridade imposto pelo troika, traduz-se na realidade num ataque brutal aos direitos sociais e aos direitos dos trabalhadores, na lesão dos princípios constitucio-nais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança e na degradação dos serviços públicos e do setor público em geral, e estigmatização dos seus agentes.

Caminha-se para a rutura do “contrato social” ínsito na Constituição.

Também as liberdades fundamentais correm riscos. Degrada-se a liberdade de informação e de imprensa, cada vez mais condicionada (e apropriada) pelo poder eco-nómico. Foi anunciada a extinção do serviço público de televisão. Existem ameaças mais ou menos declaradas à liberdade de manifestação. São explícitas as tentativas de condicionamento prévio das decisões do Tribunal Constitucional. Manifesta-se desprezo pela ação fiscalizadora do Tribunal de Contas.

No plano imediato, impõe-se preservar e defender:

a) Sistema constitucional dos direitos fundamentais, nas suas diversas vertentes (direitos civis, políticos, económico-sociais, laborais, etc.), quer na sua estatuição constitucional, quer nas suas repercussões na lei ordinária;

b) Sistemas públicos de saúde, ensino e segurança social, base indispensável do “contrato social”;

c) Independência do poder judicial, mantendo-se o atual modelo de Tribunal Constitucional, sindicando-se porém com rigor o recrutamento dos respetivos juízes;

d) Serviço público de televisão e pluralismo informativo e de opinião.

Só um movimento popular muito vasto e diversificado pode assegurar o cumprimento destas tarefas e a salvaguarda do Estado de Direito democrático tal como está consagrado na nossa Constituição.
Eduardo Maia Costa

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar – 4

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.
Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de António Cluny.



1. Tony Judt definiu, um dia, ao Guardian a sociedade actual: «… aquilo a que assistimos é à transferência das responsabilidades do Estado para o sector privado (…) a uma ‘economia mista’ da pior espécie, em que a empresa privada é, indefinidamente, financiada por fundos públicos» (The Guardian de 20/3/2010).


Quando se fala de «corrupção», a atenção e o escândalo dos portugueses centram-se, mais do que nos estritos conceitos jurídicos contidos no Código Penal, neste tipo de situações.
Aí sim, a percepção «popular» da corrupção.

2. A abordagem e contenção deste fenómeno não pode, de facto, limitar-se à vertente criminal. Ela deve de passar, sobretudo, por outro tipo medidas:

- Devolução à Administração Pública de uma «carreira» e de um estatuto funcional que favoreçam a isenção, bem como de autonomia técnica face ao poder político e económico, de molde a que possa (e deva) emitir pareceres prévios sobre a despesa – actos e contratos de toda a espécie – designadamente quando estes atinjam valores relevantes;

- Responsabilização financeira efectiva dos titulares dos cargos políticos, quando decidirem contra ou sem tais pareceres obrigatórios e causarem dano ao Estado e outras pessoas colectivas de interesse público; - Responsabilização financeira dos funcionários que tenham emitido pareceres obrigatórios e favoráveis à despesa, aceites por responsáveis políticos que neles fizeram fé, e cujas decisões tenham, depois, causado dano ao Estado ou outras pessoas colectivas de natureza e interesse público;

- Responsabilização financeira solidária dos responsáveis e de próprias entidades privadas que, de algum modo, usem ou giram dinheiros públicos contra lei ou com fim diferente do que lhes estava destinado, causando, assim, danos patrimoniais ao Estado;

- Alargamento do âmbito do visto prévio – mesmo que a nível de parecer não vinculativo – relativamente à economia, eficácia e eficiência dos actos e contratos geradores de despesa relevante. Devolver-se-ia, depois, aos responsáveis das entidades geradoras da despesa o ónus de a prosseguir contra a orientação do TC. No caso de derrapagem posterior da despesa, poderia considerar-se, subsequentemente, a concretização legal de mais uma situação de responsabilização financeira.

Clarificando e limitando os níveis de responsabilidade dos decisores e de quem os aconselha, contribui-se decisivamente para a prevenção da «corrupção» tal como a sociedade a entende.

António Cluny

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar – 3

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Cláudio Teixeira.



Trabalho: custos de o reduzir a um custo


Há duas perspectivas sobre a função ou papel económico e social do trabalho:

- o trabalho como custo, a reduzir o mais possível;
- o trabalho como recurso, a potenciar como factor de desenvolvimento.

No discurso e práticas políticas e de gestão, hoje dominantes, (e também em muito do pensamento e ensino da economia) é a consideração do trabalho como custo que orienta as estratégias e as práticas, nomeadamente de legislação do trabalho e segurança social e de flexibilidade de gestão dos recursos humanos. Basta, no caso português, olhar para a aprovação do Código do Trabalho e suas revisões e para o chamado Memorando da Troika. Mas o caso português, como se sabe, não é único. Escusado é dizer que a outra perspectiva – a do trabalho como recurso e factor de desenvolvimento – está praticamente ausente, apesar de alguns discursos, cada vez mais raros, sobre o “desenvolvimento dos recursos humanos”.
Considerar o trabalho como custo, a reduzir o mais possível, insere-se numa lógica de alcance muito mais profundo que o da mera lógica contabilística de a gestão se libertar de custos fixos. Pois do que se trata, especialmente no caso do trabalho, é de conseguir com que vínculos contratuais sejam o mais fracos possível, e o que alguns desejariam era que tais vínculos fossem inexistentes. Esses “alguns” têm mentores ou cúmplices ao mais alto nível: recordem-se as tentativas que vieram, há alguns anos, da própria Comissão Europeia no sentido de a legislação de trabalho perder a sua especificidade e as questões de trabalho serem tratadas como questões de contratos de serviços.

Essa lógica de se libertar de custos fixos e dos vínculos de que resultam é a lógica da flexibilidade desreguladora que se concretiza na avassaladora precariedade de emprego e em certas formas de gestão que desrespeitam necessidades de vida familiar e social e, frequentemente, a identidade e qualificação profissional, a pretexto da chamada adaptabilidade. Tendo em conta o potencial de flexibilidade dos modernos sistemas produtivos, a OIT adverte para que se deve “promover o trabalho digno nos sistemas globais de produção” pois eles têm sido um dos mais fortes factores de expansão dessa flexibilidade desreguladora (Relatório Por uma Globalização Justa – criar oportunidades para todos, nº 498-501).

Esta flexibilidade desreguladora é também, e por isso mesmo, uma flexibilidade desqualificadora. Com efeito, a precariedade, a excessiva rotação de emprego e ainda mais o desemprego levam, como é sabido, à degradação e perda de competências pela falta de oportunidades da respectiva aplicação. O custo dessa perda de potencial humano é enorme, assim como o será o desperdício em educação/formação que corresponde à desqualificação resultante dessas políticas e práticas de “flexibilização do mercado de trabalho” e da gestão de recursos humanos. Seria útil que economistas calculassem estimativas do que representa tal desperdício. Isso contribuiria para se entender que desrespeitar a dignidade do trabalho é impedir que uma economia seja, afinal, sustentável.
Cláudio Teixeira


Adenda: Não resisto a chamar a atenção para um outro aspecto e consequência do «discurso e práticas políticas e de gestão hoje dominantes» a que se refere Cláudio Teixeira. Trata-se da criação de novos e relevantes perigos laborais, ambientais e de acidentes maiores nas indústrias "de risco" (veja-se o cap. 11 de «Trabalhamos sobre um barril de pólvora» - homens e perigo na refinaria de Sines).
Isto, a par de questões menos graves, mas economicamente relevantes, como a frequente obtenção de piores resultados financeiros devido à aplicação dessa "ideologia de gestão dominante" (como lhe chamei), embora sob uma aparência contabilística mais lisonjeira.

Alternativas a estas governações, para discutir e melhorar – 2

Continuo a divulgar uma selecção das contribuições temáticas para o Congresso Democrático das Alternativas, que estão a ser disponibilizadas para discussão, na sua totalidade, aqui.

Convido-vos a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

O texto que se segue é da autoria e responsabilidade de Alexandre Abreu.


Denunciar o memorando é uma condição necessária, mas não suficiente

O memorando da troika é profundamente nocivo para a sociedade portuguesa, impondo e dando cobertura a uma política económica e social que apenas conduz Portugal para o empobrecimento, para a desigualdade e para a destruição de direitos. É, além do mais, insustentável mesmo nos seus próprios termos, pois está associada a uma taxa de juro (5%) muito superior à taxa de crescimento da economia, num contexto em que o stock total da dívida (120%) implica já a impossibilidade desta ser paga ou sequer sustentada. O caminho terá inevitavelmente de ser invertido – e quanto mais cedo o for, menores serão a regressão e o empobrecimento desnecessários e inúteis.

Denunciar o memorando é uma condição necessária, mas não suficiente, para a adopção de uma política de relançamento do emprego e da coesão social. É certo que implica riscos e dificuldades – embora não tanto como a manutenção do actual rumo de devastação da economia e sociedade portuguesas. As consequências políticas de curto prazo são inquestionavelmente positivas: a libertação de um colete-de-forças que deprime a economia e devasta a sociedade. Já as consequências financeiras são bastante mais incertas: o fim do acesso à possibilidade de endividamento junto da troika não poria em causa a possibilidade do estado português assegurar as suas funções e pagar salários, pois o saldo orçamental primário é já positivo; porém, o problema estender-se-ia também ao financiamento da economia portuguesa como um todo, designadamente através do seu sistema bancário, implicando dois cenários principais: o primeiro, de não-cooperação por parte da troika, implicaria a nacionalização da banca e a consequente saída da zona Euro (a fim de assegurar o financiamento monetário do défice público resultante); o segundo passaria pela manutenção do acesso da banca ao financiamento externo apesar do incumprimento soberano e da inversão de política económica, mas exigiria cedências muito substanciais por parte da troika e em particular do BCE.

Alexandre Abreu



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Praças das Forças Armadas pedem demissão do Primeiro-ministro


Há certas alturas em que dou como muito bem empregues os anos que dediquei à CASMO - que, a par da ANS, encheu os pneus dos restantes grupos e classes para o associativismo militar, embora ela fosse uma coisa de gente no serviço militar obrigatório...

Alternativas a estas governações, para discutir - 1

Começo aqui a divulgar uma selecção das curtas contribuições temáticas que têm chegado ao Congresso Democrático das Alternativas, para serem objecto de discussão, e que começarão a ser disponibilizadas a partir desta noite, aqui.
Desde já vos convido a juntarem-se ao debate e a contribuírem, lá, com as vossas próprias propostas.

Para começar, aqui fica uma minha contribuição.
É sobre a natureza do estado social, a independência do seu financiamento relativamente às conjunturas económicas, e mecanismos para o reforço social e politicamente justo do seu financiamento.


Mais estado social, em tempos de crise

A saúde e ensino públicos universais, a par de um sistema de segurança social que apoie de forma digna e estável os cidadãos confrontados com desemprego, doença, velhice ou incapacidade, constituem elementos essenciais e imprescindíveis do estado social.

Para além de benefícios significativos para a vida e dignidade dos cidadãos, esses sistemas e direitos são fatores determinantes de justiça social, de equidade e de estabilidade das pessoas, das famílias e das sociedades.

No entanto, esses sistemas e as despesas sociais que implicam são ainda instrumentos fundamentais de redistribuição da riqueza entre capital e trabalho. Tendo-se embora generalizado, na maioria dos casos, em momentos de forte crescimento económico, eles não decorrem das conjunturas económicas, mas de opções políticas – quer quanto à sua importância, quer quanto a quem e como os paga. Podem por isso ser (como o foram nalguns países) desmantelados em fases de forte crescimento económico e de alteração da distribuição da riqueza em favor do capital, tal como podem (e devem) ser reforçados em tempos de crise e retração económica, que os tornam ainda mais imprescindíveis, para ainda mais pessoas.

A saúde e ensino públicos, uma segurança social eficaz, não são luxos a que as sociedades só se poderão dar quando ficam mais ricas a cada ano que passa. A situação atual exige, pelo contrário, o seu reforço de meios e eficácia, enquanto mecanismos de estabilidade e apoio aos cidadãos, de justiça, equidade e redistribuição da riqueza.

Pela última característica referida, mas também por questões de justiça e equidade sociais, esse necessário reforço não pode ser realizado à custa dos já fragilizados e precários rendimentos do trabalho, seja de forma direta ou por via fiscal.

Sendo totalmente inaceitável a anunciada diminuição da TSU paga pelas empresas à segurança social, existe uma alternativa para o reforço do financiamento das despesas sociais que não passa pelo aumento dessa taxa e seus efeitos perversos, para além de ser mais justa para diferentes empresas, de dimensões e situações muito diversas:

A forte e marcadamente progressiva tributação dos lucros empresariais e das mais-valias financeiras e de património.

domingo, 16 de setembro de 2012

Bonito de se ver


Tendo eu denunciado, aqui e aqui, as lógicas do "inimigo interno" e a paranoia repressiva dos aspirantes a Antónios Borges do policiamento e espionagem, e tendo depois disso suscitado, aqui, as atenções para a presença de provocadores policiais infiltrados nas manifestações da Greve Geral de 24 de Novembro de 2011, há algo que não quero deixar de salientar, acerca das manifestações de ontem:

O comportamento exemplarmente responsável e cordato que tiveram os polícias de serviço nas ruas, tão contrastante com a última Greve Geral.

Uma postura de louvar, certamente.
E à qual não serão estranhas coisas como o comunicado sindical em epígrafe, as recentes declarações do presidente da ASPP, ou acções menos conspícuas de outros sindicatos da polícia.
Independentemente das críticas que cada um lhes aponte, os sindicatos continuam a ser um elemento fulcral da cidadania.

Atestado de óbito


(foto Paulo Raposo)


O dia de hoje constituiu a constatação de que Pedro Passos Coelho (tal como o seu governo e políticas) estão politicamente mortos.

Após uma acelerada sucessão de violentas críticas à última medida “de austeridade” que anunciou, vindas desde a esquerda à direita (incluindo barões do seu próprio partido) e desde ambas as centrais sindicais às confederações patronais, as muitas centenas de milhares de pessoas que hoje se manifestaram contra as políticas do governo e o memorando da troika deixaram clara uma coisa insofismável:

Pedro Passos Coelho conseguiu finalmente alcançar um consenso e uma concertação social e política. Contra o seu governo e contra as políticas que prossegue.

Repito: politicamente, está morto e (mal) enterrado, por muito que possa vir a ser mantido em coma assistido durante mais uns bons meses.

A gota de água foi, claro está, a abstrusa, injusta, obscena e inaceitável decisão de aumentar o desconto para a segurança social dos trabalhadores por conta de outrém de 11 para 18% (em 63,6%), descendo a contribuição das empresas de 23,5% para 18. Mas quer essa decisão, quer as reacções a ela, devem fazer-nos pensar desde já na lógica da irracionalidade política e naquilo que temos que fazer, também desde já, para não virmos a ter mais do mesmo.

Acontece que a irracionalidade de uma decisão e dos seus resultados, por muito evidente que seja para praticamente todas as outras pessoas, não o é necessariamente para quem toma essa decisão.

A lógica dessa medida (para Passos Coelho, Gaspar e capangas menores) até é fácil de descortinar. Com um chico-espertismo de quem vê o mundo do tamanho dos corredores governamentais e das instituições financeiras e académicas, faz-se fica-pé numa interpretação obviamente canhestra do acordão do tribunal constitucional, garante-se a descida da TSU (velho projecto, em cujas vantagens só os próprios parecem acreditar) e, bola de bónus, dá-se um passo acelerado na ideologicamente desejada transferência de riqueza do trabalho para o capital.

Mas claro que tudo isto (tal como a crença no êxito de tudo isto) só faz sentido para cabeças funcionando em circuito fechado, no quadro de um assustador mas nem por isso improvável encontro.

Um encontro entre, por um lado, um conjunto de figurinhas que desenvolveram toda a sua vida “autónoma” (mesmo quando passaram por conselhos de administração de empresas, ou por licenciaturas-relâmpago) no quadro das pequenas intrigas partidárias, reduzindo o sentido de Política e o exercício do poder aos chico-espertismos, arranjos de ocasião, facadas nas costas e tráficos de influências que, por lá, aprenderams ser eficientes.
Um encontro deles com, por outro lado, pseudo-tecnocratas com alma de contabilistas (incompetentes) e com muito jeito para fazerem complexos modelos matemáticos sobre economia (baseados nos seus modelos ideológicos), combinado com uma grosseira ignorância acerca de qualquer economia real, ou pelo menos da portuguesa.
Um encontro em que ambos os tipos de espécimens partilham algo em comum, para além da cruzada pseudo-liberal em que imbecilmente continuam a acreditar: o completo desprezo pelas pessoas reais para lá dos números, pela sua situação, necessidades e sofrimento.

Enterrada de vez esta gente (e isso exige a continuidade do esforço conjunto de todos nós, pois mais chico-espertismos e balões de oxigénio não faltarão), o problema é que, conforme disse, este encontro é assustador, mas nada improvável nos tempos que correm.

Havendo espécimens semelhantes bem posicionados mais à esquerda, nada nos livra de governos do centrão (É a emergência nacional, meus senhores e minhas senhoras!…) ou de uma versão PS “mais do mesmo”, socialmente mais cuidadosa e com filtro.


O que me leva a pensar que, mais do que nunca, é imprescindível e urgente apurar e consensualizar os máximos denominadores comuns entre os partidos, movimentos e cidadãos que repudiam o memorando da troika, e estruturá-los sob a forma de uma plataforma mínima irrecusável por parte de cada um deles.

Já não (embora tal também seja muito importante) apenas para demonstrar aos nossos concidadãos que há outros caminhos e alternativas. Ou tão pouco esperando que qualquer partido, movimento ou cidadão não tenha divergências de todos os outros, fora daquilo que (por ser consensual e comum) constitua essa plataforma.

Mas – agora mais do que nunca – para que, chegado a bom porto esse esforço colectivo e plural, escarrapachemos o resultado na cara dos partidos de esquerda (incluindo o nosso, se o tivermos) e lhes exijamos:
Digam lá o que é que, para vocês, é aqui inaceitável!
Digam lá se têm a lata de, como isto está, recusarem entender-se em torno de uma plataforma mínima comum – seja esta, com grande parte da papinha já feita, ou outra muito mais alargada, pelo vosso próprio diálogo!

Outras pessoas estarão empenhadas no Congresso Democrático da Alternativas (em plena fase de discussão e marcado para 5 de Outubro) por outras motivações e com outros objectivos.

Estes são os meus.

E, pela importância e urgência que lhes reconheço, apelo a todos vós a que os partilhem e a que participem e se empenhem na discussão e construção que está em curso.

Com o empenho de todos os que a isso dêem importância, talvez este cartoon possa vir a ser redesenhado, com figuras bem mais simpáticas e por bem melhores razões.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Voz do Operário precisa de uma mão para minimizar a fome


Fiquei a saber hoje à tarde que a Voz Operário começou a disponibilizar refeições, para acorrer às crescentes situações de FOME nas zonas limítrofes de S. Vicente, Graça e Sta. Engrácia.


Devido às próprias limitações financeiras da Voz, a sustentabilidade destas acções requer o trabalho solidário de quem as queira apoiar para, aos jantares e fins-de-semana, cozinhar, servir ou levar as refeições a pessoas com dificuldades de mobilidade. Mesmo que cada um só possa o fazer uma vez por semana, ou de 15 em 15 dias.

Cá irei tentar encontrar uns buraquinhos na minha agenda.
E, se têm a vontade e a disponibilidade, apelo a que também o façam e divulguem.