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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Teleguiar o Estado a partir da presidência do partido?

«Ces animaux ne sont pas devenus des totems parce qu'ils sont bons à manger, mais parce qu'ils sont bons à penser.»
(citação de memória e aproximadamente exacta de Levi-Strauss)

Um artigo especulativo mas muito interessante, publicado hoje no Canalmoz, levanta uma hipótese curiosa (mas plausível) acerca da pressa demonstrada pela bancada parlamentar da Frelimo em rever a Constituição moçambicana.

Será que, agitada pelas visíveis tensões e competição entre grupos de interesses (e facções político-empresariais) no seu seio, vendo o aumento do número de mandatos do Presidente da República como uma alteração arriscada a nível interno (veja-se o caso Mbeki) e externo (reacção dos "doadores"), e tendo dificuldade em encontrar um candidato presidencial forte que não subvertesse o status quo interno, a direcção da Frelimo pretende tornar o Presidente e o Primeiro-Ministro figuras teleguidas pelo partido, que continuaria a ser liderado por Armando Guebuza?

A ideia é que o Presidente da República (todo-poderoso no actual quadro constitucional)passaria a ser eleito indirectamente, pelo parlamento, e veria as suas competências diminuídas até às de um corta-fitas. O Primeiro-Ministro (actualmente, um coordenador governativo)tornar-se-ia o efectivo chefe de governo e ganharia competências estatais para além dele, mas ficaria em bastante maior dependência do parlamento do que está, hoje, o Presidente.

Confesso que a política partidária moçambicana me interessa muitíssimo pouco, em si própria.
E que também não sou nenhum entusiasta do estudo de formatos constitucionais.

Mas lá que (como dizia o Levi-Strauss acerca dos tótemes) a hipótese levantada pelo Canalmoz é «boa para pensar» e, independentemente de ser ou não factualmente verdadeira, nos dá indicações interessantíssimas acerca da forma como a política é pensada em Moçambique "de cima para baixo", lá isso é verdade.

Mas... Será que a coisa é muito diferente por cá - ou que seria, se um partido tivesse 3/4 dos assentos parlamentares?
É que, quanto à promiscuidade (e coincidência) entre elites políticas e económicas, temos vindo a dar passos significativos em direcção à moçambicanização...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ministros caindo em Moçambique

Foram ontem exonerados por Armando Guebuza, Presidente da República de Moçambique, os ministros da saúde (Ivo Garrido), do interior (José Pacheco), da agricultura (Soares Nhaca) e da indústria e comércio (António Fernando).

Em Moçambique, tais decisões são raras e sempre significativas de muito mais que meras substituições de pessoas – mesmo se, geralmente, as razões e significados só sejam totalmente compreensíveis para quem se mova nos centros de decisão partidária.

O que quererão dizer, agora, estas exonerações?
Se o segundo caso era inevitável mais tarde ou mais cedo (embora, por exemplo, o ex-ministro da defesa tenha sobrevivido mais de um ano à tragédia do rebentamento do paiol de Malhazine), se o terceiro parece ser sintomático da necessidade de se mostrar que se pretende fazer algo de substancial e efectivo no sector, e se o quarto surge como o bode expiatório da decisão de aumentos brutais de preços, já o primeiro tinha desde há anos uma imagem de marca de confronto com os profissionais do seu sector que, para se ter mantido tanto tempo, até parecia agradar ao Presidente.
Teria sido a ameaça de greve dos médicos, e a necessidade de o governo não se confrontar com mais conflitos sociais complicados nos próximos tempos?

Mas tudo isto são meras especulações de quem se deita a adivinhar e gostaria de compreender mais. E várias coisas.
Em que medida resultarão estas mudanças de medidas cosméticas e marketing político? E em que medida resultarão de uma nova e real estratégia político-económica e de exercício do poder? Em que medida resultarão de meros reajustes das relações de poder internas?
Pois... não sei.

Neste outro blog, tentam-se discutir as razões. Se alguém tem algo a dizer que ajude a compreender o assunto, que entre no debate, ou por aqui.


Entretanto, neste cantinho à beira mar plantado, discute-se entusiástica e apocalipticamente se o orçamento vai ser aprovado (e, quanto muito, as alternativas onde cortar despesa ou obter receita), mas não por que raio e em que medida são necessários cortes tão bruscos e brutais…

Ou seja, da mesma forma que em Moçambique as elites políticas acharam evidente que, com a desvalorização da moeda e a "mão invisível" do mercado (internacional), os preços tinham que subir em flecha e o povo que comesse brioches, assim por cá se corre a criar o caos recessivo (e a, qualquer dia, apelar aos brioches) para acalmar o "mercado" dos bancos especulativos, predatórios e há pouco salvos por dinheiros públicos, quando há alternativas institucionalizadas em que os juros custam cerca de 1/4 do que eles cobram.

É isso sintomático de quê?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Rosa e o Laranja

(e etc.)

Nos tempos de Stendhal, jovens provincianos que fossem ambiciosos, chico-espertos e fura-vidas como o protagonista de O Vermelho e o Negro tinham dois caminhos para, espezinhando aqui, traindo ali e sacaneando acolá, tentarem chegar àquilo que considerassem "subir na vida": a carreira militar e a carreira eclesiástica.

Nestes sombrios tempos de classes em vez de ordens, em que a tropa voltou a ter lepra e até a Opus Dei se arma em selectiva, o caminho escolhido pelos modernos gémeos do Julien Sorel é só um, embora com duas vias paralelas (que não obstante, veja-se o nosso primeiro, se podem cruzar antes do infinito): o Rosa e o Laranja.

Se o aspirante a grande homem teve a ventura de nascer periférico, integra desde bem cedo uma juventude partidária governante (mudando se naquela não estiver a dar) e vai treinando as suas potencialidades espezinhadoras, traidoras e sacaneadoras até chegar, com reduzida concorrência, ao pináculo distrital da coisa.
Jovem com horizontes mais largos do que o enriquecimento de clocher, numa Câmara assim como assim já ocupada por algum tubarão de aquário mas com dentes afiados, não faz concorrência a essa fauna. Antes lhe demonstra a sua modéstia e utilidade, acabando por entrar para o parlamento, num dos últimos lugares elegíveis lá do sítio.

Nova liga, novo jogo.
E lá busca este Heroi do Nosso Tempo gémeos cúmplices, contra inevitáveis gémeos inimigos, e algum patrono por conta de quem vá mordendo umas canelas (ou, de preferência, barrigas-da-perna) e calcando alguns cadáveres.
Se o patrono é bem escolhido, há boas hipóteses de que a coisa esteja lançada. E nem foi preciso perder tempo e concentração com essas mariquices dos estudos - que, para os mais formalistas, poderão sempre vir mais tarde a ser feitos, por fax, que dá muito mais jeito.

Entrementes, o capital de influências vai-se alargando e, se não for trucidado antes disso pelos seus semelhantes, a alternância democrática lá lhe abrirá um lugarzinho no governo - e, com um bocado de sorte e dentadas certeiras, sem ter que ser assessor antes de secretário de estado, ou secretário de estado antes de ministro.

A chatice é que essa mesma alternância (ou alguma calinada mais escandalosa) de lá o tirarão e que, normalmente, as capacidades que lá o meteram não chegam para lá voltar.

É galo, mas é a vida.
Resta capitalizar todo esse percurso e conhecimentos (pessoais).
Para os mais megalómanos, à frente de empresas mirambolantes ou com o lucro assegurado por favorecimentos estatais.
Para os mais modestos ou queimados, uns discretos lugares de gestores públicos, assegurados por cavalheirescos adversários ou por solidários correlegionários - que, as mais das vezes, se tornaram difíceis de diferenciar.

Mas há sempre a possibilidade de ter mais olhos que barriga, ou de não ter perdido os hábitos mixurucas dos velhos tempos de ascensão e ribalta.

E lá acaba o pobre Sorel da Merdaleja, apesar de todas as tentativas de adversários-e-correlegionários para olharem noutra direcção, por deixar apodrecer em público a galhinha dos ovos de ouro, ou por ser gravado pela bófia a pedir subornos para mexer uns cordelinhos.



E será que não há por aí nenhum Stendhal disponível, para fazer deste O Rosa e o Laranja um grande romance para as gerações vindouras?

domingo, 4 de outubro de 2009

'Tá bêim,abêlha

Descansem os mais preocupados com a probidade dos nossos governantes e a saúde da nossa democracia!

O nosso primeiro Sócrates de Sousa nada tem a ver, nem ouviu falar, do descarado e bem pago favorecimento a uma tal de HCL para construtora da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Associação de Municípios da Cova da Beira, quando ele era Secretário de Estado do Ambiente, de cujos serviços dependia a aprovação da coisa.
Não terá, por isso recebido os tais 750 mil euros.
Aliás, nem conhecia o tal engenheiro António Morais até ele o passar a 4 cadeiras por fax, no mesmo ano em que a sua desconhecida empresa ASM foi escolhida para acessorar a questão e, diz a acusação, receber mais de 50 mil euros de "luvas".

Descansem, portanto.
Se o nosso primeiro disse isso por escrito ao tribunal, é porque certamente é verdade.
Em que mundo estarámos nós, se assim não fosse?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Lapso freudiano, depois de Dupond & Dupont

Ainda em Maputo, sentei-me há dias para ver o debate entre Louçã e Jerónimo de Sousa.
Com diferenças de ênfase, imagem, retórica e pormenor, lá estavam um frente ao outro, tentando afirmar aqui e ali, quanto ao essencial, «eu diria mesmo mais».
A tal ponto que a cara séria que cada um fazia ao ouvir o outro surgia forçada e se parecia descortinar por detrás dela o pensamento «Este sacana já disse isto... O que é que eu vou dizer a seguir.»

Acabei por mudar de canal.
Não porque me impressionasse, em si mesma, esta performance Dupond & Dupont.
Antes por saber que, sendo evidente que uma alternativa de esquerda só pode ser pensada e feita a partir do debate, diálogo e eventual convergência entre as força que eles representam (na sua diversidade de perspectivas, potencial e experiência), a maior preocupação na sua relação mútua é contabilizar as pequenas ou grandes vantagens que cada um alcança, neste ou naquele campo social ou eleitoral, sobre o outro.
Afinal, um sprint de pequeninos, que inviabiliza objectivos bem mais ambiciosos numa estafeta de grandes. E, sobretudo, alternativas societais.

Ontem, mudei ainda mais rápido de canal, no debate entre Sócrates e Louçã.
Talvez tenha perdido, com isso, coisas que valessem a pena.
Mas uma das primeiras coisas que ouvi foi o nosso primeiro a dizer que se candidatava «a governar com os pés bem assentes no palco. Perdão... no chão.»

É demais, para quem acaba de chegar de Moçambique e, a certa altura, não percebe bem se realmente mudou de país.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Portugal Moçambicaniza-se (IV a)

Nem de propósito:

Depois do 5 de Fevereiro, a Governadora da Província de Maputo fartou-se de falar de "manipulação dos jovens e estudantes" por parte de gente mal intencionada.
Isto até uma estudante lhe dizer frente às câmaras de TV que não precisa de ser manipulada para ver o que está mal.

Há momentos, a Directora Geral de Educação do Norte veio dizer que há manipulação dos alunos por elementos estranhos às escolas.
É realmente chato, poder-se despedir gente que afixa um cartoon acerca do nosso primeiro e não poder despedir os putos que protestam lá nas escolas deles.

Isto só dá tempo de afixar o post... Agora é o Secretário de Estado que vem falar de manipulações dos pobres, bem-intencionados (e, segundo parece, atrasados mentais) estudantezinhos.

Portugal Moçambicaniza-se (IV)

A 5 de Fevereiro de 2008, Maputo foi paralizado por motins populares que tiveram como motivação imediata um aumento dos transportes semi-colectivos decidido sem ter em conta as dificuldades de sobrevivência da população, e expressaram um descontentamente geral com as condições de vida e a irrelevância do povo para as opções do poder político.

O ministro respectivo desvalorizou a questão e, pouco depois, o Secretário da propaganda do partido governamental veio dizer que os motins tinham sido orquestrados por uma "Mão Invisível".

A 8 de Novembro de 2008, Lisboa foi sacudida pela segundo manifestação esmagadora de professores em poucos meses. 4 profs em cada 5 protestaram na rua contra a política do ministério da educação. A ministra desvalorizou. Dias depois, estudantes receberam a ministra com ovos em Fafe e, como seria de esperar, a coisa foi imitada em Lisboa, na primeira oportunidade.

O equivalente português do Sr. Macuácua, o porta-voz do PS Vitalino Canas, vem dizer que os protestos são "desacatos que nos parecem muito orquestrados, muito instrumentalizados, talvez por alguns radicais e alguns professores".


Depois do apoio a empresas privadas para garantirem o policiamento público, do epíteto de "negativismo, maledicência e bota-abaixo" a todos os que não viam o futuro tão risonho como o nosso primeiro, e depois de plagiarem o slogan de Armando Guebuza e da Frelimo, já não me restam dúvidas:

O nosso primeiro e o seu partido estão tão incrivelmente preocupados com o meu bem-estar pessoal que decidiram fazer tudo para que eu não sinta choques e dificuldades de adaptação, ao transitar entre Portugal e Moçambique! É a única explicação possível.

Sendo assim e já agora, nosso primeiro, torne a semelhança ainda maior: com a maior rapidez, demita a ministra e aproveite para mandar também borda fora alguns dos seus colegas mais inconvenientes.

Sei lá... Olhe: por exemplo aquele ex-chefe da secreta que não consegue dirigir forças policiais às claras, ou aquele outro que aprendeu com ele e acha normal autorizar devassas ilegais de correspondência electrónica, ou o ex-banqueiro que fez procurador pessoal um alto quadro do BP que devia fiscalizar o seu banco e, já ministro, o nomeou para a Autoridade da Concorrência.
Oh, homem... você é que sabe. Tem muito por onde escolher.

domingo, 21 de setembro de 2008

Portugal moçambicaniza-se (III)

A FORÇA DA MUDANÇA

Perguntava-me um leitor anónimo, certamente moçambicano, se era verdade que o actual slogan do PS, em Portugal, era mesmo "A Força da Mudança".

É verdade e (tinha eu escrito na caixa de comentários, até ver que a coisa estava a ficar demasiado comprida) isso tem uma história. Uma história nem sempre clara quando é olhada a partir de África e que talvez mereça ser relembrada aqui.

Nos países da Europa onde a social-democracia tem uma acção muito antiga (o que não é o caso de Portugal, onde tão pouco acontece aquilo que direi a seguir), ela era marcada até há uns tempos por uma tradição de regulação estatal da economia, tendo em vista alguma equidade social, a par de uma posição de liberalidade societal em termos da mudança dos costumes.
Quase caricaturando, era como que o seu código genético e identitário, por contraposição a um outro grande partido normalmente existente nesses países, que era por sua vez defensor de um maior conservadorismo social e dos costumes e de uma economia liberal.

(Tudo isto é, claro, relativo, pois um conservador holandês está normalmente à esquerda de um socialista português em grande parte das matérias políticas relevantes para a vida das pessoas, da mesma forma que um republicano da Nova Inglaterra costuma estar à esquerda de um democrata do Texas.)

Há muito que a questão tinha deixado de ser, para a social-democracia europeia, a via de superação do capitalismo (reforma ou revolução), que tinha levado à cisão entre a 2ª e a 3ª Internacionais.
A questão, desde pouco depois disso, passou a ser a gestão mais justa e equitativa do capitalismo. Se quisermos, e passe a metáfora, um "capitalismo de rosto humano".
Era essa a sua tentativa de prática, o seu legado e a sua imagem.

No entanto, com a teorização da chamada "Terceira Via" (de que o inglês Tony Blair se tornou o governante mais evidente), os partidos social-democratas sofreram uma "mutação genética" que os ajudou a aproximarem-se do poder em tempos de maré conservadora e, por sua vez, deixou os conservadores com um problema de falta de espaço político para resolverem, e deixou os países respectivos sem grandes partidos de esquerda.
Basicamente, os "novos" partidos social-democratas mantiveram posições progressistas na área dos costumes e relações societais, mas adoptaram uma política económica que, em vários aspectos, é mais liberal do que os conservadores se atreveram a fazer e exigir, pondo inclusivamente em causa instituições e pressupostos que se tinham tornado marcas civilizacionais da Europa Ocidental - devido, entre outros, á luta e acção das gerações anteriores de sociais-democratas.

É claro que, quando as mudanças políticas são tão fortes e nessa direcção, não adianta escamoteá-las. Mesmo se não fossem (que eram) argumentos eleitorais para cativar essa figura fantasmagórica do "eleitorado de centro", seria sempre necessário enfatizá-las e transmiti-las como uma corajosa mudança da sociedade, para que ela não entre em colapso.
Afinal, onde existiu ou existe, o "estado social" começou a ser morto por conservadores, mas são "terceira-viistas" com label social-democrata que avançam com o seu enterro.

Portugal nunca foi governado segundo uma política social-democrata "à europeia", nem alguma vez teve um estado social.
E a própria retórica e prática terceira-viista chegou à governação quando não era eleitoralmente necessária para que o PS a ocupasse. Foi mais uma questão de ser a esquerda da moda, "maningue moderna", por parte de um dirigente sem cultura de esquerda (social-democrata ou outra), chegado ao leme de um partido que estava desesperado por voltar ao poder. Foi a aplicação de uma receita que tinha resultado eleitoralmente noutros lados, não fosse dar-se o caso de Santana Lopes conseguir ressuscitar durante a campanha eleitoral.

Mas, quando depois as coisas não correm por aí além, mais necessário se torna apresentar a mudança de orientação política (em vários aspectos, Cavaco Silva governou, no seu tempo, "à esquerda" do actual governo) como uma necessidade e desígnio nacional, que corajosamente é prosseguida, se necessário contra tudo e contra todos, por quem "tem tomates" para isso.
Daí, agora, "A Força da Mudança".

O anónimo moçambicano que suscitou este post ter-se-à apercebido de alguns paralelos engraçados com o seu país.
Mas a situação parece-me muito diferente.

Quando a Frelimo aplicou o slogan d'A Força da Mudança, em 2005, a sua passagem de partido marxista-leninista para executor de políticas ultra-liberais já tinha sido paulatinamente feita desde o fim da guerra civil, 13 anos antes, pelo anterior Presidente da República.
Não era essa curva a 180º que se tornava necessário justificar, mas as mais-valias que iriam advir da substituição do presidente por uma figura à partida difícil de "vender": um político cuja imagem popular estava centrada no seu cargo de Ministro do Interior durante uma das épocas mais repressivas da história pós-independência.

Não será por acaso que (numa altura em que a Renamo não parecia ter ainda entrado num processo de suicídio colectivo ordenado pelo chefe), a Mudança anunciada era muito mais pôr "ordem na tasca", através do «combate ao espírito do deixa-andar», do que a visão do partido como motor de uma "revolução permanente", ligada ao «combate à pobreza absoluta».
Não só a «força da mudança» vinha de um "homem de combate", como vinha de um "homem de tomates" que iria pôr na ordem os interesses instalados, no seu próprio partido, que mantinham o país na desgraça.
Ou seja, aquilo que podia fazer os eleitores terem medo de Guebuza, e por isso afastarem-se dele, foi muito habilmente transformado na prova de que ele era o homem providencial, para aquilo que o país necessitava naquele momento.

É claro que estas coisas não resultam sempre, nem para sempre.
Duvido que o slogan agora adoptado por Sócrates não seja visto como ridículo, e já há largos tempos não se fala em Moçambique do «combate ao espírito do deixa-andar».
Mas talvez nem seja necessário.
Afinal, tudo indica que quer o PS quer a Frelimo vão voltar a ganhar, basicamente, por "falta de comparência" credível dos adversários directos.
(Ao fim e ao cabo, mais um paralelo, para além do discurso subliminar acerca de "tomates".)

Mas lá que é plágio, é.
Às tantas, ainda os publicitários que "venderam" à Frelimo o slogan de 2005 vão acabar por apresentar uma facturinha ao nosso primeiro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Portugal moçambicaniza-se (II)




Tempos atrás, o Presidente da República de Moçambique admoestou urbi et orbi, a partir de uma reunião do Comité Central da Frelimo, os «apóstolos da desgraça» que não vêem melhorias no país e que desconfiam das palavras de ordem e mega-planos que vão sendo sucessivamente anunciados, na gloriosa luta contra a «pobreza absoluta».

Hoje, ouvi em minha casa o nosso Primeiro vociferar, a partir de um forum do PS, contra o «negativismo, maledicência e bota-abaixo» de quem não vê melhorias no país e dos «políticos que passam a vida a dizer ao país que nada pode fazer».

É caso para me perguntar: que maldades terei eu feito, para me ter calhado saltitar entre este Índico e este Atlântico?


PS (a 14/9): agora, a «oposição bota-abaixo» é contrária ao interesse nacional. A fase seguinte será parafrasear o velho das botas e dizer que é contra a pátria...
O autoritarismo, como o apetite, vien en mangeant.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Portugal moçambicaniza-se

Aumentam os assaltos às bombas de gasolina?
Que deve fazer um governo?
Reforçar os mecanismos de segurança pública, através da racionalização de esforços e/ou reforço de pessoal das forças policiais, melhorando en passant o uso das tecnologias de detecção?

Nada disso!
Deve estimular o recurso às empresas de segurança privada.

É claro que isso permite evitar chatices de planificação e organização e, mais importante, maiores despesas no orçamento do Estado.
(Pelo menos, até algum liberal-socialista se lembrar de alegar que, em espaço público, esse serviço é de interesse público, pelo que deve ser subsidiado...)
Mas até lá, tal como antes se disse para a saúde, quem quer segurança paga-a. Com a vantagem de se arranjarem mais uns empregos no sector privado e de se dinamizar a economia - que, como é bem sabido, é uma palavra que quer dizer "empresários".

Afinal, Moçambique mostra o caminho à Europa, com década e meia de avanço.
É claro que, pelas margens do Índico, a solução tem mais vantagens sociais - pelo menos, até os empregados dessas empresas olharem para a miséria que ganham e para a arma que têm na mão, pensando noutros usos mais lucrativos para ela.
Sempre deu para 'integrar' um bom número de desmobilizados da guerra civil, é um sinal de status e tranquiliza os cidadãos, que desconfiam mais da polícia que dos ladrões.

Aqui neste rosto ocidental da velha Europa, entretanto, até o CDS-PP (paladino da retórica securitária) deve ter ficado perplexo, ao ser ultrapassado resolutamente pela faixa da direita, com esta ideia de que nem eles tiveram coragem de se lembrar.
Afinal, é uma outra especialidade moçambicana pós-guerra civil: governar radicalmente à direita, com uma retórica de esquerda.
Por cá, o governo até que podia reforçar um bocado a parte da retórica. Sempre dava mais pitoresco à coisa.