quinta-feira, 12 de julho de 2007

Militares e direitos

- P'rá choça! O seguinte!! (in Eccomics, Éditions Syllepse, 1991)

Decorreu até há pouco uma vigília de militares, junto de S. Bento.
Ao longo da semana, os Estados-Maiores dos vários ramos foram proibindo a participação aos militares no activo, com o argumento do carácter sindical da coisa - argumento tão anacrónico como a lei de excepção que, passados 32 anos sobre o 25 de Novembro e 33 sobre o 25 de Abril, lhe continua a servir de base, apesar das suas evidentes inconstitucionalidades.
Tão esticada foi, desta vez, a interpretação da lei (e, em rigor, ilegal naquilo que era proibido) que o Tribunal Administrativo de Lisboa veio, hoje, dar razão aos que convocaram o protesto.

Infelizmente, temo que isso não impeça as altas hierarquias militares de decretarem mais umas tantas detenções (numa outra particularidade do direito militar, a possibilidade de punir com privações de liberdade sem julgamento), mesmo que correndo o risco de, depois, serem desautorizadas pelos tribunais.
Temo também que não impeça Miguel Sousa Tavares de voltar a dizer na televisão, com a jactância dos ignorantes, que isso de reivindicações de militares são coisas terceiro-mundistas.

Tudo indica, enfim, que o desenrolar dos acontecimentos me obrigue a voltar a este tema, de forma mais aprofundada que este desabafo.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

3 (ou 4) pombos na varanda

Detesto pombos.
Bem sei que alguns tipos (ou todos) têm um GPS particular que é uma maravilha da evolução, que ficam muito jeitosos a voar às dezenas ou centenas à volta das malfadadas velhinhas que os alimentam nos jardins, que os machos fazem um belo efeito lúbrico ao arrastarem as penas do traseiro pelo chão, quando tentam convencer as fêmeas mais renitentes.
Mas a sua imagem de marca, para mim, são as inúmeras doenças que transportam e os ácidos cócós que inevitavelmente soltam sobre a roupa estendida e sobre a janela do meu escritório, fosse qual fosse a casa lisboeta em que tenha vivido.
Confesso-me entusiástico apoiante do controle de natalidade desses ratos voadores e, mesmo, que me cheguei a informar acerca do tal de trigo roxo - que talvez nunca tenha usado por medo de suscitar algum pânico relacionado com a gripe das aves.
Eu, que adoro animais e até mantenho uma relação afectiva duradoura com um cágado que dá pelo nome, tenho de facto um problema com esses bichos.

Eis senão quando me surge um e depois dois ovos plantados na varanda, dentro de um vaso que a minha senhora tinha ali deixado, para abrigar sementes bravias que andassem pelo ar.
Em vez de plantas sem-abrigo, tenho agora ovos de rato voador e duas pombas (ou um casal, mas duvido) que se revezam a chocar os ditos cujos.
Rapidamente nos habituámos a fechar a portada respectiva para não espantar os bichos e, quais padrinhos, vamos cuidadosamente espreitando, de vez em quando, para ver se tudo está bem. Ontem, até houve quem ficasse de atalaia, porque uma gaivota nos rondava a varanda!
Entretanto, as pombas já nos olham com a desfaçatez da foto em baixo, continuando nas suas sete quintas, sempre que damos uma espreitadinha.

Cada vez mais me convenço. A reprodução é um golpe baixo da natureza.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Paulo Langa – 1976/2007

Paulo Langa parecia ainda mais novo do que era. Talvez ajudasse a essa impressão a sua permanente curiosidade que, por exemplo, o fazia meter conversa acerca de assuntos de antropologia e epistemologia, com um ar de juvenil urgência, sempre que me encontrava. E, durante a minha última estada em Moçambique, isso acabou por acontecer muitas vezes.
Bastante alto e magro, fui-me habituando tanto a essas suas características que tiveram que ser os colegas mais novos, do Departamento de Antropologia da UEM, a alertar-me para a sua crescente magreza. As suas chamadas de atenção para que ele procurasse apoio médico parecem, no entanto, ter chegado tarde de mais.
Nunca foi meu assistente – coisa que, aliás, me pediu que acontecesse na minha próxima ida a Maputo - mas, apesar disso, tivemos um longo caminho comum.
Como todos os antropólogos formados na UEM, foi meu aluno e, numa das cadeiras em que isso aconteceu, apresentou um trabalho de elevada qualidade, citado no artigo que aqui afixei em 18 de Fevereiro– um artigo que, de forma perturbante, dediquei a um irmão que tinha acabado de falecer.
Mais tarde, fui orientador da sua tese de licenciatura, acerca de um caso muito interessante de efeitos perversos de um projecto de ONG internacional. Também esse seu trabalho, para além do prazer que nos deu a discutir durante a sua feitura, veio a ser premiado com uma nota elevada.
Procurarei sintetizá-lo em artigo, para que seja tornado público, como merece.

Lido mal com a morte.
Sobretudo com a morte de um homem de 31 anos que, há poucas semanas, se entusiasmava com a perspectiva de, avançando para mestrado, poder fazer pesquisa fora da lógica das consultorias. E que se preparava para o fazer.
Um ex-aluno não é, obviamente, como um filho. Mas, tal como a raposa da nossa infância tardia, é difícil não nos sentirmos responsáveis por aqueles que cativámos.