quinta-feira, 30 de junho de 2011

Não necessariamente

Perante a avalanche de desgraças e despautérios hoje anunciada na casa da democracia, que tal juntar meia dúzia de maduros que percebam de direito com outros tantos criativos, para esgalhar acções de resistência civil que passem por não-pagamentos ao estado e a empresas a privatizar e que, por mais que o governo amarinhe pelas paredes acima, sejam juridicamente intocáveis?

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Identidades, peles e crianças racialmente daltónicas

À conta da resposta a um comentário neste post, acabei por me estender mais do que esperava, mas de uma forma que poderá interessar a alguns de vós.
Aqui fica:

«As classificações (das pessoas e de tudo o que nos rodeia) constroem-se e transmitem-se enfatizando algumas características daquilo que se classifica e não dando atenção a outras. Sem isso não se poderia dizer "cão" ou "pessoa", pois são todos diferentes.
Quando a classificação faz parte da construção de identidades, individuais ou colectivas, esse processo de enfatização de umas características e de "irrelevantização" de outras segue dois vectores necessários para se poder traçar a fronteira entre "nós" e os "outros", que serve de base a uma identidade: é necessário postular (de forma que se torne minimamente consensual) um conjunto de características "comuns" que sejam "nossas", e um conjunto de características "diferentes" que sejam dos outros.

As características seleccionadas podem ser muito distintas, conforme a fronteira identitária que se pretende traçar; mas tem sempre que haver uma enfatização de umas e um fechar dos olhos a outras e alguma aceitação colectiva da sua relevância, para que a identidade resultante possa ser partilhada.

O tom de pele é uma caractérística entre muitas outras de qualquer ser humano, e como tal pode ser enfatizada, subestimada ou ignorada, tanto no processo de classificação como no de percepção (se é que os podemos distinguir para lá de um nível meramente abstracto). Só se torna mais relevante, em termos cognitivos e representacionais, do que o tamanho do dedo grande do pé a partir do momento em que se torne pertinente para estabelecer uma diferenciação, e que a pessoa se aperceba de que essa característica diferenciadora é pertinente para os outros.
Por outras palavras, a diferença de tom de pele, por muito que pareça "meter-se pelos olhos dentro", tem que ser aprendida para que se lhe dê atenção.

Devido a isso e à vivência na minha própria casa, não tenho dúvidas em sustentar que as crianças são racialmente "daltónicas" até que estímulos exteriores (que podem, é verdade, ser muito precoces) as ensinem a ver a cor da pele, quando a olham.

Isto, apesar do turbilhão classificatório e identitário em que as crianças pequenas vivem.
Porque quando chamam (ou para que chamem) a outra "gorda", "feia" ou "preta", essas classificações têm que ter sido aprendidas a montante e ser objecto de negociação social.
Ser "gordo" é uma qualificação quantitativa e ser "feio" é qualitativa. Mas em ambas foi necessário aprender a relevância (quanto mais não seja, enquanto insulto) e ambas necessitam de suscitar consenso exterior, pois a sansão, ao chamar-se "gordo" ou "feio" a quem os interlocutores achem "magro" ou "bonito" é o ridículo.»

Género, sexualidade e práticas vaginais



Uma palestra que promete, na próxima 2ª feira.

sábado, 25 de junho de 2011

Toda a nudez será castigada

Amanhã, lá terá a minha filhosca que vestir um calçãozito. E eu.

Sim, que há prioridades civilizacionais, que diabo!

Está bem que podemos fazer e ver guerras e homicídios brutais ao jantar, empurrar países para a bancarrota para recapitalizar os "nossos" bancos, condenar milhões de pessoas ao desemprego e à miséria, matar outras tantas à fome, havendo comida.

Mas já
as descascadices são umas coisas obscenas que atentam contra o pudor...

(PS: 3º parágrafo acrescentado a pedido de uma pessoa que me é cara, temendo ela que, sem esse acrescento, a brutalidade da foto não falasse por ele.)

Beleza

Flying in a motorized paraglider over one of the most diverse continents in the world, George Steinmetz captures in his photographs the stunning beauty, potential and hope of Africa's landscapes and people. See the project at http://mediastorm.com/publication/african-air

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Citações de café (33)

As coincidências são coisas lixadas.

Primeiro, levava hoje a cadela ao passeio higiénico quando vi chegar, à esplanada de café por onde passava, a mesma criança angolana que havia sido trazida há décadas para Portugal e que, numa reportagem televisiva, tinha visto minutos antes ser levada de visita a Angola, conhecer a sua família biológica.

Logo de seguida, eu (que passo a vida a citar o caso das aldeias perto de Alcácer do Sal onde os vizinhos dos descendentes de escravos dos arrozais não conseguem descortinar-lhes traços africanos, embora reconheçam imediatamente como "mulatos" os forasteiros que os tenham de forma muito menos evidente), ouvi esta frase que lhe era dirigida:

- Mas o preto era muito parecido contigo. Era mesmo teu irmão?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Mudanças que mudem

Nos últimos tempos, tenho-me lembrado muito deste post do João Feijó:

- (jornalista) O que queria que acontecesse depois das eleições?
- (vendedora de rua) Queria que houvesse paz, que não houvesse guerra. Que houvesse emprego. Queria que houvesse mudanças.
- (jornalista) Que mudanças queria que houvessem?
- (vendedora) Queria que as mudanças mudassem.

A não ser que prefiram o pic nic do Continente...


No sábado discute-se sindicalismo, contra a escalada neoliberal.

O programa é este:




O manifesto que serviu de ponto de partida a este seminário está disponível aqui.

A gente vê-se por lá?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

E não é que o Beijo de Mulata ainda não estava nos links?

À conta de um comentário, descobri que afinal não tinha ainda o Beijo de Mulata aí na lista de links.
Ele há com cada uma...

Olhem: vão lá ver, que não se arrependem.

domingo, 5 de junho de 2011

«Esta coisa das eleições tem porras...»

No distrito de Santarém, onde passei alguns anos da minha vida, um dos melhores deputados do anterior parlamento, o Zé Guilherme Gusmão (BE), acabou por não ser re-eleito.

Como se diz por lá, «esta coisa das eleições tem porras...».
Mesmo quando a injustiça é flagrante.

Vá lá que, ao fechar da contagem, um outro de entre esses melhores, o Tó Filipe (PCP), conseguiu os votos necessários.
Não se perdeu tudo, só uma óptima metade.



Para ambos, um abraço bem apertado e amigo.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Manifesto Contra a Escalada Neoliberal, Por Uma Nova Agenda Sindical


«Na última década, no quadro das novas condições da globalização, o capital multinacional e os governos neoliberais desencadearam uma nova fase de liberalização, de privatizações, de ataques sistemáticos ao Estado Social e aos direitos dos cidadãos e dos trabalhadores. Na Europa, boa parte das medidas anti-sociais e anti-laborais foi justificada em nome dos critérios de convergência para a moeda única e em nome da defesa da estabilidade financeira da zona euro.
A crise financeira global que emergiu em 2007-2008, em vez de constituir uma oportunidade para os governos e instâncias supranacionais repensarem os tremendos riscos sociais e políticos do liberalismo de mercado, introduzindo mecanismos de regulação e reorientação das políticas económicas, teve um resultado bem diferente. Com efeito, os Estados acorreram a salvar os sistemas financeiros, injectando somas colossais, sem lhes fazer exigências ou introduzir penalizações. Não impondo a regulação que se impunha, colocaram-se à mercê dos mercados financeiros, da sua voracidade e das suas condições de financiamento, que penalizam dramaticamente os países em situação mais frágil.
As instâncias da União Europeia tremeram pelo Euro e sucumbiram à chantagem fazendo suas as condições das instituições financeiras. As regras da zona Euro quanto ao controlo do défice e da divida têm vindo a constituir o pretexto para propostas de políticas que visam cumprir integralmente a agenda neoliberal, salvaguardando os interesses dos ricos e poderosos e penalizando brutalmente os trabalhadores e demais cidadãos. No quadro da escalada da crise, em 2010, a UE reforçou os constrangimentos e pressões sobre os estados membros, processo que se acentuou recentemente com a cimeira do Conselho Europeu de 24 e 25 Março.

Os países do sul da Europa (Espanha, Grécia e Portugal) e a Irlanda incluídos na zona Euro, têm sofrido as consequências da tripla pressão FMI/Agências privadas de rating/ União Económica Monetária, levando ao corte dos salários dos trabalhadores do sector público, ao corte do investimento público no sector produtivo, a novas privatizações, à redução da protecção social, incluindo o congelamento ou diminuição das pensões e benefícios sociais e a multiplicação das restrições ao seu acesso, bem como a limitação dos subsídios de desemprego e a facilitação dos despedimentos.

As consequências desta tripla pressão são dramáticas, visto que põem em causa o Estado Social e os direitos laborais duramente alcançados, promovendo a desigualdade e a exclusão social e, em vez de promoverem o crescimento e o desenvolvimento económico, aprofundam a crise económica através de uma política fortemente recessiva. No plano político, fragilizam-se as bases da democracia e do exercício da cidadania, enfraquecendo também o poder de decisão dos parlamentos nacionais.

Na Europa, em muitos países, os trabalhadores e demais cidadãos, os sindicatos e variadas organizações da sociedade civil, têm vindo a reagir fortemente contra as políticas de austeridade, com greves gerais, manifestações e outras formas de contestação, incluindo a adesão às iniciativas de protesto da Confederação Europeia dos Sindicatos. Em Portugal, os trabalhadores do sector público e do sector privado, os precários e não precários, têm vindo a exigir uma viragem nas políticas nacionais e europeias. Em Portugal, a greve geral do sector público e privado de 24 de Novembro de 2010, juntando a CGTP e a UGT, constituiu uma resposta unitária massiva aos planos de austeridade dos vários PECs e do Orçamento para 2011. A manifestação de 19 Março de 2011 promovida pela CGTP contra o mais recente PEC 4 insere-se também neste movimento. A extraordinária mobilização do 12 de Março, ao apelo dos jovens, mostrou a quem tinha dúvidas a profunda vontade de mudança no sentido da justiça social.

Os sindicatos estão numa situação crítica sem precedentes, em Portugal e na Europa, confrontados com sucessivos planos de austeridade que representam um verdadeiro retrocesso social. Simultaneamente são atacados como estruturas corporativas que defenderiam interesses instalados ou como obstáculos ao livre funcionamento do mercado de trabalho. São acusados de pactuar com o desemprego quando defendem a estabilidade do vínculo laboral. São acusados de aprofundar a crise quando defendem salários decentes e o Estado Social. São pressionados a aceitar mais e mais flexibilidade e insegurança. Em suma, são pressionados a deixar de desempenhar o seu papel como sindicatos.

Nas últimas duas décadas os sindicatos definiram em grande medida as suas estratégias e práticas numa lógica defensiva face à agenda liberal. A crise actual e o que se anuncia exige uma profunda reflexão, ancorada é certo nas aquisições da experiencia sindical passada, mas capaz de promover novas agendas, estratégias e práticas que reforcem a capacidade dos sindicatos de influenciar realmente os acontecimentos.

É fundamental reter uma lição da experiência acumulada: a construção da capacidade de mobilização dos trabalhadores e de inscrição na sua vida colectiva é uma fonte essencial do seu poder de negociação e do seu poder de alcançar resultados. À deriva burocrática e rotineira, é preciso responder com o reforço da democracia interna e com a ampla discussão envolvendo a base. Ao fechamento dos sindicatos é preciso responder com a abertura e diálogo com outras organizações e associações da sociedade civil, criando sinergias e potenciando a acção comum efectiva. A relação dos sindicatos com os partidos políticos, que foi sendo historicamente uma constante do movimento dos trabalhadores, tem de ser repensada, reforçando a autonomia e independência dos sindicatos, mas permitindo a acção conjunta quando a natureza transversal do combate político e social o exigir.

A reflexão impõe-se para uma acção esclarecida e coordenada a nível nacional e europeu. E certamente também no plano internacional. Com o desmantelamento dos direitos sociais e laborais na Europa não é só a Europa e os países que dela fazem parte que têm a perder. A sua defesa na Europa é um capital de esperança para os trabalhadores e cidadãos de todo o mundo, incluindo nos países onde milhares e milhares de trabalhadores ingressando agora nas empresas industriais subcontratadas ou deslocalizadas da Ásia começam a fazer as primeiras experiências de acção colectiva, ainda sem sindicatos livres e independentes.

Nós, sindicalistas, cidadãos envolvidos em diferentes organizações e movimentos sociais, e cientistas sociais, decidimos tomar em mãos algumas iniciativas para contribuir para esta reflexão urgente, porque sentimos que é exigido o concurso de todos e a partilha de experiências e pontos de vista para aprofundar o diagnóstico, encontrar respostas e formular acções, no quadro da liberdade de expressão discussão. Este manifesto é o nosso ponto de partida.»

Seguem-se 60 signatários - sindicalistas, activistas dos movimentos sociais e investigadores.
Um deles sou eu.

O debate continua dia 18.