quinta-feira, 31 de julho de 2008

Será uma geminação com Bazaruto?

Tenho estado fora e vou estar mais uns dias.
Entretanto, numa voltinha rápida pela net, fiquei a saber que o presidente do Dia da Raça vai interromper as suas férias para dirigir ao país, pela televisão, uma comunicação da mais alta importância nacional.
Sobre o quê? Não diz.

Suspense, suspense!
Não estivesse eu a uns bons milhares de quilómetros de distância e fora de casa à hora da falação, ser-me-ia impossível aguentar o correr deste dia de incerteza acerca do tabuzinho.

Os jornais especulam.
Irá comentar o veto do Tribunal Constitucional ao estatuto dos Açores?
Quererá o homem vetar, em nome dos honorários dos advogados e dos saudáveis valores das famílias onde ninguém se atura uns aos outros, a nova legislação que facilita os procedimentos de divórcio por comum acordo?

Cá para mim, trata-se de algo muito mais substancial.
Acho que ele vai é anunciar uma geminação entre a Vivenda Mariani e a ilha do Bazaruto.

sábado, 26 de julho de 2008

Combate à insegurança ou à imigração?

Em Portugal, a Autoridade para as Condições de Trabalho divulgou, orgulhosa, que suspendeu 1.027 obras de construção civil no primeiro semestre deste ano, tendo detectado situações irregulares de segurança laboral, pagamentos à Segurança Social e imigrantes ilegais não declarados.

Há muitas e boas razões para se estar atento às condições de trabalho na construção civil.
Esse sector é, todos os anos, o recordista nacional de acidentes mortais e de dias de baixa resultantes de acidentes, mesmo sem contar com tudo o que não é contabilizado devido a situações irregulares. E a sangria continua calmamente, de ano para ano.
Toda a inspecção e pressão para que isto se altere é, por isso, benvinda.

O que estranho é que o combate ao perigo laboral só esteja a ser feito aí.
Um levantamento nacional de higiene e segurança no trabalho, de que fui relator há já 15 anos, dava conta de um panorama assustador nas empresas com actividades consideradas mais perigosas (há alguns dados aqui, na nota 2 da página 19).
O estudo é do conhecimento da União Europeia (que o pagou) e das autoridades portuguesas, mas pouco foi feito desde então, até ao nível do mero cumprimento das regras impostas pela legislação, em muitos casos insuficiente. Até a empresa mais respeitadora dessas regras legais que conheço, a Petrogal, deixa algumas por cumprir.

Por isso, a estranheza e a pergunta:
Sabendo-se que a construção civil é, a par da hotelaria, um dos principais sectores de entrada de imigrantes no mercado de trabalho, o que é que se pretende combater através deste centramento de meios e de esforços, em detrimento de outras actividades tão ou mais perigosas? A insegurança laboral, ou a imigração?

Surf & Turf (tornedó) à alentejano em África

Moçambique tem o melhor camarão que conheço e chega-lhe, da "terra dos cunhados", óptima carne bovina. Duas boas razões para este prato, numa ocasião mais especial e em que a carteira não esteja de dieta.

Cozinhem-se 2 camarões king por pessoa, seguindo a receita do camarão à pai (camarão à antropólogo sem piri-piri).
Prepare-se, apenas em água e sal, um pouco de bucatini ou de perciateli (aqueles esparguetes grossos que têm um furo no interior).
Corte-se, transversalmente à peça de carne, um medalhão generoso de fillet mignon por pessoa e frite-se em margarina, com sal e muitos dentes de alho, cortados longitudinalmente a meio. A carne nunca deverá ficar bem passada, mas tão pouco em sangue.

Sirva-se individualmente em pratos grandes.
No centro, o fillet, rodeado por alguns alhos e por um pouco de massa, disposta circularmente. Sobre esta, deite-se um fio do molho dos camarões - que deverão ser colocados um sobre a carne e outro sobre a massa.
Na borda do prato, coloque-se um bom pedaço de folha de alface e, sobre ela, folhas de rucola, agrião e coentros, encimadas por 3 tomates daqueles redondos e pequeninos. Tempere-se com sal, limão e azeite.
No lado oposto do prato, deite-se uma gota generosa de molho de ostra.

Sugiro que sirvam antes um consommé de agrião.

Adivinhem quem serão os primeiros convidados a comer isto lá em casa, quando voltar a Lisboa.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

HIV cada vez mais doença crónica

Já há mais de 10 anos que ouço médicos especialistas dessa matéria a defenderem que a infecção com HIV, causadora do SIDA (AIDS, no Brasil), deve ser considerada uma doença crónica em termos legais e terapêuticos, e não uma doença aguda, fulminante e terminal.
Essa posição tinha a ver com a capacidade de controlo da infecção ao longo do tempo e com o aumento da esperança de vida dos doentes decorrentes da terapêutica tríplice, que veio substituir a mera administração de AZT.

Sabe-se agora que a esperança de vida dos doentes aumentou muito desde então (mais 13 anos do que em 1996/1999).
Essa melhoria parece ter a ver com desenvolvimentos nos medicamentos e na sua forma de administração.
Há 10 anos, era impressionante ver criancinhas seropositivas a "treinarem" a ingestão de comprimidos (inertes) cada vez maiores, até conseguirem engolir coisas com o enorme tamanho dos comprimidos "a sério" - que, por vezes, chegavam a ter que tomar 20 vezes por dia. Agora, dizem, tudo se reduz a um comprimido diário e o desconforto causado pela medicação diminuiu muito. O que diminui também muito a quantidade de doentes que desistem do tratamento.

Infelizmente, estas boas notícias só valem para os países onde a disponibilidade do tratamento é generalizada e custeada pelo Estado, ou para quem tenha o (muito) dinheiro para o pagar do seu bolso.
O que recoloca a questão de decisões como a do Brasil, quanto ao pagamento de patentes no caso de doenças como esta.

Não podemos, entretanto, esquecer que muito mais poderia ser feito e não é, por incúria e/ou alegando "particularismos culturais" que nem sequer se conhecem.

Por exemplo, sabe-se também há mais de 10 anos que a percentagem de transmissão do HIV das grávidas para o bébés desce drásticamente quando se faz o parto por cesariana e quando a criança não é amamentada com leite da mãe.
É verdade que em países como Moçambique a disponibilidade de obstectras é limitada, em número e no território. Mas, por causa disso, não vale a pena adoptar esse cuidado com o parto, nos locais onde eles existem?
É verdade que leite em pó custa dinheiro. Mas é mais caro do que os anti-retrovirais, e do que o custo social e humano de ter quase o dobro de crianças seropositivas?

Mas também com os países mais pobres poderiam os ricos aprender.

Se a chamada batata africana é a base das terapêuticas "tradicionais" na África austral e efectivamente melhora a qualidade de vida e a longevidade dos seropositivos, e se foi já testado que ela não tem efeito anti-retroviral mas é um potente tónico do sistema imunitário, porque não juntá-la numa terapêutica "quádriplice"?
Haveria certamente vantagens para os doentes, por esse mundo fora. E, dos lados de cá, isso seria uma óptima legitimação moral para opções "à brasileira".


Adenda: Já agora, quem tiver interesse na questão do uso inconsistente do preservativo, suas razões e contradição com o discurso epidemiológico, dê uma vista de olhos neste artigo do Emídio Gune, publicado no último número da Análise Social, dedicado a Moçambique.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Médicos suficientes são de mais...

Finalmente, vai entrar em funcionamento, no meu cantinho à beira mar plantado, um curso de medicina destinado a pessoas já licenciadas noutras áreas de saúde - permitindo um currículo mais curto e uma formação mais rápida, devido aos conhecimentos que já possuem.

É justo, trivial e necessário.
Como tantos outros países, Portugal tem um deficit crónico de pessoal de saúde, "justificativo" (ou possibilitador) de serviços públicos frequentemente medíocres e do pulular de medicina privada a preços proibitivos, quantas vezes com os mesmos médicos que chegam tarde e cumprem a correr os seus deveres nos hospitais.

Claro que há muitíssimos médicos extremamente conscienciosos no serviço público, capazes de milagres de eficiência no seu trabalho e no das suas equipas.
Mas o ethos profissional de impunidade, sobranceria, relaxe e mercenarização deve muito ao tal deficit crónico, mantido artificialmente pelas estruturas corporativas e pelas corporativas decisões das faculdades, na restrição do número de vagas.
Afinal, os médicos perceberam essa história da oferta e da procura e há décadas que a gerem com mestria.

Não é, por isso, muito surpreendente que o principal comentário do bastonário da Ordem dos Médicos seja de preocupação com o aumento do número de vagas.
Por essas razões económicas e de poder, ter médicos que cheguem é, para esta gente, excessivo.

E eu diria que isto é socialmente obsceno.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Curandeiros(as) teenagers

E por falar em teenagers:

Há mais de um ano que conheço o Pedro Cossa (na foto), mas sempre pensei que fosse mocinho aí para a minha idade.
Afinal, fiquei ontem a saber que é 8 anos mais novo e que teve a doença do chamamento aos 14 anos. Aos 17, tinha acabado o curso e era já curandeiro.

Acontece. Mas surpreendeu-me mais saber que, quando ele chegou ao quintal da sua mestra para começar a aprender, havia uma miúda de 10 anos a exercer já a profissão.
E mais ainda que, hoje em dia, se tornou bastante frequente encontrar crianças de 10, 12 ou 14 anos a acabarem o curso.

Para quem não saiba, essa profissão é suposto implicar uma possessão por espíritos a que se torne inadiável dar resposta e, por outro lado, só cerca de 1/5 dos assuntos que os curandeiros urbanos atendem têm a ver com questões de saúde. O resto são problemas familiares ou sociais - que não se coadunam muito com veredictos de crianças, quanto à sua resolução.

Nem o Pedro nem eu encontramos razões plausíveis para esta infantilização da entrada na profissão de curandeiro(a). Alguém tem uma dica pertinente?

A música não é lá dessas coisas, mas dá para curtir

Sem acesso ao Blogger, fui dar uma voltinha e descobri este videoclip, no estaminé do Miguel Portas.

De seu nome Gorby save hot girls from Stalin zombies, é de partir o coco, mesmo para quem não tenha visto, com 18 anitos, jovens dirigentes do Komsomol Leninista, para aí com a minha actual idade, a "darem em cima" de miúdas de 16, que ficavam cheias de frissom com a situação.
(Afinal, nada que eu não tenha visto aqui, entre homens mais velhos que isso e míudas ainda mais novas. Mas, em Maputo, a "cultura" tem as costas mais largas...)

Para além disso, dá para descobrir insuspeitadas semelhanças entre o Gorbachov e o Schwarzenegger (é assim que se escreve?).
Vão ver. Vale a pena.

Citações de café (11)

FILANTROPIA Séc. XXI

Na mesa ao lado, discutiam-se hoje pormenores de um qualquer projecto de desenvolvimento.

- And it will not be a problem, the extra car and the extra fuel, if we do it that way?

- No. This project will make huge profit. It will be our major source of income, this year and the next.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Muitos mais, Madiba

Sabia que o 90º aniversário de Nelson Mandela estava aí a rebentar, mas afinal é hoje.

Igual a si próprio, aproveitou a ocasião para chamar a atenção para a pobreza e a desigualdade social que marcam a África do Sul, a grande potência económica deste continente.

Quando, para as elites políticas, é motivo suficiente de satisfação que uns milhares de "negros" tenham ascendido a lugares de destaque e comando (esquecendo, ao olhar de cima, os muitíssimos milhões para quem a miséria não mudou), é importante que as vozes mais respeitadas lembrem que isso não basta.

A de "Madiba" é a mais respeitada (e a mais amada), por muitas e boas razões.
É, a menos que me apontem mais alguém, a única figura política consensual e mundialmente respeitada - pelo que fez como resistente, como governante e ao sair do poder.

Infelizmente, não há ninguém que possamos ter connosco para sempre. Quanto mais não seja, para ouvirmos dizer coisas como as que ele hoje disse.
Mas podemos sempre desejar "Muitos mais anos, Madiba!"

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Santa meretriz de paciência!

O nosso primeiro, que por sinal até dizem que foi Ministro do Ambiente, afirmou, ao assinar um acordo acerca da produção em Portugal de automóveis eléctricos a partir de 2010, que o governo iria estudar um modelo fiscal para permitir que eles possam pagar menos do actual imposto automóvel.
Ufano, acrescentou que "Se um carro eléctrico já existisse actualmente, apenas pagaria 30 por cento do imposto automóvel, já que este imposto tem em 70 por cento uma componente ambiental."

Acontece que são 60%, mas isso são peanuts.
Acontece sobretudo que, pela legislação actual, os "veículos exclusivamente eléctricos ou movidos a energias renováveis não combustíveis" estão já isentos de Imposto Sobre Veículos e de Imposto de Circulação.

Será que o nosso primeiro e o seu staff são ignorantes e incompetentes, ou será que os querem pôr a pagar imposto?
Segundo o gabinete do primeiro-ministro disse à Lusa, trata-se da primeira hipótese, pois garantiram que os veículos eléctricos "não pagam nem passarão a pagar" imposto e que, pelo contrário, "o Governo está empenhado em criar um regime fiscal ainda mais favorável para os veículos eléctricos".

Mais favorável que zero, nos impostos especificamente automóveis, só se diminuirem o IVA e/ou derem direito a dedução no IRS, não é?
Retenham, por isso, estes 2 dados:

- se vos quiserem fazer pagar imposto sobre automóveis eléctricos, quando eles de facto estiverem à venda, quer dizer que estão a abusar de vocês, que pioraram a legislação e que vos mentiram.

- se não tiverem, nas mesmas circunstâncias, vantagens no IVA e/ou IRS, quer dizer que vos mentiram, para tentar tapar uma "calinada".

A ver vamos.
Até lá, haja santa meretriz de paciência...

Molhas no Índico

Tenho realmente imenso para escrever por aqui.
Para além de outros temas, a actualização dos comentários no «Risco» em Debate e o post-forum sobre Lobolo que há muito prometi à Samya...
Infelizmente, o tempo parece estar a encolher, enquanto engorda o meu cansaço ao fim do dia.

No entanto, passei pelo Digital no Índico e fiquei com a vontade de partilhar convosco estas duas fotos, da maior molha que me lembro de ter apanhado em trabalho de campo.
Foi numa travessia de barco entre Maxixe e Inhambane, há uns tempos atrás. Uma imensidão de tempo a apanhar com chuva, sem haver como fugir, até já não interessar que ela caísse, pois já nada mais havia para encharcar.

Salvaram-se as imagens.
Espero que gostem. Os textos voltam logo que possa.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Falocracia abstémia

Numa aberta de acesso à internet que espero venha a durar mais do que a anterior, fiquei a saber que a igreja anglicana aprovou a consagração de mulheres como bispos (as sacerdotes há muito deixaram de ser novidade) e que essa decisão é considerada pelo Vaticano um entrave ao diálogo.

A imposição do celibato aos sacerdotes católicos, já se sabe, é uma invenção tardia de alguém que levou mais a sério do que devia a sexofobia do S. Paulo.
Que seja horroroso imaginar uma mulher sacerdote e, mais ainda, bispo, tem como argumento, segundo o artigo, que Cristo só escolheu homens como apóstolos.

Já ouvi desculpas menos esfarrapadas, mesmo num papa com a lata de incluir as desigualdades sociais na lista de pecados, depois de ter alcançado o poder, em grande medida, com a repressão sistemática da Teologia da Libertação.

Só não percebo é porque razão, sendo a questão "fracturante" a ordenação de mulheres e sendo estas já ordenadas há muito, se torna um "entrave ao diálogo" que elas possam ser bispos...

Bem sei que no princípio do séc. XX as mulheres não votavam, e que só há pouco acederam a posições de comando em (alguns) exércitos.
Mas... Vamos lá: deixem-se de tretas e assumam-se como uma oligarquia de falocratas supostamente abstémios. É patético, mas um pouco mais respeitável.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Parabéns a nós (atrasados)

Acordei dia 2 sem internet e só há pouco voltou.
Vai por isso dois dias atrasado o "parabéns a nós" para o Daniel, o Flávio e o César.

*****

Entretanto, fiquei a saber pelo Notícias de ontem que os habitantes do bairro Luís Cabral, aqui por Maputo, me deram uma prenda de anos.
Um ladrão que já estava amarrado e com um pneu à volta do pescoço acabou por ser entregue à polícia, porque nenhuma das pessoas que o prenderam teve coragem para, pessoalmente, lhe deitar fogo. Entretanto, um grupo de idosos conseguiu apelar à calma.
Obrigado a todos.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Directiva do retorno

Este post vem muito atrasado.
Julgo que pelo nojo e cansaço que este novo episódio da telenovela me suscita - da mesma forma que, ontem, me cruzei com o sul-africano Sunday Times e não o comprei, apesar (ou por causa?) dos títulos «Mbeki volta a levantar o polegar para Mugabe» e «Mugabe avisa os outros líderes africanos para que não lhe apontem o dedo».
Alinhavo-o agora, devido ao e-mail que recebi de uma amiga, com este mordaz cartoon a reboque.

Esta Directiva do Retorno traz novas obscenidades.
A maior de todas, creio, a incrível possibilidade de se deter alguém até 18 meses pela ousadia de ter tentado viver na "nossa" terra.
Mas, desculpem-me, é apenas mais um passo na obscena visão que de si tem a Europa "direitinhas", mesmo que com governos que exibem simbologias "de esquerda".

Porque, desculpem-me de novo, obscena é já, para mim, a própria ideia de negar a alguém a circulação pelo mundo. Os vistos. As fronteiras barradas. Os pequenos ditadorzinhos do carimbo. Em qualquer fronteira e em qualquer país.
Aceito que um estado negue entrada a criminosos e apenas a esses. Mesmo aí, contudo, tenho orgulho em que a Constituição lá da "minha" terra proíba o repatriamento de acusados por crimes que, lá na terra "deles", permitam pena de morte ou prisão perpétua.

É por essas águas que navego.
E, por isso, também não reconheço no bisavô de ninguém um cartão de entrada - tal como, noutros sítios, uma razão para negar entradas.
O cartão de entrada, inalienável, é a meus olhos a simples condição de ser humano.

Mas lá que o cartoon está bem esgalhado, lá isso está.
Mesmo que se seja um africano, como tantos e tantos existem, descendente de esclavagistas e não de escravos.