quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Citações de café (28)

(conversa no café da esquina, acerca da notícia de que, se for eleito, Manuel Alegre só cumprirá um mandato)


- Então mas o gajo só quer ser para dizer que foi?

- Não pá! Então não te lembras quando eras chavalo e dizias às míudas "Deixa lá... Eu só meto a cabecinha."?

Insurreição dos pregos II

Um dos problemas de já termos visto passar os 40 anos e de mantermos no "disco rígido" uma quantidade enorme de memórias aparentemente inúteis é que, de vez em quando, nos lembramos de coisas que mais valeria esquecer, a bem da nossa errática auto-estima colectiva e dos nosso respeitinho pela "autoridade" e "pelas figuras públicas".

É o caso, no longínquo dia da primeira Greve Geral realizada em Portugal, da aparição televisiva do então Ministro da Administração Interna e actual guru Ângelo Correia, denunciando uma situação de "insurreição iminente", cuja principal prova era a intercepção, pela polícia, de um automóvel transportando uma caixa com pregos, certamente destinados a furar pneus e criar o caos no país.
Se os mais maduros (ou, conforme a perspectiva, os mais próximos do prazo de validade) puxarem pelo bestunto, talvez se lembrem do gozo que na altura se espalhou, acerca da logo apelidada "Insurreição dos Pregos".

Foi essa anti-patriótica e anarquizante memória que hoje me assaltou, ao ler neste jornal que um perigoso casal foi detido na fronteira na posse de panfletos anarquistas contra as forças policiais (descritas, pasme-se, como "chulos e prepotentes" e que "torturam, maltratam, matam e ficam impunes"), para além de um arsenal de armas brancas composto por um estilete, uma navalha e uma "catana de 40 centímetros".
(O que entre outras coisas prova, como verificarão os leitores africanos, que as catanas encolhem com o frio, ao chegarem a climas europeus.)

E dei comigo a perguntar:
Será que notícias destas são o custo de se ter o mais conspícuo ex-chefe da secreta a exercer as funções de Ministro da Administração Interna?

Mas uma outra dúvida existencial me assalta:
Escrevia o velho das barbas que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.
Mas, se a primeira já era farsa, o que é que o seu remake nos reserva?

sábado, 6 de novembro de 2010

«Produção primeiro, segurança depois»


« Os dois acidentes laborais mais mediáticos dos últimos anos - o derrame do poço petrolífero da British Petroleum (BP) no golfo do México e os célebres 33 mineiros resgatados em San José, no Chile - vieram dar visibilidade, junto do grande público, a um problema que os estudos especializados tendem a ignorar: a frequente subalternização da segurança aos objectivos de produção e ao lucro, na gestão corrente de indústrias perigosas.

Em curioso contraste com o quase silêncio a nível internacional, o assunto tem sido abordado em estudos sobre Portugal e Moçambique, embora nada indique que tal se devesse a algum particularismo local ou cultural. Estas novos acidentes (cujo impacto mundial tornou inevitável a divulgação das suas causas e circunstâncias) vêm demonstrar que, a existir um particularismo, ele não se situa na prática das empresas, mas no olhar que sobre elas é lançado por quem as estuda.

Os acidentes vieram também colocar na ordem do dia interrogações inquietantes. Podemos continuar a considerar um caso pontual cada novo desastre em que a segurança tenha sido subordinada a critérios economicistas, ou estamos perante um padrão sistemático? Que podemos fazer para contrariar essa tendência empresarial, com isso protegendo a vida dos trabalhadores, o meio circundante e as demais pessoas que podem ser afectadas por cada desastre? »

...continue a ler, na página 2 do Monde Diplomatique deste mês

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Livros p'ró Natal


É verdade que ainda é um bocado cedo. Mas, como as coisas andam, não são de perder estas oportunidades - seja para prendas, seja para se levar aquele livro que se namora há uns tempos, mas era carote.

Está a decorrer até dia 19 a já habitual Feira do Livro do Instituto de Ciências Sociais, abrangendo as publicações da Imprensa de Ciências Sociais e os números da revista Análise Social.
Tudo com descontos substanciais, muitas vezes acima dos 50%.

É fartar, vilanagem!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Porque é belo

Estava à espera de uma ocasião qualquer alusiva para vos mostrar este fabuloso conjunto de fotos do Sebastião Salgado, mas não resisto mais.

Aqui fica, por uma única razão - e a mais válida de todas.
Porque é belo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Recusa de Ser Irrelevante, on-line


Para quem isso tenha passado depercebido no post anterior, aqui fica a prometida ligação para o meu artigo "A recusa de ser irrelevante", acerca dos protestos populares de 1 e 2 de Setembro em Maputo, e publicado no número de Outubro do Monde Diplomatique.

Aproveito para vos indicar dois outros textos acerca do assunto, da autoria de Luca Bussoti e de Marílio Wane.
(Obrigado ao Carlos Serra pela sua divulgação)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Jon Stewart p'ra Moçambique, já! (e, já agora, pode dar uma paradinha por aqui...)


Parece que, da mesma forma que um popular da província de Cabo Delgado pedia há uns anos ao então presidente Joaquim Chissano para «importar um monhé, para ser cantineiro», a importação de Jon Stewart para Maputo e Nampula se tornou uma necessidade premente para os moçambicanos.
Neste caso, para organizar uns desses seus comícios de restaurar a sanidade.

Eles já dariam jeito para tentar convencer a Frelimo a lidar de forma mais responsável e racional com as causas e tentativas de solução para os protestos populares de início de Setembro.
Mas tornaram-se ainda mais necessários, agora que uma reunião da cúpula da Renamo decidiu dar 45 dias ao partido governante (ufano dos seus 3/4 de deputados no parlamento) para negociar com ela um governo de transição, que depois decidiria uma data para repetir as eleições gerais (!) …

Diz o Sr. Afonso Dhlakama que essa é a única forma razoável e pacífica de parar «injustiças a mais no país», como a governação por um «partido ilegal», em virtude do «roubo de votos nas urnas». Caso contrário, «será o fim da democracia no país», pois será «obrigado a ser, de facto, belicista como dizem que sou», recorrendo «a manifestações para exigir um governo legal».
A um outro jornal, adiantou que «Se Guebuza quer a manutenção da democracia, deve aceitar esta negociação. Caso não, iremos iniciar com as manifestações que vão paralisar todo o país, à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro nas cidades de Maputo e Matola

Ora, de facto, as últimas eleições moçambicanas foram antecedidas de uma actualização do recenseamento eleitoral em que o material informático (fornecido por um empresário de transportes ligado ao poder) sistemática e misteriosamente falhava e não tinha apoio técnico a norte do rio Save - o que aumentou o número de deputados a eleger nas províncias mais favoráveis è Frelimo, em detrimento das mais desfavoráveios.

É verdade, também, que o emergente partido MDM foi impedido de concorrer na esmagadora maioria das províncias, poupando à Frelimo a perda de 2 deputados e, à Renamo, a perda de mais 7.

É verdade, ainda, que houve assembleias de voto com 112% de votantes e houve centenas de votos (sobretudo no MDM e em Deviz Simango) anulados à dedada por membros das mesas eleitorais, por vezes mesmo à frente de jornalistas.

O que não quer dizer que, mesmo sem estas preocupantes e inaceitáveis trapaças, a Frelimo não vencesse folgadamente na mesma, e a Renamo deixasse de ser a grande derrotada, perdendo votos para toda a gente.

É curioso, também, que as reivindicações concretas avançadas por Dhlakama tenham a ver com a marginalização de oficiais da Renamo nas forças armadas e policiais (num bem real processo de partidarização do Estado, que em muito as transcende), e não com os aspectos de governação que mais afectam a vida das pessoas – isto, se exceptuarmos uma vaga queixa em relação à (também bem real) assimetria de investimento entre o sul e o resto do país.

É sintomático e preocupante, por fim, que o presidente do maior partido da oposição em Moçambique considere que «manifestações para exigir um governo legal» constituam actos próprios de belicistas e «o fim da democracia no país».

Esta incompreensão do papel e espaço democráticos da manifestação e do protesto só é compreensível (mas torna-se, com isso, mais sintomática ainda) em quem considere que «paralizar o país» com manifestações é uma acção insurreccional e um golpe de estado e se propõe a fazê-lo.

Mas isso torna ainda mais ridícula (ou se quisermos, voltando a Jon Stewart, pouco adequada à sanidade) a sua ameaça de mobilizar a população «à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro» - essas, realizadas por pessoas que, estando contra as práticas governativas, não o querem ver nem pintado.

Mas, afinal, talvez nem seja necessário importar o tal homem.
Lembro-me agora da frase de um ferrenho renamista, que muito bem se dava e dá com a paz, quando Dhlakama ameaçou «voltar ao mato», na sequência das eleições de 1999: «Só se ele voltar sózinho!»


PS: o link feito a propósito dos ‘protestos populares do início de Setembro’ vai dar ao meu artigo para o Monde Diplomatique do mês passado, que aqui disponibilizo a quem more no estrangeiro, a quem tenha sido demasiado forreta para comprar o jornal, ou a quem esteja mesmo à rasca com a crise. O Carlos Serra adiantou-se-me na sua divulgação, o que explica o “do not copy” (não liguem a isso) e o meu temor de uma enésima intriga privada ou calúnia pública por parte de um outro bloguista sedeado em Maputo. Enfim… ossos do ofício.