Parece que, da mesma forma que um popular da província de
Cabo Delgado pedia há uns anos ao então presidente
Joaquim Chissano para
«importar um monhé, para ser cantineiro», a importação de
Jon Stewart para
Maputo e
Nampula se tornou uma necessidade premente para os moçambicanos.
Neste caso, para organizar uns desses seus
comícios de restaurar a sanidade.
Eles já dariam jeito para tentar convencer a
Frelimo a lidar de forma mais responsável e racional com as
causas e tentativas de solução para os protestos populares de início de Setembro.
Mas tornaram-se ainda mais necessários, agora que uma reunião da cúpula da
Renamo decidiu dar 45 dias ao partido governante (ufano dos seus 3/4 de deputados no parlamento) para
negociar com ela um governo de transição, que depois decidiria uma data para repetir as eleições gerais (!) …
Diz o Sr.
Afonso Dhlakama que essa é a única forma razoável e pacífica de parar
«injustiças a mais no país», como a governação por um
«partido ilegal», em virtude do
«roubo de votos nas urnas». Caso contrário,
«será o fim da democracia no país», pois será
«obrigado a ser, de facto, belicista como dizem que sou», recorrendo
«a manifestações para exigir um governo legal».
A
um outro jornal, adiantou que
«Se Guebuza quer a manutenção da democracia, deve aceitar esta negociação. Caso não, iremos iniciar com as manifestações que vão paralisar todo o país, à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro nas cidades de Maputo e Matola.»Ora, de facto, as últimas eleições moçambicanas foram antecedidas de uma actualização do
recenseamento eleitoral em que o material informático (fornecido por um empresário de transportes ligado ao poder) sistemática e misteriosamente falhava e não tinha apoio técnico a norte do rio Save - o que aumentou o número de deputados a eleger nas províncias mais favoráveis è Frelimo, em detrimento das mais desfavoráveios.
É verdade, também, que o emergente partido
MDM foi
impedido de concorrer na esmagadora maioria das províncias,
poupando à Frelimo a perda de 2 deputados e, à Renamo, a perda de mais 7.É verdade, ainda, que houve assembleias de voto com 112% de votantes e houve
centenas de votos (sobretudo no MDM e em Deviz Simango) anulados à dedada por membros das mesas eleitorais, por vezes mesmo à frente de jornalistas.
O que não quer dizer que, mesmo sem estas preocupantes e inaceitáveis trapaças, a
Frelimo não vencesse folgadamente na mesma, e a
Renamo deixasse de ser a grande derrotada, perdendo votos para toda a gente.
É curioso, também, que as
reivindicações concretas avançadas por
Dhlakama tenham a ver com a marginalização de oficiais da
Renamo nas forças armadas e policiais (num bem real processo de partidarização do Estado, que em muito as transcende), e não com os aspectos de governação que mais afectam a vida das pessoas – isto, se exceptuarmos uma vaga queixa em relação à (também bem real) assimetria de investimento entre o sul e o resto do país.
É sintomático e preocupante, por fim, que o presidente do maior partido da oposição em Moçambique considere que
«manifestações para exigir um governo legal» constituam actos próprios de belicistas e
«o fim da democracia no país».
Esta incompreensão do papel e espaço democráticos da manifestação e do protesto só é compreensível (mas torna-se, com isso, mais sintomática ainda) em quem considere que
«paralizar o país» com manifestações é uma acção insurreccional e um golpe de estado e se propõe a fazê-lo.
Mas isso torna ainda mais ridícula (ou se quisermos, voltando a
Jon Stewart, pouco adequada à sanidade) a sua ameaça de mobilizar a população
«à semelhança das reivindicações de 1 e 2 de Setembro» - essas, realizadas por pessoas que, estando contra as práticas governativas, não o querem ver nem pintado.
Mas, afinal, talvez nem seja necessário importar o tal homem.
Lembro-me agora da frase de um ferrenho renamista, que muito bem se dava e dá com a paz, quando
Dhlakama ameaçou «
voltar ao mato», na sequência das eleições de 1999:
«Só se ele voltar sózinho!»
PS: o link feito a propósito dos ‘protestos populares do início de Setembro’ vai dar ao meu artigo para o Monde Diplomatique do mês passado, que aqui disponibilizo a quem more no estrangeiro, a quem tenha sido demasiado forreta para comprar o jornal, ou a quem esteja mesmo à rasca com a crise. O Carlos Serra adiantou-se-me na sua divulgação, o que explica o “do not copy” (não liguem a isso) e o meu temor de uma enésima intriga privada ou calúnia pública por parte de um outro bloguista sedeado em Maputo. Enfim… ossos do ofício.