domingo, 22 de abril de 2007

«Reduzir à sua real expressão»

As minhas leituras dominicais no WC reservam-me, por vezes, surpresas.
Esta manhã, foi a coluna de João Pereira Coutinho no Expresso de ontem (p.45).

No essencial, queixa-se o senhor em questão que «as cabeças pensantes que se exibem por aí» se apressaram a discutir razões sociais para o massacre de Virginia Tech, com isso desresponsabilizando o psicopata que o cometeu. Que tais acontecimentos tenham algo a ver com as particulares características do capitalismo e sociedade dos EUA, ou com a sua política acerca de armas, será uma falácia mal intencionada.
A questão para ele é cristalina: «reduzir esta chacina à sua real expressão seria atribuir a culpa ao criminoso e não procurar razões quando elas não existem.»
Não há, então, nada de complicado a pensar. Acontecimentos destes são culpa de "maus" ou de "malucos", e aí se esgotam os seus antecedentes, condições e consequências sociais, reduzindo a coisa «à sua real expressão»: a de actos individuais tresloucados, por muito que se possam repetir.
Ou seja, após cento e tal anos de sociologia e demais ciências sociais (com raízes que recuam mais uns cento e tal), ainda se pode escrever sem corar que os comportamentos desviantes são exclusivamente individuais, ou quanto muito decorrentes da psicologia individual - e, provavelmente, que não são desviantes em relação a normas sociais mas a normas absolutas, talvez "naturais" ou "divinas".

Eu, que ainda há dias ouvi um taxista rosnar, ao passar por uma parede onde algum puto tinha escrito uma declaração à namorada, «Eu sei como é que resolvia isto, se mandasse! À primeira, cortava-lhes as mãos; à segunda, a cabeça.», sei bem que raciocínios como o do sr. colunista existem.
Encontrar um tal nível de indigência mental e de arrogante ignorância em alguém que é pago por um dos mais respeitados jornais portugueses para comentar assuntos sociais é que continua a ser capaz de me surpreender.
Ajuda-me, até, a compreender a ênfase que os sociólogos põem na sua "ruptura com o senso comum", que sempre me soa arrogante.
E dá-me vontade de citar ao colunista Coutinho uma frase de uma personagem de Clint Eastwood da qual será certamente um grande fã. Dizia Dirty Harry, acerca destas opiniões do tipo "eu cá acho que": «Opinions are like ass-holes. Everybody has its own.»

Pela minha parte, não sou nem pretendo vir a ser um especialista na(s) sociedade(s) estado-unidense(s). Mas podemos sempre aprender - e reflectir - com quem sabe.
Para quem o quiser fazer, sugiro modestamente, acerca deste assunto, o livro The Werewolf Complex - America's fascination with violence, de Denis Duclos, disponível aqui.

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