in Domingo
Numa altura em que o norte de Moçambique é desflorestado em grande velocidade por explorações madeireiras rapaces e descontroladas, as actuais retóricas acerca de uma tal de “Revolução Verde” (que não é a da Líbia) traz-me sempre à memória uma velha anedota e uma ainda mais velha citação.A coisa acaba sempre, assim, por cair um bocado no jocoso.
Esse tom passa bastante pelo post que se segue e, para vos convencer a lê-lo, começo pela anedota:
O patrão de uma lojeca de esquina repreendeu o empregado por ter dito a um cliente que não tinha o produto que ele pedira.
- A gente nunca diz que não tem! Não temos isso, mas temos sempre outra coisa que serve muito bem para o que o cliente quer. É preciso é convencê-lo.
Pouco depois, dizia o empregado a uma cliente:
- Pois… papel higiénico de momento não temos. Mas, para o que a senhora deseja, temos aqui uma lixa nº3 que é um mimo!
O que possa ser a tal de “Revolução Verde” (para além do que em seguida explicarei), ninguém sabe porque ninguém diz.
O que se sabe, porque é a única coisa que entusiasticamente se fala e diz planear, é que ela é, nem mais nem menos, a produção extensiva de bio-combustíveis para um mercado internacional que se espera em crescimento exponencial – sendo de pressupor que isso só possa a ser feito tanto pelos camponeses, em detrimento da produção alimentar, como em grandes farms, estas provavelmente instaladas em terrenos de onde os camponeses sejam corridos, em troca de locais a que nos EUA se chamariam “reservas”.
Não interessa se o representante local da FAO disse, com pezinhos de lã (pois, por aqui, só falam com botas cardadas o Banco Mundial e o FMI), que isso agravaria os problemas de fome e segurança alimentar. Não interessa se os velhos teóricos periféricos do subdesenvolvimento, embora não tenham criado receitas eficazes para resolver o problema, apontaram bastante bem as suas causas e mecanismos de reprodução – incluindo, em lugar de destaque, estes grandes projectos/desígnios de monoculturas para exportação sem valor alimentar local.
É, pelo menos na retórica, um imperativo de Estado – apadrinhado, claro está, pelos ditos BM e FMI – e isso basta.
Convém notar que a agricultura é, em Moçambique, uma coisa um bocado chata para as estatísticas.
Embora produtos agrícolas de primeira necessidade sejam, no essencial, a única coisa que o país produz para além de electricidade (Cahora Bassa), alumínio (Mozal), consultorias para as ONGs e, agora, madeiras nobres (enquanto as houver), e embora uma parte não negligenciável dessa produção acabe por ser comercializada, é-o nessa cena antiquada que passa ao lado de lojas registadas, impostos e controle estatal. Sobretudo, ao pessoal (seja produtor ou comprador) dá-lhe para comer esses bens económicos, que por isso não podem ser exportados.
Mas há sempre, como saída, a grande lição do patrão da lojeca, tão bem aprendida pelo seu empregado:
- Não temos petróleo (até ver), mas vamos cobrir o país de futuros bio-combustíveis!
- Não temos a colonial produção compulsiva de algodão (de que tão justamente se disse todo o mal que havia a dizer), mas teremos a “globalizada” Revolução Verde!
( Como antes se poderia ter dito:
- Não temos a Lei do Passe do apartheid, mas temos a Operação Produção! )
Entretanto, novas nostalgias e substituições se perfilam, num outro registo, como prefigura o artigo que ilustra esta diatribe (clique nele para aumentar):
- Já não temos Campos de Reeducação, Aldeias Comunais e deportações para o Niassa, mas temos uma nova Revolução (Verde) para organizar o desorganizado povo!
- Não mandamos em nós, mas mandamos nos camponeses!
Chega agora a citação:
O velho Marx tinha dito, no “18 de Brumário de Louis Bonaparte” se a memória não me atraiçoa, que a história se repete, uma vez como tragédia e a segunda como farsa.
Creio que o meu amado barbudo se enganou:
As réplicas farsolas podem ser muito mais do que uma. Podem até tornar-se um hábito.
E essas farsas podem facilmente transformar-se em tragédias.
2 comentários:
Muito pertinente, claro que agora ninguém dá tempo de antena ao professor nos media para falar da "revolução verde" e de outros assuntos sérios.
Abraço e continuação de boas críticas como estas e, de mais investigação.
Pedro Mogárrio
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