Há quem defenda que os imbróglios na aplicação em África de modelos universalizantes de democracia não têm sobretudo a ver com tribalismos, com hábitos históricos de submissão ou com particularismos culturais, mas com uma visão predominandte do que é o poder: o vencedor fica com tudo.
E o vencedor poderá sê-lo por eleições, por herança (colonial, libertadora ou genealógica) ou pela força.
Não é uma visão "tradicional". Há sistematicamente, na história da África sub-sahariana, mecanismos de controlo colectivo do poder, seja ele uma pequena chefatura ou um enorme Estado, aparentemente autocrático.
Essa quase inovação também não é uma fatalidade. Basta ver o funcionamento da democracia interna do ANC (África do Sul), muito mais profunda e substancial do que na maioria dos partidos "ocidentais".
Não obstante, ouvi essa ideia ser várias vezes repetida por vozes populares em Moçambique, até em relação às eleições autárquicas. «Como é que pode o filho mandar no pai?», perguntava-me por exemplo um senhor, perante a perspectiva de passar a haver municípios geridos por opositores do Presidente da República, fosse ele quem fosse.
A adesão popular a esta visão poderá ter a ver com os regimes "musculados", com a retórica da legitimidade libertadora anti-colonial e com o facto, também ele histórico, de os tais mecanismos de controlo do poder se fazerem sob uma aparência e ritualização de submissão ao chefe.
Tudo isto será muito interessante para aprofundarmos o assunto, mas confesso que me chocaram as afirmações de Morgan Tsvangirai em conferência de imprensa, suponho que hoje: «Mugabe deve compreender que não pode ser Presidente sem controlar o Parlamento.»
É verdade que a situação é difícil e os abusos, ameaças e atropelos mais que muitos. Muito mais, talvez, do que possamos imaginar.
Mas esta tentativa de convencer Mugabe (ou os concidadãos?) usando a mais mugabiana das lógicas é preocupante. Declara, afinal, a impossibilidade de coexistências e de partilhas de poderes, mesmo que todos eles legitimados pelo voto.
Está muito claro, hoje em dia, quem foram ou roubados e violentados - não só nas eleições, mas nos últimos anos.
Mas será que, chegados ao poder que legitimamente já lhes pertence, os novos vencedores vão olhar para o seu exercício desta forma?
Será que só podem conceber que o vencedor fique com tudo?
segunda-feira, 28 de abril de 2008
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