Os cidadãos irlandeses, os únicos chamados a referendar o Tratado de Lisboa, disseram-lhe Não.
Ao contrário das primeiras notícias, mais de 53% dos eleitores foram às urnas, pelo que não existe qualquer argumento para que o referendo não seja vinculativo.
O nosso primeiro diz-se profundamento desapontado; por outras palavras, «isto não é porreiro, pá». Entretanto, o Ti Barroso, os eurocratas e aqueles poderosos em geral que acham que os povos nada têm a ver com estes assuntos insistem que os processos de ratificação continuem. Fala-se até de prosseguir a reforma a 26, deixando a Irlanda numa situação liminar que a obrigue a aceitar o facto consumado.
É a noção de democracia desta gente (haver um mandato com base eleitoral que lhes permita, depois de uma série de selecções indirectas, fazer o que quiserem) que, como tinha dito aqui, mais me desagrada em tudo isto.
Por um lado, no processo de aprovação. Mas, parafraseando a opinião do Ti Coelho acerca dos independentes, os povos são muito imprevisíveis. E, dizem que parafraseando o Brejnev, as eleições também. Mais vale evitar que eles votem no que é importante, pois podemos perder.
Por outro lado, e mais importante, porque este Tratado - sendo uma alteração essencial, numa ocasião única para repensar e aprofundar a integração europeia - apenas se preocupa em resolver as limitações à tomada de decisões envolvendo os "representantes" governamentais dos diferentes Estados. Mantendo as decisões restringidas a eles.
E confesso que me estou nas tintas para as dificuldades que os senhores primeiros-ministros possam enfrentar na tomada de decisões a 27, implicando unanimidade numas e maioria qualificada noutras. Sendo esse o problema, continuem a arranjar consensos, em vez de passarem a impor os interesses dos mais fortes e influentes.
O que está por resolver, e terá que ser resolvido numa efectiva reforma da União Europeia, é a sua democratização - que inevitavelmente passará pelo reforço muito significativo do poder do Parlamento Europeu, mesmo que com um Senado "à norte-americana" para equilibrar as questões nacionais.
Que a uma democracia indirecta, estamos nós habituados. Uma indirecta de indirecta de indirecta, só mesmo os governos e eurocratas podem levar a sério.
Entretanto, enquanto escrevia este post tive a satisfação de poder mandar um grande abraço a amigos holandeses, pela vitória futebolística de há pouco.
É que tenho uma simpatia muito especial por essa terra abaixo do nível do mar. Não só é um óptimo sítio para viver, como os seus habitantes têm uma característica que os diferencia muito dos portugueses e moçambicanos, e com a qual aprendi muito:
Enquanto nós, sob o peso histórico do hábito do fascismo (ou, por aqui, do colonialismo e do autoritarismo pós-independência) temos como primeira reacção encolher-nos perante a "autoridade", eles têm como primeira reacção reclamar de abusos sobre os seus direitos de cidadãos.
Suponho, por isso, que mesmo os mais conservadores concordariam com o que aqui deixei escrito, se conseguissem ler português.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
«Isto não é porreiro, pá!»
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