Mariano Gago, prometeu denunciar ao Ministério Público todos os responsáveis de universidades e institutos politécnicos que pactuem com praxes violentas, mesmo que por omissão.
Só posso gritar: «Força!»
Cruzei-me com praxes na tropa, denunciei o seu carácter nefasto, degradante, perigoso e gratuíto (e vários casos concretos) no Jornal da CASMO que deus tenha e no livro Casualties in Peacetime – a study on violence and intimidation in the armed forces in Europe, em que colaborei.
Como trabalhador-estudante universitário, lá tive que pregar um par de sopapos num cretino que, depois de obrigar uma colega lavada em lágrimas mimar uma cena de sexo oral com um vibrador, a tentava forçar a masturbar-se publicamente, em cima de uma mesa no hall de entrada do Instituto.
Como professor, o único código estético que exijo nas aulas é que, para assistirem, os alunos vão lavar as palavras "puta", "paneleiro", "burro(a)", "merda de cão" ou outras que lhes tenham pintado na cara.
E, a seguir, o tema da aula torna-se os ritos de passagem, a dignidade humana, o autoritarismo, a submissão, a ausência de valores integradores positivos nas praxes académicas e a sua história - desde o código de auto-policiamento exigido aos estudantes quando, há séculos, a Universidade tinha direito privado, até um sistema de reprodução da submissão, autoritarismo e humilhação, que os próprios "veteranos" de Coimbra aboliram no seu tempo.
Não é muito, mas é o que me foi até hoje necessário.
No entanto, a própria lei me exige que, como qualquer outro cidadão, intervenha caso presencie agressões ou casos graves de coerção. Se não o fizer, não sou apenas moralmente conivente; sou criminalmente responsável por omissão de auxílio.
Para com pobres coitados que aceitem ser humilhados por cretinos naquilo que consideram uma brincadeira pesadota (e para com os próprios cretinos que foram antes pobres coitados), poderemos ficar pelo debate pedagógico ou mesmo um pontual insulto.
Mas perante acções violentas e/ou atentatórias da dignidade que caem sob alçada criminal, quem sabe, nada faz e teria poder para fazer é, também, um criminoso.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
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9 comentários:
Obrigado por me teres ajudado naquele dia.
Não sabia quem tinha sido. Só fugi para casa e nem te vi a cara.
Como vês, ainda continuo a ler todas as notícias on-line sobre praxe, estes anos todos depois.
A mim, passou-me uma situaçao parecida mas faltou-me a coragem para actuar. Os meus 18 anos, o desconhecimento total do sitio onde estava e da gente com quem estava e os berros de gordos barbudos aos meus ouvidos surtiram o efeito que eles queriam.
Fico contente por saber que alguém o fez.
Contra a humillaçao medieval.
Cumprimentos
Força X Força.
A António Arroio, como o seu AMO-TE na fachada, era para mim o cúmulo da onda “paz e amor”.
Desde aquele primeiro dia em que, na entrada, vi a dramatização do funeral de uma beata e logo a seguir os alunos a jogarem ao “aqui vai alho”, achei que aquela era a escola mais simpática que eu poderia conceber.
Uma saudável loucura e muita criatividade, eram os componentes para uma aprendizagem que acabou por não se revelar tão profícua quanto eu desejava. Adiante . . .
No início do meu segundo ano, fez-se a recepção ao caloiro, cerimónia que eu desconhecia mas porque me pareceu uma amabilidade para com os novos colegas, levei a peito. Munida de uma inofensiva caneta, pedia encarecidamente que me deixassem desenhar uma florzinha na bochecha e insistia, “Só uma florzinha”.
Todo o ambiente à minha volta me parecia amigável. Só quando as minhas colegas perseguiram um rapaz até ao ginásio, porque queriam o cinto dele, “só o cinto” e já histéricas, o imobilizaram no chão, é que achei que a brincadeira tinha deixado de ter piada e lá consegui libertar o rapaz daquela turba feminina.
Quando me lembro desse episódio, penso sempre que o rapaz ainda hoje deve ter pesadelos e se tivesse deixado ir mais longe o entusiasmo das raparigas, eram bem capazes de o ter despido . . . nem quero pensar que mais é que a criatividade de um grupo de adolescentes do 8º ano poderia inventar a seguir.
Os anos passaram e reencontrei um colega meu, um ano mais novo. Recordávamos esses anos loucos, quando ele me confidencia . . . “Aquela praxe . . . da florzinha? . . . fiquei aterrorizado”.
Colega anónima (como talvez eu devesse ter ficado, acerca deste assunto):
A surpresa de encontrar aqui o teu comentário perturbou-me, fez-me reviver o assunto, e por isso só hoje respondo.
Confesso que me espantou tanto que, como escreveste "obrigado" em vez de "obrigada", me passou até pela cabeça se serias mesmo tu.
Perturbou-me, também, porque a nossa memória é sempre um bocado egocêntrica, regista o que achamos que são as nossas experiências e (descobrimos às vezes, e espantamo-nos) deixa bastante de lado as consequências dos nossos actos para as outras pessoas envolvidas.
Mas adiante.
Também não me lembro bem da tua cara, só da figura e de toda aquela turba, que devia ser aterradora para quem estivesse no centro dela.
Se virmos bem, para quem está a chegar para as aulas, está fora da confusão e tem alguns 8 anos mais que todos os outros, intervir não tem nada de especial. Sobretudo se já se tinha hiper-sensibilidade a praxes e intimidações em geral.
Às vezes, faltam palavras nas coisas mais simples. Não te vou responder "De nada" (porque não é verdade), nem "Foi um prazer" (embora me tenha, de facto, dado satisfação).
Talvez "Não fiz mais do que a minha obrigação". Pelo menos, em relação a mim próprio.
Desejo que tudo esteja a correr bem contigo, apesar da necessidade de ler os artigos acerca deste tema.
Um abraço.
Marta e Mafarrico:
As situações de intimidação (e até se uma coisa é intimidatória ou não) variam realmente muito conforme a experiência e conforme as pessoas conhecem ou não o terreno que pisam.
Nessas situações, uma coisa é ter 13 anos, outra é 18 e outra é 26. E quem intimida joga com isso, com o número, com a confusão e com o inesperado.
Uma florzinha na cara não é, em si mesma, aterrorizadora, mesmo para um miúdo. O que é aterrorizador é a expectativa de o que é que poderá vir a seguir.
E, como diz a Marta, as coisas podem descambar com muita facilidade - e até entrar em competições da "sacanice mais criativa", com graus crescentes de violência física e psicológica, que vão estabelecendo pontos de partida cada vez mais elevados.
Mas, se no caso que a Marta conta, não se pretendia fazer nada de humilhante (apesar dos desvios devidos à efervescência das hormonas e dos sustos não intencionais), as praxes académicas ensinam hoje que a humilhação e a submissão são a base para a aceitação e integração no grupo.
E isso, como desabafou o Mariano Gago, é fascizante.
É normal que quem dá consigo no centro do furacão, com uma turba a gritar-lhe aos ouvidos num sítio de que não conhece o espaço nem as regras, não consiga reagir.
O que não é normal é que quem está de fora não reaja, sobretudo se tiver responsabilidades sobre esse sítio.
Obrigada, Paulo, por te juntares a outros antropólogos (em que espero incluir-me) a explicar que tradição e integração não podem ser argumento para toda a obra, neste assunto como em muitos outros. Um abraço! Inês Meneses
Só tenho pena é de uma coisa: enquanto antropologo o senhor estar a generalizar o termo praxe. Cada universidade, cada faculdade e cada curso tem a sua propria praxe e são todas elas diferentes em conteudo. Como antropologo que afirma ser devia antes de fazer afirmações e de certa forma insultar que faz as praxes saber as actividades que são efectuadas. E isto é valido para todos os ouros antropologos, que infelizmente pelo que tenho visto nao sao pouco, falam todos como se soubesse de tudo mas nao sabem.
A praxe que realizei este ano consistiu apenas numa apresentação oral do nome, idade e terra de onde se vinha (coisa que perguntam quase sempre em todas as aulas aos alunos de 1º ano - ou seja, será que os professorse tambem são cretinos que fazem praxes?), dividir os novos alunos em equipas, cada uma com nome de uma tribo para no dia seguir trazerem informações sobre a mesmo tribo e jogar ao twister (se duvida nenhuma um jogo muito humilhante!), jogo o qual nos proprios alunos de 2º e 3º anos jogamos com eles. Isto foi a praxe de antropologia da FCSH de 2009. Nunca escrevemos na testa as palavras imbecil ou "puta" ( termos que o professor referiu na reuniao de boas vindas aos alunos do 1ºano - a meu ver ter dito a segunda palavra foi um bocadinho de mau gosto para nao dizer outra coisa).
Por isso seja um verdadeiro antropologo e estude caso a caso antes de chamar cretinos a todos aqueles que fazem praxes (porque se nao fizer quem acaba por insultar e humilhar as pessoas é o senhor!) E da proxima vez numa reunião de boas-vindas antes de começar a fazer comentarios as praxes pergunte o que foi feito e já que está numa de perguntar, pergunte tambem se alguem se sentiu humilhado ou obrigado a fazer alguma coisa!
Vânia Loureiro
TUDO SOBRE PRAXE E TRADIÇÕES ACADÉMICAS: VERDADE VS MITOS no blogue Notas&Melodias (Ver listagem de alguns artigos na coluna do lado esquerdo do blogue):
http://notasemelodias.blogspot.pt/
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