domingo, 8 de março de 2009

As costas largas de Adam Smith

Mais de um ano depois de o porta-voz da Frelimo ter dito que as manifestações populares de 5 de Fevereiro, em Maputo, tinham sido «atípicas e com origem numa mão invisível, que fracassou nos seus intentos de desestabilizar o País», o fantasma de Adam Smith volta a assombrar o discurso político em português.
Referindo-se aos recentes assassinatos do CEMGFA e do Presidente da República, o ministro da defesa da Guiné-Bissau acusou «mãos invisíveis» de quererem «decapitar» o país.

É claro que há duas belas vantagens nesta acusação.
Se as mãos culpadas são invisíveis, não são as nossas, nem das restantes figuras bem visíveis, públicas e respeitáveis.
Por outro lado, se são invisíveis, é compreensível que a gente não as consiga descobrir e que os crimes fiquem impunes.

Mas é curioso, mesmo tendo a desregulação neo-liberal ficado com o rabo de fora em Wall Street, que as coitadas da oferta e da procura sejam acusadas de homicídios políticos.
Entretanto, também é verdade que, cruzando-se neste caso dúvidas acerca do narcotráfego em que meio mundo estará envolvido, até pode ser que a metáfora económica utilizada pelo Sr. ministro tenha bastante justificação. Seria essa forte acusação que ele tinha em mente?
Nãã...

Em Portugal, entretanto, o nosso primeiro prefere as metáforas mafiosas às económicas, quando se confronta com acontecimentos indesejados.
Surgindo à tona de água suspeitas de corrupção, ou pelo menos de favorecimento ou decisões legitimamente suspeitas, durante o seu consulado como ministro do ambiente, não fala de «mão invisível», mas de «mão negra».
Assim mesmo, tipo Camorra.

O que, convenhamos, também é uma expressão um bocado mal escolhida e invocadora de associações indesejadas pelo próprio, se tomarmos em conta que o nosso primeiro pretende, com ela, desvalorizar suspeitas de comportamentos que, na linguagem popular, caem sob alçada da palavra "mafiosos".
As implicações desta expressão da «mão negra» são, por outro lado, também um bocado chatas na boca da 3ª figura do Estado, responsável pelo poder executivo.
Porque, embora parte da acusação caia sobre os jornais (velho clássico do discurso político acossado, mas que pelo menos ataca uma parte da fantasmagórica "sociedade civil"), o grosso cai sobre o sistema judicial.
Temos, assim, um primeiro-ministro a chamar mafiosos aos juízes e procuradores, tanto nacionais quanto da terra do muito amigo Labour Party. A desacreditar o Estado, afinal.

Enfim... Talvez os políticos que falam em português devessem começar a procurar metáforas com pés, em vez de mãos, quando o mundo não corresponde aos seus desejos.
Porque parece que foi com os pés que foram pensadas e escolhidas estas metáforas de mãos «invisíveis» e «negras».

2 comentários:

Anónimo disse...

Boas.

A mim este post levantou mais interrogações do que respostas. Parece que o liberalismo económico fracassou. A economia, deixada a si mesma, o mercado auto-regulado de Adma Smith não parece afinal corresponder a um sistema eficaz de produção de riqueza e bem-estar social generalizado, e, com a última crise mundial, o capitalismo liberal, pelo menos tal como o conhecemos, terá que dar lugar a outra ordem. Ou não?
Convenhamos: o bem estar social que a Humanidade conhece sobretudo a partir do século XVIII tem sido feito à custa da energia fóssil. Estamos a soltar em 200 anos carbono acumulado ao longo de muitos milhões de anos, e que explorarmos sobre a forma de petróleo, carvão e gás natural. Não surpreende que um dia também esta bolha nos expluda na cara, à semelhança de outras "bolhinhas" que vão rebentando de vez enquando. Voltando à "vaca fria" questiono-me a mim mesmo se a simples vontade individual, a tão propagada iniciativa privada, ao agir livremente, poderá continuar a imperar numa boa parte do globo. Tenho ainda as minhas dúvidas que de facto o capitalismo tenha perecido. Talvez seja verdade que o capitalismo virtual, onde toda a gente andava a comprar e a vender sem saber muito bem o quê, afinal se referia a bens... virtuais. O papel moeda, o metal sonante, o toque das coisas foi subitamente substituído por bits e byts, por algo de imaterial. Ora, quando fundamos a nossa existência em bases destas, dá no que deu. E a velha questão da maior ou menor intervenção do estado volta à baila. Sabemos já do nosso curso, - e da nossa vivência diária - que o liberalismo é por norma bom a produzir, e mau a distribuir, enquanto que as economias do tipo Socialista são boas a distribuir, e péssimas a produzir. Então em que ficamos? A que nível estamos dispostos a depositar confiança nos detentores do poder político? Terá o Loïc Wacquant razão quando escreve "As prisões da miséria", em que alerta para a ascenção do liberalismo subretudo a partir de Regan, entrando pela Europa via 3º via do Blair, e sendo aplicado por toda a Europa? Será que o estado deve ter apenas a função de prender todos os deserdados do mundo? Será que de facto devemos deixar a economia funcionar per se? O estado previdência deve ser substituído pelo estado penitência? Vamos rentabilizar as nossas prisões, tornando-as espaços de negócio, como quaisquer outros? Vamos escolher o estado mínimo, ou derivamos para o estado máximo? Em que ficamos? Tendo em conta tudo o que aconteceu com o bloco Soviético, será defensável um sistema do tipo comunista? Passou recentemente na antena 2 uma entrevista com a dissidente do PCP Zita Seabra. Escutei com enorme respeito (e também alguma crítica e distanciamento)os relatos de quem entregou uma boa parte da sua vida a uma causa. Activista na clandestinidade quando entra para o partido vive no medo da PIDE. Fala da sua consciência dos crimes cometidos pelo regime Soviético. E, pela primeira vez na vida, percebo de forma clara algo que me tem escapado nos anos que já levo: porque é que a Humanidade tende a desculpabilizar os crimes cometidos por estados chamados comunistas, e tende a diabolizar as ditaduras do tipo fascista? Quem consegue distinguir entre um Hitler e um Stalin? Eu não. Não sei que contabilidade desculpabiliza tantos milhões de mortos de um lado ou de outro. Mas a explicação da Zita é clara: enquanto o comunismo matava em nome do Homem Novo, as ditaduras de direita matavam em nome da "pureza da raça". Detestável. A mim parece-me, desculpem o desabafo, que entre ditaduras de esquerda e ditaduras de direita, só mudam as moscas...
Relembro uma lição aprendi há muitos anos quando frequentava o secundário, por sinal dada por um professor de geografia : o Japão importa 94% das matérias primas de que necessita. Tirando umas quantas ilhas que de vez em quando lhes tremem debaixo dos pés, além dos próprios Japoneses, o Japão nada mais tem. Então, de onde vem a sua enorme riqueza. Reposta pragmática, mas verdadeira: das pessoas, dos próprios Japoneses. Eles vão simplesmente ao 3º mundo, importam matérias primas ao preço das bananas - não digo chuva, que ela começa a ser escassa e portanto de acordo com a lei da oferta e da procura tende a ficar mais cara, Turquia diz-vos alguma coisa? - Voltam com elas para o Japão, transformam-nas, e voltam a vendê-las, muitas vezes aos mesmos países fornecedores de matéria prima, ao preço que querem. E desta forma prosperam, enquanto os infelizes do 3º mundo vão morrendo à fome. Paralelamente, esse mesmo 3º mundo cria uma elite enjoativamente rica. Um exemplo? Enquanto os cabindas não têm gasolina para fazer andar os seus (poucos) carros, o José Eduardo e família vivem como se sabe. Mais, legitimados por eleições democráticas. Caíamos agora nos limites da democracia. Para termina, volto então à questão principal: liberalismo puro, estado centralizado, ou vamos pelo caminho do centro? Como podemos nós resolver questões que afinal são de todos nós? como confiar em políticos? Quem se lembra de um senhor que foi ministro das obras públicas de um certo país, deu a concessão de uma grande ponte a uma empresa, e depois de ser ministro se torna administrador dessa mesma empresa? Ou outro ministro, de outra (pressuposta)cor política, que depois de deixar o ministério fica à frente de uma empresa de energias renováveis? Que política é esta? Como criar mecanismos de regulação que impeçam que gente com pouco ou nenhum sentido de estado de aproprie de cargos de poder, para se "arranjar"? Pessoalmente volto às pessoas. Apenas com uma consciência política, social, e moral de todos nós poderemos deixar aos vindouros alguma coisa. Mas para isso, temos que começar pela parte mais difícil: por nós mesmos. Pelos pequenos gestos do dia a dia. Abandonado a selvajaria nas estradas. Respeitando o ambiente, praticando o civismo, subretudo nos pequenos gestos do dia-a-dia. E estando atentos. Exigindo dos outros, nada mais nada menos do que exigimos de nós mesmos.

PS.

Agora vou é mergulhar na leitura do Vitor Turner

Cumprimentos

Sérgio Caldeira

(Paulo Granjo) disse...

Obrigado pela participação Sérgio.

Vou copiar este comentário para o Antropolíticas, para poder ser objecto de debate por parte dos colegas.

Comentá-lo-ei também por lá.