No seguimento de tomadas de posição humanas e que me parecem ética e moralmente inatacáveis por parte de alguns dos seus confrades, o Cardeal Patriarca de Lisboa veio falar do preservativo em tempos de SIDA.
Diz que partilha a opinião do Papa, porque especialistas lhe disseram que o preservativo é um meio falível de prevenção.
E de facto é, em termos absolutos, tanto por ser largamente desvalorizado no sexo oral, como pelo seu uso inconsistente por parte das pessoas, em virtude das noções locais e culturais acerca do que é "sexo seguro" que são bastante diferentes dos pressupostos epidemiológicos (vejam aqui, a este respeito, o artigo de Emídeo Gune).
Mas, também de facto, daí não decorre nem a irrelevância da "camisinha", nem que o Cardeal partilhe, como diz, as opiniões do Papa - ou, mais precisamente, que o Papa partilhe as opiniões agora expressas pelo Cardeal.
As actuais limitações do uso do preservativo como instrumento exclusivo de prevenção implicam (sendo ele o instrumento mais eficaz) o repensar das formas de intervenção e comunicação, em vez do descanso sobre estatísticas que podem dizer coisas bem diferentes daquelas que os epidemiologistas pressupõem. Não implicam o seu abandono, como se fosse irrelevante.
E o que o Papa disse e pensa (pelo menos a julgar pelo que diz e pela doutrina acerca do assunto que veio criando desde que o Papa era outro e ele era o inquisidor-mor) também não é o que o Cardeal agora diz: que sendo o preservativo falível, tem que ser complementado por outras formas de prevenção.
O Papa está contra o uso do preservativo e contra o estímulo a esse uso. Ponto final. O resto são justificações.
A não ser que esteja a mentir, o que não parece de todo provável, não é esse o caso do Cardeal Patriarca de Lisboa.
Com toda a solidariedade institucional para com o chefe que está expressa nas suas declarações, o que diz é radicalmente diferente da doutrina do chefe.
O que o Cardeal declara é uma posição que está a caminho da humanidade (enquanto sentimento e postura moral). O que o Papa reclama baseia-se numa posição desumana.
Com todos os paninhos quentes, o Cardeal fala como quem dá importância a Cristo e ao Deus do novo testamento. O Papa, como quem segue o Deus do antigo testamento e S. Paulo.
E, desculpem-me os cristãos, entre uma coisa e outra há um mundo de diferença.
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