terça-feira, 2 de junho de 2009

3 páginas de Luis Sepúlveda

O PIRATA DO ELBA

Há uma rua em Hamburgo com o nome do burgomestre Simon von Utrecht, mas quase nenhum hamburguês sabe quem foi tal sujeito, nem por que é que merece ser recordado. A única coisa que sabem dele é que ordenou a execução de um homem que vive na memória dos irreverentes, em centenas de canções e narrativas que se contam na costa do Mar do Norte ou nos cálidos cafés de Weddel ou Blankenesse.
O homem – que esse sim é recordado – chamou-se Klaus Störtebecker e era um pirata. O Pirata do Elba.
No ano de 1390, a Liga Hanseática impunha a ferro e fogo o seu domínio mercantil sobre o Atlântico Norte e o Mar Báltico. A Liga estabelecia impostos absurdos, fixava preços arbitrários aos artesãos e aos agricultores, e nos seus mil barcos os capitães hanseáticos utilizavam a forca para castigar qualquer falta.
Mas, e como sempre aconteceu na História, um grupo de marítimos liderados por Klaus Störtebecker, um gigantão de rosto feroz e barba vermelha, disse que não, que bastava de impostos, chicote e corda e, depois de um motim, fizeram-se ao mar num barco que começou a navegar sob a bandeira da liberdade.
Em 1392, na ilha de Gotland, os homens de Störtebecker ditaram a sua declaração de princípios a um sacerdote, que traduziu para latim as palavras pronunciadas em todos os dialectos que se falavam no norte da Europa. Diziam elas que os homens são escolhidos por Deus para praticar a felicidade e que só a felicidade concedia a necessária vitalidade para suportar qualquer penúria.
A partir daquele momento começaram a chamar-se «Die Vitalienbrüder», os Irmãos Vitais, e foram o flagelo da Liga Hanseática.
Abordavam os barcos carregados de bens, interrogavam os marinheiros acerca dos últimos castigos sofridos e muitos oficiais e capitães sentiram nas suas carnes os arranhões do gato de sete caudas ou o ar mesquinho que a forca permite. O produto do saque era repartido, metade pela confraria e a outra metade pelas populações ribeirinhas do Elba ou das costas do Báltico. A chegada de Störtebecker e dos Vitalienbrüder era esperada como uma bênção pelos pobres de então.
Como era de esperar, a Liga Hanseática fixou preço à cabeça do pirata, e dúzias de capitães alemães, suecos e dinamarqueses lançaram-se na sua captura.
Não depararam com uma tarefa fácil, pois Klaus Störtebecker conhecia todos os segredos do Elba e resistiu até já correr o ano de 1400.
Numa manhã de Primavera desse ano, toda a Hamburgo marcou encontro junto da «Teufelsbrücke», a Ponte do Diabo, para presenciar a execução do pirata e de uma centena dos seus camaradas.
Simon von Utrecht, o burgomestre, pronunciou a sentença com voz firme: morte por decapitação. O verdugo fez reluzir a espada e esperou a primeira vítima, que devia ser um marinheiro raso, visto que parte do castigo imposto a Störtebecker era assistir à morte dos seus homens.
Então o pirata de barba vermelha falou.
- Quero ser o primeiro, e mais: proponho-lhe um acordo para melhorar o espectáculo, senhor burgomestre.
- Fala – ordenou Simon von Utrecht.
- Quero ser o primeiro. Quero ser decapitado de pé, e quero que, por cada passo que dê depois de a minha cabeça ter tocado no solo, se salve um dos meus homens.
Viva o Pirata do Elba!, gritou alguém no meio da multidão, e o burgomestre, certo de que era tudo uma fanfarronice, aceitou.
A ciciante folha de aço cortou o ar da manhã, entrou pela nuca e saiu pelo queixo do pirata. A cabeça caiu sobre as pranchas da ponte e, perante a estupefacção de todos, o decapitado deu doze passos antes de cair redondo.
Aconteceu isto numa manhã de Primavera do ano de 1400. Quase seiscentos anos mais tarde, na primeira semana de Julho deste ano, a polícia de Hamburgo deteve vários rapazes que tentavam pela centésima vez alterar o nome de uma rua. Levavam umas compridas fitas adesivas azuis com letras brancas que diziam «Rua Klaus Störtebecker» e punham-nas a cobrir as placas metálicas com o nome do nada célebre burgomestre Simon von Utrecht.

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