segunda-feira, 12 de julho de 2010

Rai's parta o polvo!


Na minha simpatia pela Holanda, não liguei muito ao teutónico polvo adivinho.

Fiquei mais preocupado quando, de Amsterdão, um amigo me enviou um SMS que dizia "Nosotros comemos polvo", palavra que conhece dos menus de restaurantes portugueses.
Os mais versados na língua de nuestros hermanos saberão porquê; é que, com aquele nosotros que ele pretendia em português, polvo deixava de referir-se ao simpático octópode para querer dizer "pó".
Mau sinal...

Mas enfim... Acabado o jogo, sempre sobraram as celebrações em campo com a bandeira da Catalunha, em dia de manifestação em Barcelona contra uns cortes judiciais bem significativos no estatuto da região.

E sobrou o interesse e curiosidade, por toda a Europa, pelo tal de polvo adivinho.

Ora escrevia, há uns bons anos atrás, o meu colega e amigo Philip Peek (a quem também devo as fotos que se seguem) que a história e a antropologia não conhecem nenhuma cultura onde não exista alguma forma de adivinhação.

Essa coisa de dar sentido ao aleatório e de tentar prever o imprevisível parece, então, ser uma necessidade humana universal. Mesmo quando, em vez de polvos, se usam as probabilidades estatísticas - muitas vezes com inferior sucesso, o que diz mais sobre as limitações das segundas do que sobre as virtualidades dos primeiros...

Mas aproveito esse interesse e curiosidade para partilhar, com quem ainda não tenha tido oportunidade de o saber, que essa coisa dos animais adivinhos está longe de se ficar pela estrela de oito pontas do momento. É, pelo contrário, bastante frequente e espalhada.

Por exemplo, no norte de África, do Magrebe aos inefáveis Dogon, as raposas dão um jeitão.
Desenha-se uma grelha no chão, deixam-se uns belos petiscos em determinados pontos e, no dia seguinte, vem-se ver pelas pegadas quais é que a raposa comeu, por que ordem e fazendo que percursos.
Depois, segundo um sistema de permutações que nada fica a dever ao respeitável I-Ching chinês, lá se fica a saber aquilo que se quer.


Mais abaixo, os Baule têm uns ratinhos que também fazem o serviço mas, tal como o polvo alemão, a resposta fica-se entre duas possibilidades.

Nos Camarões, o pessoal não se dá por satisfeito com isso. Os felpudos aranhões que, por lá, são profissionais da adivinhação têm muito por onde escolher, de entre placas divinatórias com diferentes significados.

Correndo o risco de virarem um petisco se se enganarem muito, também os caranguejos camaroneses têm uma tarefa complexa e muito por onde escolher...


Uma coisa curiosa é que esses animais adivinhos são, sistematicamente, mudos.
E quando o barulho que fazem é demasiado evidente para ser ignorado (como no caso das raposas), há um importante mito que conta como perderam elas a voz que, afinal, até têm.

Em Moçambique, por seu lado (e embora por lá a adivinhação animal seja extremamente rara), é ponto assente entre adivinhos e curandeiros que todos os seres vivos que falam podem ser enganados.
Por isso o ovo (que é vivo mas não fala) é um componente essencial das misturas de produtos destinadas à protecção das pessoas ou bens.
E por isso os conjuntos de adivinhação (através dos quais falam os espíritos) podem enganar-se.

Confesso que este tipo de continuidades me parecem bastante mais interessantes (e muitíssimo menos casuais) do que os gostos futebolísticos do nosso amigo polvo.

1 comentário:

ntonio disse...

Meus Parabéns, pelo têxto e pelo conhecimento compartilhado.
Essa comédia do polvo teve seu momento de glória na mídia internacional, que gosta de uma graça...lol....Abraços.