Desta vez foi divulgada a soma: No ano que vem, os portugueses trabalharão mais 23 dias.
É o resultado de mais meia-hora de trabalho diário, menos 4 feriados e uma redução nos dias de férias.
Suponho que não por acaso (pois este último corte poderia não existir, ou ser maior, ou menos), o aumento da carga laboral anunciado pelo governo corresponde ao maior número de dias que se podem trabalhar num mês.
Ou seja, querem que, em 11 meses, passemos a trabalhar 12. Por outras palavras, querem que o nosso tempo de férias passe a ser trabalhado ao longo do resto do ano.
Imagino que, para os génios que nos governam, esta será a solução milagrosa para contrabalançar a enorme recessão em que nos vão enterrar as suas políticas contabilísticas.
Suponho que, na sua versão mais benigna, a brilhante ideia seja que, arranjando mais um mês (distribuído pelo ano) em que o pessoal trabalha à borla, as empresas vão poder produzir mais, aumentar o PIB, exportar mais.
Mas, deviam eles saber (apesar e para além dos discursos ideológicos e pseudo-tecnocratas que ganharam a vidinha a reproduzir, na academia ou em instituições financeiras), não é assim que as coisas se passam.
É que a recessão previsível não é apenas nossa, por muito que os nossos estimados governantes contribuam para a agravar no nosso caso. Está a atingir e atingirá os plausíveis clientes de produtos portugueses. Produzir mais do mesmo só corresponderia, na esmagadora maioria dos casos, a armazenar mais produtos sem comprador.
Entrará aqui, suponho, o Plano B dos génios economico-governativos: pondo o pessoal a trabalhar mais 9,1% à borla, as empresas poderão reduzir brutalmente o custo unitário de cada um dos seus produtos, tornando-se muito mais competitivas nos mercados exportadores.
É claro que em nenhum sector produtivo a diminuição dos custos poderia corresponder a esse aumento de trabalho à borla; para que tal acontecesse, seria necessário que os únicos custos da empresa fossem salários. Mas não deixa de ser verdade que, no caso de sectores intensivos em mão-de-obra (ou seja, nos tecnologicamente mais arcaicos) a vantagem seria importante.
A chatice é que, com os mercados exportadores em recessão de consumo, isso não daria para vender muito mais; apenas para ter mais hipóteses de vender e de, talvez, não vender menos.
Ao bom do patrão (quer ele esteja num dos poucos sectores produtivos que não foram esmagados pelos acordos de adesão à CEE e pela sua implementação por Cavaco Silva, quer em qualquer um dos outros, largamente maioritários na economia que nos sobrou) a pensar para os seus botões: «Se 11 trabalhadores me fazem, agora, o trabalho que antes faziam 12, posso-me livrar do 12º e continuar a produzir o que produzia. Posso despedir, deixa cá ver... 8,3% do pessoal! Até gajos do quadro, agora que as indmenizações estão mais em conta...»
No entanto, para além de um brutal aumento do desemprego, há mais duas consequências destas geniais medidas governativas que são "fatais como o destino".
Uma é a diminuição da produtividade real, pois (conforme bem sabe qualquer um que tenha estudado questões laborais, ou qualquer economista que não seja apenas um contabilista ou um brinca-com-modelos) a capacidade produtiva dos indivíduos começa a baixar significativamente a partir das 6 horas de trabalho, degradando-se cada vez mais depressa, ao mesmo tempo que aumentam os erros e os desperdícios de matéria-prima.
Esta meia-hora suplementar e gratuita vai ser, muito provavelmente, a mais cara de todas para os empresários.
Outra fatal consequência é o aumento dos acidentes de trabalho e dos seus custos - para o trabalhador, para a empresa, e para o estado e a segurança social.
Esse aumento ocorrerá por três motivos:
Por um lado, porque o aumento da propensão para acidentes (devidos a cansaço, a incapacidade de concentração e a menor capacidade para responder da forma mais adequada a uma situação anormal) tem uma progressão ainda mais rápida do que a da diminuição de produtividade, que há pouco referi. Essa última meia-hora será, cada dia, a mais perigosa de todas.
Por outro, porque em muitos casos os trabalhadores serão pressionados (uma vez notada a tal baixa final de produção) para manterem ritmos que, nessa altura, já não têm capacidade de manter.
Por fim, porque em muitos outros casos a redução de pessoal reduzirá os efectivos a níveis que ficarão no limite (ou abaixo dele) da capacidade de resposta a emergências e de debelar acidentes potencialmente graves logo na sua origem.
Aqui chegados, devo dizer que não creio (ao contrário da provável opinião de muitos leitores) que a genial adopção de medidas económicas e laborais tão evidentemente ineficazes e com tão elevados custos humanos, empresariais e estatais se deva a um inflexível empenhamento em aumentar abruptamente as condições de exploração dos trabalhadores e a apropriação da riqueza por parte do capital.
Creio que ainda é pior.
É que este não é apenas o país que manda emigrar os quadros em cuja formação gasta fortunas, ou em que, por incompetência de gestão empresarial, já hoje se trabalha mais que em muitos outros, produzindo muito menos.
Este é também, temo bem, um país na mão de contabilistas de mercearia (até nisso mal jeitosos) que reproduzem cartilhas sem qualquer noção da economia real e das realidades laborais e empresariais.
Julgam-se geniais jogadores de xadrez, mas nem sequer repararam que existem para ali umas peças que nem sabem o que representam, nem como se movem.
Julgam-se reencarnações melhoradas do Milton Friedman, mas é o expectro do "botas" que invocam e arrastam atrás de si.
1 comentário:
Excelente reflexão Paulo!
Abraço!
Enviar um comentário