Esta tarde, a residência em Santungira do Presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, foi atacada e tomada por artilharia e comandos.
A notícia, inicialmente confirmada nas televisões privadas locais (por porta-vozes do RENAMO à STV e do Ministério da Defesa à TIM), chegou bem mais tarde aos meios de comunicação estatais.
Não espanta que o comunicado tornado público pela RENAMO afirme que este assalto representa "o fim dos Acordos de Roma", que em 1992 encerraram a guerra civil que assolou o país durante 16 anos.
Mas é surpreende este ataque militar ao líder do maior partido da oposição, em concomitância quer com conversações partidárias para tentar ultrapassar uma situação de tensão que dura há já quase um ano, quer com uma Presidência Aberta na mesma província de Sofala para onde Dhlakama se havia "auto-exilado".
Muitos, entre os quais me incluo, interpretaram este longo impasse e braço-de-ferro entre a RENAMO e o governo da FRELIMO (feito de ameaças, conversações e coisas bem mais feias) como tendo por origem e objectivo a tentativa de negociar os esperados dividendos da futura exploração das reservas de gás natural pelas empresas internacionais.
Mas, ao fim de um ano em que Dhlakama ameaçou muitas vezes com o regresso às armas, e em que (pelo menos) tolerou ataques realizados (supõe-se) por ex-guerrilheiros seus a postos policiais e a quem passava nas estradas, parece que quem acabou por se decidir pela senda bélica (ou por uma "solução à Savimbi") foram os seus opositores governamentais, agora democraticamente eleitos. E que, ao fazê-lo, optaram pelo que de mais perigoso e ameaçador havia para o futuro da população.
Não me parece particularmente relevante, num momento como este, debater a legitimidade formal de um governo decidir assaltar uma povoação transformada em base militar, onde o líder de um partido com larga representação parlamentar sentiu a necessidade (ou a vantagem política) de se refugiar, acompanhando a sua estada de ameaças belicistas e de acções armadas (que ou ordenou, ou não conseguiu evitar) contra populares e contra representações do estado.
Importa-me, antes, o seu nível de sensatez e os seus potenciais resultados - pois este não é um outro país qualquer, com uma qualquer história diferente da sua.
Há a franca possibilidade de que as propaladas intenções belicistas de Dhlakama sejam um balão cheio apenas de ar, sem apoios populares ou internacionais para se concretizarem numa guerra, pelo menos de dimensão apreciável e duradoura. Mas o risco existe. Não apenas disso, mas mais ainda de generalização do medo e de inviabilização das condições básicas de vida para a esmagadora maioria dos moçambicanos. Porquê corrê-lo após meses de tolerância e de liturgia negocial?
Tão pouco a hipótese de que este ataque pudesse visar reforçar a segurança do périplo presidencial de Armando Guebuza apresenta qualquer consistência. Para isso, em situações como a até ontem existente, isolam-se os que podem fazer perigar essa segurança, cercando a sua área de concentração. Em contrapartida, conforme seria de esperar, Dhlakama e a sua guarda de corpo já não estavam no local quando o ataque ocorreu. Estão em parte incerta, aumentando a insegurança da comitiva presidencial, e com mais fortes razões para isso.
Olhando de longe para um país de que muito gosto e onde tenho muitos amigos, espero com toda a franqueza que a razão de tão estranha acção não seja bem mais importante, para poucas dúzias, e bem mais rasteira, para muitos milhões. Desejo muito francamente que esta decisão, com todos os enormes perigos que ela acarreta para os moçambicanos, não tenha sido apenas uma forma de, perante a falta de justifições para alargar o limite de mandatos do Presidente da República e a impossibilidade de este assegurar a continuidade da sua preponderância política e económica fora das suas actuais funções (logo agora, que os dinheiros do gás vêm aí), justificar uma alteração constitucional com base no risco de guerra iminente.
Porque, fossem quais fossem as motivações imediatas desta acção militar, toda a situação criada é extremamente preocupante e tem consequências altamente imprevisíveis.
Mas, e isso será uma triste certeza, muito negativas para os moçambicanos "normais", que não fazem parte das elites políticas e económicas.
Mas, e isso será uma triste certeza, muito negativas para os moçambicanos "normais", que não fazem parte das elites políticas e económicas.
1 comentário:
Amigo Paulo Granjo, aplaudo esta tua análise da actualidade em Moçambique e teu conhecimento é-me suficiente para com ela concordar. No entanto parece-me que falta dar especial relevo a uma incógnita grande demais para apenas ser aflorada: Será que os interesses de algum bloco internacional não terá uma palavra a dizer agora? Quando cheira a petróleo, as secretas têm de imediato ordem para porem em marcha os seus maquiavélicos planos de desenvolver e alimentar guerra civil, quer seja na América latina quer seja, e aqui ainda mais por mais fácil, em África. E não creio, pelo que a história recente nos ensina, que estejam parados à espera que lhes caia o momento.
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