Antes daquele linchamento a que assisti quase em directo, era outra a imagem que me costumavam suscitar acontecimentos como esta lei ou estas declarações de responsáveis do BE.
Vinha-me à memória um filme sobre o holocausto (perdoem, mas não me lembro do nome) em que, antes de a guerra estalar, uma delegação da Cruz Vermelha vai inspeccionar as condições de detenção dos judeus num campo de concentração - como se a questão fosse a qualidade dessas condições e não o facto de estarem prisioneiros por serem judeus.
A comparação (com este caso e com o linchamento) é excessiva? Admito que possa ser.
É absurda? Aí, só se não pararmos para pensar como é fácil aceitamos acriticamente novos abusos, por virem embrulhados em objectivos purificadores e/ou em aparente bom senso - objectivos e "bom senso" enraizados, afinal, no que de pior e mais repressivo existe na nossa herança civilizacional, e que ciclicamente julgamos ter ficado enterrado numa qualquer esquina da história. É que, ao aceitá-los, não banalizamos apenas cada abuso; banalizamos também a aceitabilidade desses pressupostos enquanto base para novos abusos futuros.
Porque o mais terrível nos processos de banalização (atinjam eles métodos, práticas, ou princípios piedosos e controladores) é a sua insaciável capacidade de naturalizar tudo.
Lembrem-se por um momento, nesta época de vistos e de controle armado da imigração, que a generalização do passaporte, essa coisa tão evidentemente "natural", é posterior à I Guerra Mundial. Ou, neste tempo de guerras feitas à distância sobre as cidades, que o bombardeamento de populações civis, tão generalizado na II Guerra Mundial até ter chegado ao uso da bomba atómica, era tão inconcebível poucos anos antes que fez tremer de indignação a Europa, com o seu ensaio geral em Guernika.
Os casos que referi poderão ser comezinhos, mas a aceitação da pureza como critério de acção e justificação política não o é.Se não nos pomos a pau, ainda acabamos a gritar que se linchem os impuros.
domingo, 8 de abril de 2007
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