sexta-feira, 23 de maio de 2008

Internacionalizar a Amazónia?

Podia fazer apenas um link para o Macua, de onde copiei esta notícia, mas não resisti a reproduzi-la na íntegra.

Claro que a resposta do ministro brasileiro é sofística. Os males do mundo não justificam a nossa incompetência para resolver os nossos próprios problemas. Nem é legítimo fazer depender a sua resolução da súbita transformação do mundo num sítio cor-de-rosa de passarinhos esvoaçantes, paz, amor e justiça social.

Mas lá que a arrogância dos maiores poluidores e criadores de problemas globais e localizados no planeta, dos maiores nacionalizadores e privatizadores de bens de interesse universal um pouco por todo o mundo, merece que lhes lembrem certas verdades, lá isso merece.

Tal como o merecem os estudantes de pós-graduação das boas universidades estado-unidenses, quase sempre geniais e descobridores da pólvora comparados com quem os precedeu, até ao momento em que os resultados do seu trabalho são conhecidos e se revelarem medianos, quando não medíocres.

Então, aqui vai:

«Durante um debate numa universidade nos Estados Unidos, o Ministro da Educação brasileiro, Cristovam Buarque, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um Brasileiro. Esta foi a resposta:

- De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro...
O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não o seu preço.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar que esse património cultural, como o património natural Amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.
Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar, com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de comer e de ir à escola.
Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro.
Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa!»

28/5: O Zé Paulo, do Lanterna Acesa, esclareceu que este discurso é já de 2000. Tem também um post em que são referidos outros aspectos relevantes acerca do assunto. Sugiro que o visitem.

14 comentários:

samya disse...

Olha Paulo depois que vim viver nesta Europa, ja fui insultada por muito coisa besta. Mês passado foi algo novo: nos brasileiros somos uns incompetentes politicamente falando, corruptos,ignorantes e com esta ignorância estamos destruindo o nosso bem maior: A floresta Amazônica. Isso tudo tive que ouvir enquanto recebia um bilhete de entrada de alguns visitantes do museu.
Foi-se o tempo que eu me armava de uma paciência budista para explicar ao camarada que o nosso bem maior é cada um dos cidadãos daquele pais.Hoje em dia pego pesado, infelizmente não tenho a classe do Cristovão. A floresta é nossa. Ou vamos discutir aqui sobre a colonização e a usurpação que vocês são responsaveis na Africa e na Asia e assim falamos também de nossa incopetência ou o assunto acaba aqui.

(Paulo Granjo) disse...

É.
"Incompetência" foi mal escolhido, porque não é por incompetência que acontecem aquelas coisas na Amazónia, ou os sem terra (como os sem terra e as fomes na minha região de origem, o Alentejo), ou as assimetrias sociais (de que Portugal não se pode rir, porque é o país com maiores assimetrias sociais na União Europeia, embora a um nível muito diferente do Brasil ou Moçambique), ou o clima de guerra civil nas favelas, tão instigado e empolado de fora.
São interesses e relações de poder, com muita competência para se imporem - e, se incompetência existiu, abençoada seja, pois com a competência dos "vizinhos" do norte já não existiria Amazónia há muito.

Os maiores poluidores e destruidores do planeta armados em virgens salvadoras e salvaguardas do ambiente, ainda por cima enquanto ainda estão no buraco do Iraque por causa de acessos privados ao petróleo, é de facto de mais.
Como vocês dizem, "não se enchergam" - e a única desculpa, para os bem intencionados "génios-lá-da-rua-deles" é a ignorância de si próprios, do país deles e das forças que o movem.

Se eu estivesse na sala, ia aplaudir de pé. Pela elegante chapada dada aos filhotes do grande irmão do norte e porque, de facto, gostaria que o mundo fosse como ele disse. E porque a arrogância da ideia é absurda e os resultados seriam catastróficos, mesmo se, como o ministro disse, a própria ideia seria trivial num mundo bem diferente - mas, aí, não seia uma expoliação.

Depois de aplaudir, contudo, iria no comentário que deixei no post. E, de facto, a brilhante resposta é sofística (eu não escrevi "farisaica", repare), porque o facto de os outros terem menos razão ou vistas curtas não nos pode auto-justificar do que está mal naquilo que é nosso.

Posto isto, se há razão para me dar mais uns tapas, por favor dê. Quando são verbais e entre adultos livres, é assim que a gente avança.

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...
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Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...
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Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...
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Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,
Como informação adicional, esta resposta / discurso do atual Senador da República brasileiro pelo PDT foi em 2000, quando como recém ex-prefeito (que cargo este!!!) do Distrito Federal, Brasília, mas ainda ligado ao partido governista, PT. Mais tarde, em 2003 ou 2004, salvo erro, ainda pelo PT foi Ministro de Educação do Lula, vindo a ser demitido por este, passando então para o PDT.
Aqui, http://lanternaacesa.blogspot.com/2008/05/quem-questiona-soberania-da-floresta.html, escrevi algo sobre o tema, onde casualmente também transcrevo o mesmo texto do político brasileiro.
Cordial abraço.
Zé Paulo

PS: Desculpe a tripla deleção dos comentários anteriores

(Paulo Granjo) disse...

O texto do seu blog acrescenta vários dados relevantes. Espero que quem der uma vista de olhos por aqui o vá também visitar.

O que me aborrece mais neste tipo de questões é que se levanta a hipótese da internacionalização com base na preservação (que os próprios se recusam a fazer nas suas próprias terras - veja-se o Protocolo de Kyoto), mas o pano de fundo acaba sempre por ser a exploração de recursos...

Entretanto, peço-lhe (e aos visitantes brasileiros) que me satisfaça uma curiosidade:

Que opinião tem acerca da velha ideia da anulação da dívida externa em troco da preservação florestal da Amazónia - desde, claro, que a sua implementação e gestão fosse feita pelas autoridades brasileiras?

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,

Pessoalmente acho que a preservação da Amazônia é uma obrigação do Estado brasileiro. O Brasil tem que encontrar a forma correta, por conceitos de sustentabilidade, de reflorestamento de espécies nativas e muitas outras políticas sérias. Não há que haver trocas quando existem obrigações.
O que os outros têm é que pagar é quando entram sorrateiramente na Amazônia para de lá retirar as riquezas naturais. Voce deve saber que existem países estrangeiros que têm os direitos de uso de algumas ervas medicinais daquela floresta, e que laboratórios nacionais não podem fazer uso das mesmas. Isto pararece piada, para não dizer que é trágico.
Um abraço.
Zé Paulo

(Paulo Granjo) disse...

Infelizmente, não me surpreende tanto assim - quer o exclusivo do uso, quer do não uso.

Há uns anos, foi feito um grande estudo em São Tomé e Príncipe, sobre plantas que se dizia curarem a malária.
Algumas não curavam (eram só amargas, como o quinino, e por isso se dizia que curavam), mas umas 8 tinham um efeito terapêutico poderoso e contra estirpes diferentes. A sua utilização, mesmo comercial, tornaria muito mais baratos e acessíveis os tratamentos.

Divulgada a informação às indústrias farmacêuticas, a única coisa que lhes interessava era comprarem a patente, para que as plantas não pudessem ser utilizadas em medicamentos mais baratos...

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...
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Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,
Não sei se concorda comigo. Mas neste caso o mais ético não é mesmo quebrar as patentes? Por vezes não entendo a postura do terceiro mundo. E olhe que o Brasil até teve coragem de bater de frente com os laboratórios dos medicamentos da AIDS / SIDA, e por isso hoje é exemplo mundial na assistência a portadores do vírus.
Por outro lado, não consegue ter força para se proteger, ou proteger as suas próprias riquezas naturais. Imagine a ainda mais frágil São Tomé.
Isto é mesmo um crime contra a humanidade!!!

(Paulo Granjo) disse...

Bem... em S. Tomé, as patentes não foram vendidas, mas porque o estudo foi feito pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical, de Lisboa, e eles consideraram essa hipótese obscena. Tanto quanto sei, o conhecimento que produziram foi divulgado e é do domínio público, mas ninguém lhe pega pois faria diminuir lucros.

O que vou escrever é estranho em alguém que vive das suas capacidades intelectuais, mas num mundo ideal eu seria até contra a própria ideia de propriedade intelectual, pois o intelecto individual é em muito grande parte um resultado do investimento da sociedade nos seus membros e da sua vivência social.

No mundo real fica diferente, mas colocam-se também outros problemas éticos.
Por exemplo, os detentores de patentes (da propriedade intelectual) nas tecno-ciências quase nunca são os intelectos que as produziram, mas as empresas que compraram essa força de trabalho intelectual, como a qualquer proletário dos escritos de Marx...
É claro que também fornecem os instrumentos de trabalho (as condições de pesquisa), mas isso também qualquer capitão da indústria pode dizer, sem deixar por isso de ser um explorador de mais-valias...

Mas mesmo dentro da lógica capitalista que cada vez mais rege a investigação científica, há questões de justiça.
Por essa lógica, quem investe em pesquisa e obtém resultados deve ter uma "justa compensação" do seu investimento - em lucros.
Mas, para que seja "justa", deverá ser razoável e proporcional, e não poderá arrastar indefinidamente situações especulativas de monopólio.

Tendo em conta isso, penso que o mais razoável (como eu detesto esta palavra, em contextos como este!) seria limitar internacionalmente a duração de vigência das patentes, em função do investimento de que resultam.
E que, em casos de evidente interesse público para o conjunto da humanidade (como em grande parte das questões de saúde), houvesse alienação da patente para o domínio público mundial, feita por instâncias internacionais, com indemnização aos seus proprietários.

Na situação presente, a quebra de patentes dos medicamentos contra VIH por parte do Brasil parece-me da mais elementar justiça - não só em termos sociais, mas até porque a "retribuição" já tinha sido mais que "justa".
Não só da mais elementar justiça, como de "justiça poética".

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,

Indo para o lado poético, tudo estaria resolvido se o ser humano tivesse sempre o bom senso como voce mostra neste momento na sua lógica lúcida. Que a sociedade conseguisse regulamentar cada negócio, vinculado a patentes, e a sua periodicidade, pois afinal resultados e investimentos não têm sempre a mesma relação de retorno.
Por outro lado, investimentos que estivessem vinculados em questões supérfulas, que cada empresa invista o que quizer e que seja inteligente no marketing para mostrar ao seu público que o seu produto é melhor que o do concorrente. Quando se fala em investimentos de primeira necessidade, que, por exemplo, se vincula à saúde e ao bem estar da humanidade, no verdadeiro sentido da palavra, os estados deveriam estar envolvidos e subsidiando estas pesquisas, sem que estes estados ricos tivessem preocupados em recuperar os seus investimentos sobre os estados mais pobres. Sendo assim as patentes perderiam a razão de ser.
Sei que viajei na "poesia", mas não se paga para sonhar e ninguém virá me dizer que tem a patente do "sonho". :)
Um abraço.
Zé Paulo

(Paulo Granjo) disse...

É. Mas, até lá, a posição do estado brasileiro relativamente aos medicamentos anti-HIV já foi uma boa pedrada no charco.