sábado, 2 de agosto de 2008

Estímulo ao SIDA


Regressado hoje a Maputo, fui surpreendido pela faixa propagandística que atravessava uma avenida e anunciava a Semana do Aleitamento Materno, sob o muito olímpico lema Aleitamento Materno, o Caminho para a Medalha de Ouro.
O Navegador Solitário levou-me, entretanto, a um artigo do Notícias, em que se afirma que «o Governo tem como uma das prioridades promover o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses».

Confesso que não percebo muito bem o que é que há a promover, já que a quase totalidade da população pratica o aleitamento materno, quanto mais não seja por não ter acesso a outra alternativa, se a quisesse.
Será que a campanha se dirige às camadas abastadas? Mas por que a fazer, então, nos bairros populares?
Será que é uma daquelas coisas que se fazem porque há dinheiro disponível e sempre se pode dizer que se fez?

No entanto, o mais desagradável e preocupante com esta campanha não é a sua redundância, num país com tantas carências de saúde, mas algo que já aflorei por aqui:

É dito no artigo, pela voz de uma responsável governamental, que «o aleitamento materno protege as crianças de infecções como a diarreia e a pneumonia e acelera a recuperação após o parto». E é verdade.
É também dito que «o leite materno é o melhor alimento para os bebés, pois satisfaz as necessidades nutricionais completas quando dado exclusivamente até aos seis meses». E é verdade, também.

Mas outra verdade, relevante num país com uma elevada taxa de infecção por HIV, é que o aleitamento materno, por parte de mulheres seropositivas, é um dos principais factores de infecção dos filhos.
A placenta é um poderoso filtro contra o virus. Sabe-se há mais de 10 anos, por estudos realizados em diversos países, que apenas 12 a 14% dos filhos de mães seropositivas ficam infectados, caso nasçam por cesariana e não recebam aleitamento materno. Com parto natural e amamentação, estes números duplicam.

É, portanto, do mais elementar bom senso detectar tão precocemente quanto possível o HIV nas grávidas, proporcionar parto por cesariana às seropositivas sempre que tal seja possível, e fornecer-lhes condições para não amamentarem, pois a grande maioria delas não terá dinheiro para leite em pó ou conhecimentos acerca da necessidade e forma de esterilizar água e biberões.
Não, certamente, tecer loas universais ao aleitamento materno que, ainda por cima, quase toda a gente pratica.

É por isso que fiquei chocado ao ler em 1999, numa revista gratuita que por aí havia, chamada Que Passa?, um artigo daquilo que parecia ser um médico sueco, negando que o aleitamento materno aumentasse o perigo de transmissão de HIV e defendendo que o perigo estava, antes, em alternar peito e leite em pó...
Cientificamente, isso era já, na altura, uma conhecida mentira.
Eticamente, era um apelo ao infanticídio.

9 anos depois, é mais que tempo de mudar de rumo, de discurso e de práticas.
Porque, se uma Vice-ministra da Agricultura não tem obrigação de perceber destas coisas, um Ministério da Saúde tem.
Adenda - Numa calinada que demonstra que não lemos as palavras letra a letra, crismei como "Navegador Solitário" o blog do Agry White, que tem um título muito mais interessante e subtil: Navegador Solidário. As minhas sinceras desculpas ao autor.

4 comentários:

AGRY disse...

Agradeci e respondi ao seu comentário no Navegador Solidário. É frequente, apelidarem o blog de Solitário. SOLIDÁRIO. O primeiro sugere egocentrismo ou isolocrata

De facto, peguei na noticia, sem muita convicção mas o salário que me pagam para manter este blog obriga-me a estas concessões rsrsrrs
No que respeita às campanhas estimuladoras da SIDA, não poderia estar mais de acordo consigo. Se reparar, o texto do NOTICIAS sugere um conjunto desordenado de colagens de diversos autores!
A questão central da notícia é, supostamente, a SIDA. Depois, é o/a vice ministro da agricultura a proceder à abertura solene da Semana do Aleitamento e a “fazer” de técnico de saúde!
(Não basta ser mulher de César é preciso parecê-lo. O contrário também é verdade)
Ao ler a noticia também fui assaltado por esta incoerência. Não seria mais adequado delegar essa tarefa em alguém ligado à Saúde? Não há, em Moçambique, pessoas tecnicamente melhor apetrechadas para fazer essa abordagem?
Regressando à noticia e ao Noticias. Como é verificável, metade da noticia dedica-se à SIDA.
O restante gira em torno da intervenção de Catarina Pajume, vice-ministra da agricultura.
Reconheço ,sem esforço, a justeza do seu comentário no que respeita à propagação da Sida
pelo contacto com sangue e fluidos vaginais da mãe bem como o carácter desinformativo destas campanhas.
Finalmente,reafirmar a acuidade do seu comentário justamente porque desmistifica e põe a nu aspectos da maior relevância nos cuidados a observar no combate SIDA neles incluíndo a amamentação.
Quem o ler ficará, seguramente, melhor esclarecido

(Paulo Granjo) disse...

Espero que este comentário não surja duplicado, pois já o enviei sem que me apareça publicado. Parece que este blog é cão que não conhece o dono...

As minhas desculpas pelo engano no nome do seu blog, por onde tantas vezes já passei, convencido de que era "Solitário".
É mais uma demonstração de que não lemos as palavras letra a letra, mas em "pacotes" visuais e em função daquilo que esperamos esteja lá escrito. Já tinha ouvido e lido acerca deste assunto, mas é a primeira vez que tenho consciência de me enganar por causa disso.

Mas imagino que seja frustrante encontrar um nome tão bom e subtil para o blog e, depois, virem distraídos como eu deturpá-lo.
Não sou muito de alterar "pela surra" o que já está escrito, pelo que acrescentei uma adenda com o nome correcto. Pode ser que, assim, chame a atenção de outros distraídos.

Um abraço.

Anónimo disse...

boas primo
epa acabei de mandar esta mensagem para outro sitio qualquer..
precisava que me mandasses um mail para poder falar ctg..
abraco
pgranjo@gmail.com

BÉ disse...

para ter um vídeo da ELIS REGINA, é porque é uma pessoa com muito bom gosto...foi simplesmente a melhor cantora brasileira..
não tem nada a ver com política ou muito menos com antropologia mas de qualquer modo gostava de expressar a minha alegria em ver que alguém aprecia boa música

Ana Alves