domingo, 26 de outubro de 2008

Be afraid, be very afraid


Os ministros das finanças são sempre umas personagens talhadas para o ódio público, por muito boa pessoa que sejam.
Afinal, são o rosto de quem nos vai ao bolso, das benesses fiscais para as actividades especulativas, dos cortes orçamentais para despesas sociais, and so on.

Não é de esperar é que eles sejam o rosto de atitudes policiescas indignas e de legalidade no mínimo duvidosa. Que sejam o rosto, não dos impostos que nos pesam, mas da assunção pelo Estado de prerrogativas e métodos próprios da PIDE, de regimes totalitários ou de um qualquer 1984.

Acontece que os e-mails dos funcionários da Direcção-Geral de Impostos foram sistematicamente violados pela Inspecção Geral da Finanças, à procura de fugas de informações para os jornais.

Claro que tais fugas de informação violam o dever de lealdade dos funcionários e o sigilo fiscal (a não ser que se refiram a falcatruas feitas pelos próprios serviços, caso em que o segundo não se coloca e o primeiro se submete ao dever de denúncia de ilícito legal).

Mas, num país em que (pelo menos legalmente) só juízes podem autorizar escutas telefónicas e é proibida a violação de correspondência, é normal que um Direcção-Geral se lembre de violar correspondência electrónica e que um Ministro ache natural (e se ache no direito de) autorizá-lo?

Que gente é esta, que nos governa?
Num outro país, que está bem longe de ter 34 anos de democracia e de estado de direito, fui avisado do facto de os telefonemas e e-mails de académicos serem controlados e vigiados. Mas, mesmo aí, a coisa era vista como um ilegalidade e abuso, perpetrado pela "secreta".

Em Portugal, é suposto tornar-se admissível?
E, se um Ministro acha isso normal, é suposto que o DIAP ache também normal aceitar esses materiais como provas?

Do Ministro, só espero a demissão.
Da Assembleia da República, a clarificação do vazio legal acerca deste assunto, se é que ele existe.
E, se não existem dubiedades ou vazios na lei, espero do Ministério Público a criminalização das pessoas que autorizaram e executaram esta vergonha.
Dos meus concidadãos portugueses, espero que não compactuem com estes Big Brothers em crescimento.
Este caso mostra que já há razão para dizer «Be afraid, be very afraid». Se acharmos que "é a vida", vão ver como tudo isto crescerá muito depressa.

3 comentários:

Anónimo disse...

É neste tipo de post que se vê a completa ignorância de certas pessoas que so querem dizer mal do governo ( e não estou a falar especialmente deste, mas de qualquer um - são as pessoas do contra).

Para começar, e só para não referir o sigilo profissional que qualquer um de nós está obrigado moralmente a manter nos nossos postos de trabalho (seja ele público ou privado) no caso dos funcionários públicos existe ainda uma coisa que se chama Estatuto Disciplinar (que à data dos acontecimentos era o decreto-lei 24/84 e que recentemente foi revogado pela Lei 58/2008) que estabelece uma série de deveres a serem respeitados pelos funcionários públicos e as penas a serem aplicadas quando estes não sejam cumpridos. APARENTEMENTE É FUNCIONÁRIO PÚBLICO, DEVIA SABER ISSO MELHOR QUE NINGUÉM.

Segundo eu sei também, os funcionários das finanças têm, nos seus postos de trabalho, o acesso vedado à Internet, ficando apenas com as ferramentas necessários para desenvolver a sua actividade, logo, sujeitos à supervisão da entidade patronal.


Terceiro, se a auditoria que levou a esta análise estava prevista, é muito estúpido por parte dos funcionários terem continuado (supostamente) a enviar mensagens.


E agora outra coisa, gostava de ver a atitude das pessoas que criticam esta atitude, caso se um dos vossos familiares viesse para a rua contar o que se passa dentro de vossa casa!! Devia ser lindo.... Caia o carmo e a trindade. Somos todos muito liberais e defensores dos nossos direitos até o mal nos bater à porta

(Paulo Granjo) disse...

É neste tipo de comentário que se vê a anónima cobardia moral e a completa falta de cultura democrática, legal e de direitos de cidadania de certas pessoas que navegam pela net.

Os deveres profissionais e os estatutos disciplinares são para cumprir, é de exigir o seu cumprimento e é de investigar quando tal não acontece.

(São, entretanto, excepções justificadas ao seu cumprimento normas ilegais ou inconstitucionais, e é excepção legalmente obrigatória a denúncia de ilícitos legais. Mas isto são pormenores à parte, pois nem a notícia indica se era ou não este o caso, nem se trata aqui de defender fugas de informação.)

Mas a investigação de incumprimentos profissionais, tal como aliás a dos crimes mais graves e repugnantes, tem regras e limitações legais, decorrentes dos direitos de cidadania (que se aplicam a toda a gente, sem excepção dos assassinos, dos funcionários que fazem fugas de informação ou das pessoas que, não sendo nem uma coisa nem outra, estariam em posição de o poder ter sido) e dos consensos jurídicos alcançados na sociedade.

Não respeitar essas regras (como, por exemplo, fazer buscas, escutas ou violações de correspondência ou sigilo sem base legal e autorização judicial, torturar ou ameaçar a integridade física dos suspeitos) é ilícito ou criminoso.

Aceitar que isso se faça, porque os fins justificam os meios, é abrir mão de direitos de cidadania consensualizados na nossa civilização.
Que não são estabelecidos para proteger os criminosos, mas todos os cidadãos (logo neste caso, todos os funcionários tiveram a sua correspondência violada, não apenas os eventuais culpados) e a própria sociedade, tal como esta se concebe.
Com todos os seus eventuais defeitos, o estado de direito é o contrato de regras essenciais de coexistência, sob regimes não tirânicos.

Um Ministro tem uma obrigação acrescida de respeitar e fazer respeitar a lei.
Se não o faz, deixa de ser qualificado para o exercício do cargo, não em termos técnicos ou politico-partidários, mas em termos morais e de res-publica.
Se esse desrespeito pela lei se refere ao atropelo a direitos de cidadania básicos, a sua actuação torna-se mesmo incompatível com os princípios, também eles básicos, do regime que lhe atribuiu o cargo.

Percebeu, ou tudo isto é muito liberal, legal e filosófico para os seus anónimos neurónios?

(Paulo Granjo) disse...

PS: infelizmente, no que toca ao vínculo, não sou funcionário público. Sou contratado pelo Estado para, após concurso público, exercer por um período pré-determinado uma função igual à de colegas que estão no quadro. Não é a situação mais desejável, mas considero, mesmo assim, um raro privilégio exercer a profissão que exerço, no sítio onde o faço.

PS 2: se se der ao trabalho de procurar mais para trás, verá que já por aqui elogiei governantes e políticos. Normalmente, por aquilo que lhe falta: cultura democrática.