terça-feira, 28 de outubro de 2008

E-mails, again


Pois é. Disse uma asneira no meu post de ontem acerca da devassa dos e-mails de funcionários das finanças por parte da IGF.

Segundo esclareceu durante o telejornal um docente especilizado nessa área jurídica, mesmo a abertura de caixas de e-mail e consulta dos destinatários, remetentes ou subjects (ou até a consulta dos históricos, para verificar a que sites se acedeu) constitui um crime à luz da legislação em vigor, caso seja feita sem autorização explícita do trabalhador.
A excepção são investigações criminais, efectuadas pelas forças policiais competentes e com autorização judicial.

Assim, mesmo que a abertura e leitura dos e-mails tenha sido feita pelo DIAP, com autorização implícita do Tribunal de Investigação Criminal ao interpretar que as mensagens correspondiam a correspondência já aberta que poderia ser apreendida pelo Ministério Público (interpretação bastante extensiva e que Garcia Pereira considera hoje errada, na p. 39 do Público), tudo o que foi feito antes é ilegal e abusivo.

Em suma, a Inspeção Geral das Finanças cometeu mesmo um crime ao aceder às caixas de e-mail dos funcionários e identificar destinatários e subjects, tendo o Ministro das Finanças autorizado esse crime.
Voltamos à estaca zero.


Entretanto, o Navegador Solidário indica-nos, num comentário, este link para as posições do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos.
Vale a pena ver. Embora, se os funcionários abusados foram as vítimas directas deste caso, são uma ínfima minoria das pessoas a quem este assunto diz respeito. Todos nós.

4 comentários:

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,

Me acho bastante democrático, tanto que vejo que a democracia, com os seus deveres e obrigações, tanto para baixo como para cima, ou seja, para estruturas patronais ou de trabalhadores. Isso vale tanto para organizações privadas como para organizações públicas.
A internet, dentro destas organizações, deve ser vista como ferramenta de trabalho. Seja quando se navega para se fazer uma pesquisa, ou alimentar algum site com dados fiscais, cadastrais ou similares, ou quando se usam ferramentas como e.mails.
Um e.mail dentro de uma organização privada ou pública não é diferente de uma correspondência e/ memorando, que não pode ser considerado secreto para a direção da empresa e/orgão público, ou que se precise de uma autorização judicial para abrir um envelope destes se a direção desconfiar do conteúdo que seja enviado, em nome da empresa / organização, por um dos seus, teóricamente, colaboradores, seja o destinatário interno ou externo.
Há também que levar em conta os altos investimentos e custos que as empresas / organizações têm para manter estruturas de redes de intranet e extranet para que não possam elas controlar o que os funcionários ficam enviando de um lado para o outro, como anexos, nos seus e.mails, consumindo muitas vezes grande banda dos links contratados, além de colocar os dados e os sistemas das empresas em risco com os vírus com mensagens passadas entre colegas, como pps, imagens, músicas, etc.
A liberdade deve ser feita com responsabilidade e deve ser dividida entre todos. E se a ferramenta é disponibilizada pelas empresas ou orgãos, nada mais coerente que estes tenham o direito de controlarem o bom uso da mesma.
É claro que não digo que as empresas tenham o direito de invadirem e.mails pessoais, não disponibilizados pela empresa, como os gratuitos hotmail, gmail e outros. Se as empresas não usam ferramentas para limitarem os seus colaboradores em acessarem estes tipos de site, também não devem ter o direito depois buscar ver o que foi usado em espaço privado, mas direito de saber como os seus hoemns estão usando as ferramnetas das empresas / orgãos públicos, não vejo como encriminar.

Grande abraço para ti.

Zé Paulo

(Paulo Granjo) disse...

Viva, Zé Paulo.

Plenamente de acordo quanto à necessidade de uso responsável dessas ferramentas (neste caso extranet) e, também, quanto à necessidade de cumprir e de fazer cumprir o dever de lealdade ou mesmo obrigações legais ou internas de sigilo - excepto, claro, quando a lei obriga a não o fazer como no caso em que se tenha conhecimento da prática de um crime.

Mas existe um quadro legal que equipara as comunicações electrónicas feitas a partir e/ou para endereços individuais (mesmo que com extensão de empresa ou instituição), ao contrário do que acontece para endereços funcionais ("administração", "armazém", "direcçãodepessoal", etc.) como correspondência privada que, tal como os seus registos, goza da mesma protecção legal que uma carta.
Também ninguém concorda que um funcionário passe o horário de trabalho a aceder a sites porno, mas a verdade é que, para o provar, nem o "histórico" do seu browser pode ser consultado.
Não é um capricho de legisladores empenhados em dificultar a vida das instituições e empresas, mas uma extensão lógica das garantias de cidadania já consensualizadas em relação a formas de comunicação pré-existentes.

Por vezes, as pessoas aceitam consensualmente controles que são ilegais, por uma questão de razoabilidade.
Por exemplo, é comum as entidades empregadoras analisarem os registos dos números de telefone para onde foram feitas chamadas a partir das várias extensões da empresa, para controlar abusos de telefonemas internacionais ou de valor acrescentado que não sejam de serviço. É ilegal, mas as pessoas consensualmente não se opõem, por acharem razoável. Mas teriam o direito de o fazer.

Neste caso da IGF, um organismo estatal decidiu efectuar uma investigação interna recorrendo a meios ilegais (e, se isso está previsto nos contratos de trabalho, esse item do contrato também é ilegal e judicialmente nulo, à luz da legislação) e que anulariam a validade das provas, caso fossem presentes a tribunal (como aconteceu já em casos de despedimento em empresas privadas).

Seria já grave no caso de isto se ter passado numa empresa.
No caso de um organismo estatal torna-se ainda mais grave. Porque uma das funções do Estado é ser garante da legalidade que ele próprio institui. E porque pelo contrário o Estado, por ser Estado, se acha no direito de as violar.

Sobretudo, esta questão parece-me ter uma gravidade bastante maior do que o próprio caso porque, quando aceitamos como normal ou irrelevante um desrespeito por direitos e garantias de cidadania por acharmos que aquilo que está em causa (descobrir um ilícito, um crime ou mesmo um terrorista) talvez o justifique, estamos a naturalizar o direito dos poderes instituídos (privados ou públicos) a praticarem medidas de excepção em função da avaliação casuística que façam dos acontecimentos em causa.
Passo a passo e rapidamente, acharemos natural Guantanamo, a tortura, a prisão sem julgamento de pessoas que o poder ache ter razões para considerar perigosas, ou a vigilância cerrada sobre todos nós ou sobre grupos específicos - profissionais, políticos, sociais ou étnicos.

E isso tanto pode acontecer num regime despótico como num regime democrático.

(Desculpe a linguagem um pouco embrulhada, mas estou a responder à pressa.)

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Grande Paulo,

Estamos mesmo falando de legislações diferentes, no caso a portuguesa e a brasileira.
Mas independente de leis, tenho de fato algumas visões diferentes das suas sobre o tema.
Poderíamos, se achar válido, pelo tema e pela estrutura que aqui vou-lhe propor, evoluir neste tema. Voce postando aqui a sua visão e legislação pertinente em Portugal, e eu, com a minha visão e a legislação (pouca) brasileira sobre o tema.

Um abraço.

Zé Paulo

(Paulo Granjo) disse...

Seria interessante. Aliás, acompanhei o post que colocou sobre as perspectivas de controle europeu à internet, embora não tenha deixado lá comentários.

Mas, em vez de ping-pong, talvez seja mais simples fazer um post no seu blog (eu já tenho aqui estes), eu participo lá e anuncio aqui. Quem quiser acompanhar a questão, vai ao seu blog.

Entretanto, há vários aspectos da legislação portuguesa que só conheci por causa deste caso. Pensava que ela era mais permissiva relativamente a controles.
Aliás, curiosamente, a própria entidade encarregue da protecção de dados publica indicações que, afinal, não correspondem à legislação em que se devia basear...