O Prémio Nobel da Física deste ano foi atribuído ao descobridor da fibra óptica (Charles Kao) e aos inventores do sensor que serve de "olho" às actuais máquinas fotográficas digitais (William Boyle e George Smith).
Das duas uma: ou não há mais ninguém vivo cujo trabalho em física fundamental seja merecedor de um Prémio Nobel (o que de facto custa a crer); ou o júri quiz atribuir cartas de nobreza à investigação aplicada - tanto em tecnologia, quanto em negócios.
É óbvio que a fibra óptica veio exponenciar a capacidade de transmissão de dados e o negócio a ela associado, com isso exponenciando outras actividades humanas, incluindo a científica.
É óbvio, também, que os sensores digitais não vieram apenas revolucionar a captação e consumo de imagens e o negócio que lhes está associado, tendo também potenciado outras aplicações tecnológicas - incluindo, de novo, no campo científico.
Também nada tenho, claro, contra a aplicabilidade do trabalho científico e, menos ainda, contra o seu uso em benefício da vida das pessoas. Aliás, mesmo que tivesse, o mundo estar-se-ia nas tintas para isso e teria razão.
Mas premiar estas descobertas que visaram aplicações tecnológicas e comerciais, em detrimento da compreensão do mundo, parece-me mais do que um desvirtuar do espírito do prémio.
Ou, até, mais do que uma dignificação da pesquisa aplicada.
Soa-me, sobretudo, a uma legitimação da cada vez maior submissão do trabalho científico aos princípios do utilitarismo tecnológico e económico.
E não gostaria de viver num mundo em que todos os físicos acabassem em engenheiros.
Até porque, se a modéstia e capacidade auto-reflexiva são limitadas no campo da ciência, são quase inexistentes no campo da tecnologia.
E, lá, a capacidade de fazer mal é muito superior.
Sem comentários:
Enviar um comentário