Alertado por um post do António Figueira para este pedaço de prosa de João Pinto e Castro no Jugular, não resisti a por lá deixar um comentário – que não resisto, agora, a partilhar convosco:
Não tenho nenhuma simpatia pelo corporativismo e quase impunidade dos magistrados (particularmente dos juízes), mas:
1. A separação de poderes é uma pedra basilar das democracias, tal como são entendidas nos países da matriz socio-cultural em que nos inserimos (vulgo “ocidentais”). Os casos em que esse princípio foi subvertido, mesmo que parcialmente, resultaram de (ou vieram a facilitar) subversões da democracia ou assumidas ditaduras. Mesmo nestas, a submissão do poder judicial ao poder executivo foram encaradas como inaceitáveis práticas de sonegação de justiça.
2. Nestes tais países, são raríssimos os casos onde juízes e/ou procuradores são eleitos – e, mesmo aí, só até determinados níveis. Independentemente dos méritos que possamos apontar, em abstracto, a essa solução, o resultado é, também e frequentemente, uma subordinação da sua actuação, prioridades e decisões aos calendários eleitorais. Para isso, desculpem-me, já basta a forma como a política é praticada pelos partidos “a sério”, como diz a Irene Pimentel, ou, se preferirem, por aqueles que têm fundadas expectativas de manter ou alcançar o poder governativo.
3. Os procuradores do caso Freeport, conforme é público e conhecido apesar da barragem de inverdades repetidas acerca do assunto (incluindo algumas declarações do PGR), pegaram no dossier em 2008, depois de ele ser deixado a cargo de um procurador de comarca, atafulhado de serviço e sem condições de investigação. Procurador que, no entanto, parece que foi procedendo às diligências possíveis.
4. O caso só passou para as instâncias que ele justificava quando a polícia inglesa suscitou suspeitas preocupantes, que foram tornadas públicas pelos “jornalistas sem princípios” britânicos, de que os seus colegas portugueses se fizeram eco. Caso contrário, é plausível supô-lo, lá ficaria no Montijo até apodrecer. Era o desejado por si?
5. Os procuradores foram, conforme confirmado no processo disciplinar que daí decorreu, pressionados por um colega hierarquicamente superior mas numa linha paralela à sua (e próximo do poder político), para arquivarem o processo e não multiplicarem diligências. Independentemente de quem tenha encomendado o sermão, é essa a sua visão de uma relação desejável e digna entre o poder executivo e judicial?
6. Enquanto estes procuradores procediam a averiguações, nas quais são teoricamente autónomos, o PGR e a Procuradora-Adjunta de quem eles dependiam afirmaram por várias vezes que um cidadão em concreto (José Sócrates de Sousa) não tinha culpas no assunto. Será este facto inusitado irrelevante para quem investiga?
7. Não se sabe o que entretanto aconteceu em privado, no relacionamento destes procuradores com os seus superiores hierárquicos ou outras figuras do Estado. Mas o carácter também ele inusitado de, no acordão, escreverem que não puderam fazer determinadas perguntas ao Primeiro-Ministro por tal ser impossível dentro do prazo que lhes foi superiormente imposto para o encerramento do processo, juntando ainda por cima as perguntas que consideravam necessárias, parece deixar poucas dúvidas acerca do que querem dizer e não quiseram explicitamente escrever: Que consideram que, sem resposta a essas perguntas, o caso não fica esclarecido. Que consideram que a prazo imposto os impossibilitou de tentarem apurar a verdade, sendo uma interferência fulcral no seu trabalho e, potencialmente, nas suas conclusões. É bonito da sua parte? Talvez não. É legítimo, civilizado, corajoso e responsável? Certamente.
8. Em resultado disso, o PGR com mais poderes desde sempre vem queixar-se que não tem poder nenhum e que o sindicato do ministério público é um lobby de interesses particulares e políticos. Ele, declarou a sua morte anunciada no cargo. Você vai ainda mais longe. Diz que o sindicato (e não o Conselho Superior, ou o PGR e seus adjuntos, ou os procuradores distritais, ou os restantes) é que decide o que é que se investiga e como se investiga. De onde lhe vem esse poder maquiavélico? Montou uma estrutura hierárquica paralela? São os seus corpos gerentes que criam os processos desconfortáveis para o poder político? Chantageiam os colegas para fazerem o que eles querem?
9. Não deixa de ser curioso que, reclamando afinal o poder judicial para o poder político (aquele que é eleito - segundo parece, a única forma de legitimidade que reconhece dentro do aparelho de Estado, mas que suponho não quererá aplicar às direcções-gerais, acessorias e quejandos), demonize a única estrutura eleita no âmbito do Ministério Público, embora não lhe pertença (isto porque, como sabe, só uma minoria do respeitado Conselho Superior é eleita, e só uma ínfima parte pelos seus pares). Mas isso é apenas curioso; o que é preocupante é a sua visão monolítica e totalitária do Estado.
10. Não deixa também de ser curioso que, quando um juíz abusivo e incompetente (é essa a tradução para português corrente dos “erros grosseiros” que lhe foram apontados em tribunal superior) assassinou politicamente Paulo Pedroso e, através disso, encurralou Ferro Rodrigues que os seus camaradas se apressaram a também apunhalar e substituir, não vociferaram tão alto acerca de maningâncias sindicais ou corporativas. Será que você também deu a sua facadinha?
sábado, 7 de agosto de 2010
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