Com mais frequência do que se julga, há afirmações e decisões que, de tão evidentemente absurdas que parecem a quem as ouve e sofre, lhes surgem como descaradas e deliberadas mentiras, quando na verdade não o são para quem as profere.
A questão é que a realidade não se "mete pelos olhos dentro". Cada um a entende de acordo com os quadros de interpretação e valoração que recebeu e em parte escolheu, fazendo com que o sentido de um mesmo acontecimento possa ser quase oposto para pessoas diferentes e com que o debate se torne quase impossível, por essas pessoas não estarem afinal a debater a mesma coisa, mas coisas diferentes e segundo pressupostos diferentes.
No entanto, isso não impede (a menos que estejamos em coma mental, ou sejamos incapazes de qualquer honestidade perante nós próprios e as visões do mundo que partilhamos) que a 'realidade' se possa tornar tão discrepante dos quadros de interpretação a que estamos habituados que reconheçamos o nosso erro. É, por exemplo, o que aconteceu em 2008 com o guru institucional da ausência de regulação dos mercados financeiros, ao reconhecer que a ideologia que o guiou ao longo de 18 anos à cabeça da Reserva Federal norte-americana está errada.
Tal como não impede que aquilo que dizemos acerca de um acontecimento ou decisão tenha que ser minimamente coerente com os quadros de interpretação e valoração que partilhamos. Caso contrário, ou somos mentirosos ou somos imbecis.
Vem esta divagação a propósito da entrevista televisiva do ministro da economia Santos Pereira, ontem à noite.
Afirmou ele sem rebuço que as medidas integradas no chamado Acordo de Concertação Social criavam emprego. Recusou-se em seguida a responder se esse emprego era estável ou precário, mas a questão nem é essa.
Enfiemos por momentos um carapuço de pensamento neo-liberal. E perguntemo-nos:
Como é que a possibilidade de, sem pagar por isso, fazer os empregados trabalharem 10 horas por dia durante mais de 3 meses, trabalhando menos quando não dá jeito, pode estimular a criação de emprego?
Em que é que o emprego é estimulado pela redução para metade (e sem compensação de tempo de descanso) do pagamento das horas estraordinárias que, depois disso, ainda sejam necessárias?
Ou pela passagem das horas extraordinárias durante sábados e feriados ao regime de dias úteis, deixando de ser pagas a 100% e com compensação de 100% em tempo de descanso?
Todas essas medidas estimulam e convidam, pelo contrário, à "racionalização" e "downsizing" das empresas ou, por palavras menos eufemísticas, ao despedimento dos trabalhadores que, perante este quadro, deixem de ser imprescindíveis. Pois torna-se financeiramente vantajoso fazê-lo.
Poder-se-ia até afirmar que estas medidas evitam um ainda pior desemprego, ao fornecerem às empresas vantagens que lhes permitem sobreviver sem mexerem na paupérrima qualidade de gestão que nos faz trabalhar mais e produzir menos. É muitíssimo discutível, mas seria pelo menos um argumento com alguma lógica (neo-liberal).
Mas não foi isso que foi dito.
O que Santos Pereira afirmou foi que estas medidas criavam emprego.
E, não constando que se trate de um imbecil impreparado acerca das próprias lógicas neo-liberais que perfilha (consta que é o contrário, por muito que isso possa espantar muita gente que o vê em acção política), o Ministro da Economia mentiu descarada e deliberadamente.
Porque este conjunto de medidas poderá bem ser a consubstanciação de uma "missão" que ele próprio e outros se atribuíram.
É evidentemente (tanto quanto algo o pode ser) uma tentativa de, à custa da vida dos trabalhadores e do consumo privado, minimizar a diminuição do PIB e as falência resultantes das políticas de austeridade.
Mas é também criador de desemprego, de miséria e de mais despesas estatais.
A questão é que a realidade não se "mete pelos olhos dentro". Cada um a entende de acordo com os quadros de interpretação e valoração que recebeu e em parte escolheu, fazendo com que o sentido de um mesmo acontecimento possa ser quase oposto para pessoas diferentes e com que o debate se torne quase impossível, por essas pessoas não estarem afinal a debater a mesma coisa, mas coisas diferentes e segundo pressupostos diferentes.
No entanto, isso não impede (a menos que estejamos em coma mental, ou sejamos incapazes de qualquer honestidade perante nós próprios e as visões do mundo que partilhamos) que a 'realidade' se possa tornar tão discrepante dos quadros de interpretação a que estamos habituados que reconheçamos o nosso erro. É, por exemplo, o que aconteceu em 2008 com o guru institucional da ausência de regulação dos mercados financeiros, ao reconhecer que a ideologia que o guiou ao longo de 18 anos à cabeça da Reserva Federal norte-americana está errada.
Tal como não impede que aquilo que dizemos acerca de um acontecimento ou decisão tenha que ser minimamente coerente com os quadros de interpretação e valoração que partilhamos. Caso contrário, ou somos mentirosos ou somos imbecis.
Vem esta divagação a propósito da entrevista televisiva do ministro da economia Santos Pereira, ontem à noite.
Afirmou ele sem rebuço que as medidas integradas no chamado Acordo de Concertação Social criavam emprego. Recusou-se em seguida a responder se esse emprego era estável ou precário, mas a questão nem é essa.
Enfiemos por momentos um carapuço de pensamento neo-liberal. E perguntemo-nos:
Como é que a possibilidade de, sem pagar por isso, fazer os empregados trabalharem 10 horas por dia durante mais de 3 meses, trabalhando menos quando não dá jeito, pode estimular a criação de emprego?
Em que é que o emprego é estimulado pela redução para metade (e sem compensação de tempo de descanso) do pagamento das horas estraordinárias que, depois disso, ainda sejam necessárias?
Ou pela passagem das horas extraordinárias durante sábados e feriados ao regime de dias úteis, deixando de ser pagas a 100% e com compensação de 100% em tempo de descanso?
Todas essas medidas estimulam e convidam, pelo contrário, à "racionalização" e "downsizing" das empresas ou, por palavras menos eufemísticas, ao despedimento dos trabalhadores que, perante este quadro, deixem de ser imprescindíveis. Pois torna-se financeiramente vantajoso fazê-lo.
Poder-se-ia até afirmar que estas medidas evitam um ainda pior desemprego, ao fornecerem às empresas vantagens que lhes permitem sobreviver sem mexerem na paupérrima qualidade de gestão que nos faz trabalhar mais e produzir menos. É muitíssimo discutível, mas seria pelo menos um argumento com alguma lógica (neo-liberal).
Mas não foi isso que foi dito.
O que Santos Pereira afirmou foi que estas medidas criavam emprego.
E, não constando que se trate de um imbecil impreparado acerca das próprias lógicas neo-liberais que perfilha (consta que é o contrário, por muito que isso possa espantar muita gente que o vê em acção política), o Ministro da Economia mentiu descarada e deliberadamente.
Porque este conjunto de medidas poderá bem ser a consubstanciação de uma "missão" que ele próprio e outros se atribuíram.
É evidentemente (tanto quanto algo o pode ser) uma tentativa de, à custa da vida dos trabalhadores e do consumo privado, minimizar a diminuição do PIB e as falência resultantes das políticas de austeridade.
Mas é também criador de desemprego, de miséria e de mais despesas estatais.
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