O governo, as confederações patronais e a UGT assinaram hoje aquilo a que chamaram um acordo de concertação social.
Deixando para outros o comentário às novas e mais gravosas regras para despedimento, acesso ao subsídio de desemprego e respectivo valor, pensemos um pouco naquilo que levou o economista e ex-ministro Daniel Bessa a dizer esta tarde, na televisão, que «ao pé disto, a meia-hora é uma brincadeira de crianças».
Para além do corte de 4 feriados, 3 dias de férias e de as empresas passarem a poder impor "pontes" a descontar nas férias dos trabalhadores, o filet mignon é o estabelecimento generalizado de uma "bolsa de horas" até um total de 150.
Quer isto dizer que as empresas, quando lhes convier, podem fazer os empregados trabalharem mais horas (até um total de 10 diárias), que são descontadas no horário laboral, quando lhes der jeito. Ou seja, podem obrigar-nos a trabalhar 10 horas por dia durante 75 dias úteis (mais de 3 meses) sem pagarem horas extraordinárias, mas apenas descontando esse tempo no resto do ano.
O que é que isto representa? Como, nos dias úteis, as horas suplementares são pagas a 150% (a primeira) e a 175% (as restantes), isto quer dizer que, por elas, os trabalhadores deixam de receber o equivalente a 2 semanas, 1 dia, 5 horas e 45 minutos de trabalho. Mas, como as horas extraordinárias são também compensadas (a 25%) em tempo de descanso retirado do horário normal, os trabalhadores que sejam obrigados pela empresa a esgotarem essa "bolsa de horas" vão, para além disso, ter que trabalhar mais 4 dias, 5 horas e 30 minutos sem serem pagos por isso.
Em suma, os trabalhadores passam a ter que trabalhar à borla 3 semanas, 1 dia, 3 horas e 15 minutos.
Com os tais 7 dias a mais de trabalho por ano, que já antes acompanhavam a "meia-hora por dia" que o governo queria impor, lá chegamos (com mais 3 horas e tal de trocos) ao número cabalistico-alvariano de 23 dias de trabalho não remunerado por ano que faz com que, na relação entre remuneração e tempo de trabalho, passemos a trabalhar o tempo de férias, sob outra forma.
Com a agravante, agora, de esse tempo de trabalho ser prestado quando der mais jeito ao patrão, ficando os trabalhadores (tal como em relação ao decretar de "pontes" e ao tempo de férias que virão realmente a ter) dependentes do arbítrio patronal para saberem qual o seu horário laboral e quando têm tempo para si, para as suas actividades privadas e para a sua família.
Para além de um roubo e de um abuso (pois uma coisa é negociar essa flexibilidade de horário, os seus termos e contrapartidas, e outra é ela ser imposta governamentalmente), isto é o sonho de um empresário, dir-se-á. E Daniel Bessa tê-lo-á pensado. Eu, não sei.
Sobretudo calhando esses períodos de jornadas de 10 horas, certamente, nas alturas de maior produção e intensidade de trabalho, todos os perigos que recentemente apontei à "meia-hora a mais" se tornam presentes e com ainda maior acuidade. Esses tempos de horário laboral mais extenso (sazonais, ou dependentes de flutuações de encomendas e do mercado) serão tempos de menor produção por quantidade de trabalho dispendido, de maior desperdício de matérias-primas e de mais acidentes de trabalho - com todos os seus custos para os trabalhadores, as empresas, a segurança social e o serviço nacional de saúde. Tudo à conta dessas duas horas extra, da facilidade de recorrer a elas devido à sua gratuitidade, e do cansaço - diário e acumulado - que provocarão nos trabalhadores.
Tão pouco contribuirá para aumentar o emprego (pelo contrário, mesmo no que respeita ao precário), ou para resolver os problemas económicos e empresariais de fundo. Afinal, se já agora se trabalha mais em Portugal que nos países mais ricos da UE, pagando-se muito pior a mão-de-obra, mas produzindo menos, em empresas menos competitivas, será preciso fazer um boneco? Não será evidente que (a par, nalguns sectores, dos custos de energia e outros factores de produção) o problema está na incompetência empresarial e de organização do trabalho? Nesse quadro, estas decisões não são mais do que um estímulo a que, à custa da vida dos trabalhadores, se continue a fazer mais do mesmo, agora mais barato e tornando mais fácil manter a incapacidade.
Quanto a quem trabalha e aos sindicatos, bem pode João Proença convencer-se a si próprio de que evitou o mal maior da tal famigerada meia-hora. Aliás, acredito bem (provavelmente, ao contrário da maioria dos leitores) de que ele estará convicto disso. Mas a verdade é que acabou por assinar o mesmo sob outra forma, ainda mais gravosa para os trabalhadores.
Esteve bem a CGTP ao recusar fazê-lo. Pelas razões invocadas e porque, ao bater com a porta, deixou claro que este "acordo de concertação social" não o é, mas apenas uma imposição governativa acolhida de braços abertos pelas confederações patronais e aceite sob coação pela central sindical que, de longe, é menos representativa.
Este é, afinal, um acordo de desconcertação social.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Porque é que (como diz Daniel Bessa), ao pé disto, a meia-hora é uma brincadeira de crianças
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