sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Birmânia

Não é inesperado e duvido mesmo que alguém acreditasse que não iriam haver cargas, mortos e feridos.
Tão pouco que não fosse presa muita gente para "interrogatório" sob tortura, ainda por cima por mera punição e nem sequer para obter qualquer informação relevante.
A barbárie em estado puro, enfim, de quem sente direito a poder absoluto e o direito de matar e punir com sofrimento quem o questione.

É inaceitável e chocante o que aconteceu, mas mais inaceitável ainda é a prática e a visão de poder que lhe subjaz.
Tendo na memória histórica poucas e curtas ditaduras militares, a par desse particularismo (embora não de todo exclusivo) de termos vivido um golpe militar com objectivos democráticos, temos tendência a vê-las como uma coisa meio folclórica, ou típica de países "ingovernáveis", como se tal coisa existisse. Só acordamos com sangue em directo, como se fosse tolerável o poder de senhores da guerra, obtido e mantido pela posse das armas, nas tintas para qualquer vontade ou consenso de quem não as tem.

Em abstracto, nada disto se torna mais grave pela presença mobilizadora de religiosos. São tão pouco inatacáveis, detentores da verdade ou "reservas morais da nação" como os militares com apetites de poder. Podem até encabeçar chamadas à violência generalizada, em defesa de hegemonias próprias, como as recentes freirinhas timorenses. Na Birmânia, contudo, tiveram o eloquente papel de usar o seu estatuto para demonstrar e expressar o consenso da sociedade - o que é muito e vale muito.

É esse consenso que está a ser reprimido. De uma forma tão mais merecedora da nossa admiração e da nossa solidariedade quanto, como comecei por dizer, as cargas, os mortos e os feridos eram previsíveis - e muito mais para quem desfilou do que para nós.

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