quinta-feira, 13 de março de 2008

Excertos de "Um Amor Colonial" (5)


«Um belo dia de Reis, eu estou no meu serviço e, como habitualmente, ia lá a casa dela. Eu lembro-me que não havia lá nada assim de especial e resolvi ir a uma pastelaria comprar um bolo-rei e uma garrafa de vinho do Porto. A miúda sai do serviço e pensa: «Ele logo vai lá a casa e não temos lá nada. Deixa-me lá ir comprar um bolo-rei, porque é dia de Reis.» Então, foi a uma pastelaria (talvez a mesma, já não me lembra), compra um bolo-rei e, penso que sim, também levou a garrafa de vinho de Porto para acompanhar aquilo.
E quando chego lá a casa:
- Olha: não havia cá nada, comprei isto.
- Tem piada que eu lembrei-me da mesma coisa e também comprei isto. Está ali em cima da mesa.
Já lá estava. Eu olho para aquilo, fez-me um bocado de confusão na cabeça, não é? Era uma grande coincidência, termos os dois pensado a mesma coisa. Mas pronto… A única coisa que eu fiz foi:
- Vamos cortar os dois bolos. Já que se compraram os dois bolos vamos cortar os dois bolos.
- Mas somos poucas pessoas. Somos cinco pessoas.
- Eh pá: diz aí ao senhor Zé – que era o dono da casa – para chamar os vizinhos aqui do lado, porque vêm ajudar a comer o bolo.
Juntaram-se ali mais três pessoas, que era um casal e um filhito que vieram para ali, e fizemos ali a nossa festa de Reis.
Então, quando cortámos os bolos, acontece isto: no bolo que eu comprei, o brinde que lá estava dentro era uma aliança pequenina que entrava no dedo da miúda; e no bolo que ela comprou o brinde era uma aliança maior, que entrava no meu dedo!
A mãe, quando vê as alianças em cima da mesa, começa a chorar, as lágrimas a correr pela cara abaixo. Mas não era de tristeza. Ela disse mesmo:
- Nada vos pode separar, porque o destino vos está a unir.
E depois eu, quando estou a brincar com as alianças, nervoso, a pegar naquilo e também a pensar que o destino estava metido ali, eu quando estou a brincar com as alianças, vejo que uma aliança cai em cima da outra e entra dentro da aliança justinha. Não tinha folga nenhuma! Mais um sinal que, realmente... Eh pá! Eu quando... quando a gente vê aquilo tudo, pronto, a festa mudou. Porque, realmente, depois só se falava à roda disso, em termos de futuro e «vocês têm que resolver a situação». E foi realmente a conversa, até dos vizinhos do lado. «Mas porque é que vocês não resolvem a vida? Os sinais estão aqui evidentes», não sei quê. Mas, quer dizer, continuámos a tentar resolver a situação oficialmente, legalmente.
Até que um dia, quando vimos que a coisa estava um bocado complicada, o divórcio nunca mais surgia, chegámos a um acordo. Dissemos: «Vamos ter a certeza se conseguimos viver um sem o outro. Então vamo-nos separar!» Foi de comum acordo. «Eu fico em Luanda e vocês vão para a outra costa» – nós considerávamos a “outra costa” Moçambique.»
(capítulo 5)

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