Estamos num tempo que gosta de rankings. Até para os massacres americanos e aparentemente tresloucados.
Como em relação a muitas outras coisas, penso que valem o que valem (foleiro lugar-comum, mas foi o que saiu). Dependem dos critérios utilizados e da informação que existe acerca deles; por vezes, até, dependem da forma como se credibiliza ou não esta ou aquela fonte de informação.
Independentemente disso, fiquei muito satisfeito ao ler que o meu país ficou, pelo segundo ano consecutivo, em 10º lugar mundial no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras.
Independentemente, também, de todas as considerações que se irão seguir, é motivo de orgulho que os jornalistas não sejam objecto de censura prévia estatal nem sejam mortos, agredidos, fisicamente intimidados ou perseguidos nos tribunais por dá cá aquela palha - a não ser que, por exemplo, chamem "palhaço" a quem lhes chama "filhos da puta" e "bastardos", mas tem imunidade parlamentar.
É claro que até eu próprio, irrelevante criatura, vivi dois casos em que uma das mais importantes empresas nacionais usou o seu estatuto de grande anunciante para pressionar (através de telefonema aos directores) jornalistas que tinham publicado dados e declarações minhas. Num dos casos, o jornalista tinha de facto metido uma argolada técnica, que foi usada como desculpa; no outro nem isso.
Mas situações destas, dirão muitos, não são atentados à liberdade de imprensa, mas o saudável funcionamento dos mecanismos de mercado.
No entanto, a liberdade de imprensa não é a liberdade dos jornalistas - nem nunca o terá sido, e merece discussão se o deverá ser.
Cada orgão de imprensa é um micro-cosmos de relações de poder, que não depende apenas de pressões externas. E é também uma empresa - que, muitas vezes, não importa sequer que não dê lucro financeiro, pois dá outros lucros. E esses são os que mais importa defender, na perspectiva de quem investe e manda.
Ouvimos, então, o presidente do Sindicato dos Jornalistas lembrar que “a precaridade é um elemento de censura económica e condiciona a liberdade e independência do jornalista”.
Ou uma vogal da Entidade Reguladora da Comunicação Social dizer que “as dinâmicas de funcionamento dentro de cada redacção são, por vezes, mais pesadas do que os velhos constrangimentos sentidos até meados do século XX” e que a (auto?)regulação dos jornalistas "é o primeiro patamar da defesa da liberdade de imprensa”.
As limitações à liberdade de imprensa não se esgotam nos constrangimentos externos sobre os jornalistas, ou sequer na muito em voga (e necessária) discussão sobre as dinâmicas das agendas noticiosas.
Os jornalistas são, também, assalariados (muitas vezes quase semi-proletarizados), num quadro de relações de poder laboral que se liga a relações de poder globais, numa situação de progressiva concentração empresarial.
Como passam a vida a dizer os sindicalistas sul-africanos, justifica-se perguntar "uét abát de uékass?" (ortografia oficial: what about the workers)
Vamos discutir?
3 comentários:
Oi Paulo, tudo bem? Acabo de ler o teu livro, Lobolo em Maputo, gostei muito, linguagem clara e argumento muito interessante.
Fiquei com duas perguntas na cabeça, alias fiquei com muitas, mas para não ser muito chata te ponho so duas que estão aqui me cutucando: No caso de filhos gerados numa relação fora do casamento, com uma concumbina, por exemplo, como se lida com a questão da filiação, existem casos onde se "lobola" uma concumbina? Outra coisa, nos matrimonios poligâmicos, as implicações econômicas do lobolo me interessam, você tem alguma coisa escrito sobre isso, ou pode me passar uma bibliografia?
Se você tiver tempo e puder responder as minhas questões ficarei muito grata. Meu email: samyabis@hotmail.fr
Um abraço e um fim de semana de sol e paz.
Ah! Então foi você!
(Estou a brincar...)
Antes de mais, obrigado.
Terei todo o gosto em esclarecer essas questões, mas peço-lhe para o fazer na semana que vem.
Porque, de momento, estou atulhado na escrita de um artigo sobre gémeos, albinos e prisioneiros políticos que, ainda por cima, "ganhou vida própria" (sabe como é, por vezes ao escrevermos levantam-se novas questões, que temos que ir pensar ou aprofundar, ou o artigo "já não é nosso").
Entretanto, se mais alguém estiver interessad@ nos aspectos que a Samya coloca, avise. nesse caso, responderei aqui, em vez de por e-mail.
Sem problemas, responda quando você puder e desde ja obrigada.
Consegui comprar seu livro numa livraria portuguesa aqui em Paris então posso conseguir qualquer bibliografia que você me indicar.
Um abraço e obrigada novamente.
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