domingo, 8 de junho de 2008

A Senhora das Especiarias

A Samya, que suponho ser brasileira vivendo na região de Paris e trabalhando no Museu do Homem (o que seria um sonho meu, mesmo detestando museus, não fosse este post dela), fechou O Labirinto de Arianna e continua no Sonhos Coloridos (fotos) e n'A Senhora das Especiarias (textos).

Deste último, transcrevo um post que dedico àqueles que sonham fazer da Europa uma fortaleza fechada e triste:

«Esta semana alguns amigos extrangeiros não europeus que vivem aqui na França receberam, assim como os franceses e outros europeus a declaração do imposto de renda. Tudo isso seria banal se não fosse por um pequeno mas decisivo detalhe: eles são clandestinos no pais e não têm a menor esperança de ser regularizados a não ser que mude o governo ou que consigam um casamento com um cidadão europeu.

Como explicar a essas pessoas, que trabalham, que têm filhos na escola mas que não são considerados cidadãos, que estão a pagar impostos que serão usados entre outras coisas para pagar aposentadorias de franceses que votaram para um candidato que prometia entre outras aberrações "expulsar todos esses extrangeiros que se aproveitam do estado social francês". Esta falando de quem cara-palida?

Estou na Europa a pouco mais de dez anos, com o passar dos anos, com a idade mais avançada e com essa experiência impagavel que é o contato com o outro eu sei que me tornei uma pessoa melhor.

Mesmo depois de todos esses anos e uma feliz regularização ainda vive dentro de mim uma rebelde passional e idealista que as vezes por cansaço ou comodismo, tenta me abandonar e eu vou la, agarro o bicho com unhas e dentes, choro e grito e peço a ela que não va, porque iria junto a minha dignidade como cidadã, minha realidade como ser humano.

Não quero viver em paz se o meu vizinho dorme com medo de ser acordado pela policia, quando o unico crime é o de ser o outro, o que assusta porque a cor da sua pele é diferente, porque se ajoelha diante de um outro deus, porque sua lingua é escrita com um outro alfabeto.

E me sinto responsavel a cada dia, porque tenho a sorte de ter um passaporte europeu e isso me faz aos olhos da lei um pouco menos diferente, um pouco menos perigosa.

Acredito piamente, que cada um de nos, extrangeiros não europeus que aqui estamos, temos que fazer tudo, o possivel e o impossivel para que esta situação mude. Não temos o direito moral de nos acomodarmos com nosso papelzinho, com nossa carta de identidade.

O outro sou eu. Ponho meus documentos, minha educação, meu tempo disponivel, a serviço de quem tem o mesmo direito mas menos reconhecimento social e civil. E tenho verdadeiro horror, desprezo e raiva de quem não faz o mesmo.»

2 comentários:

samya disse...

Muito obrigado por ter passado por la, eu trabalho no Museu do Quai Branly e te digo que o museu do homem também seria um sonho magnifico. Infelizmente por capricho ou delirio de um presidente da republica, a magnifica coleção do Museu do Homem, foi mudada ao Quai Branly, um museu com uma arquitetura impossivel, sem nenhum respeito pelo visitante, sem nenhuma atividade pedagogica ou cultural decente, fora algumas conferências. Hoje em dia, aquele que deveria ser o grande museu etnologico de Paris, se transformou num espaço para reuniões de empresarios, coloquios profissionais sem nenhuma relação com o museu, e uma otima publicidade para Jean Nouvel, feita por quem provavelmente não conhece o museu.
E isso me deixa com um insuportavel sentimento de impotência, é como estar na praia e ver o barco afundando sem poder chegar la.
Um grande abraço

(Paulo Granjo) disse...

É... Conheço a sensação.
Olhe: coragem!