País a país, através do voto e raramente com recurso a caudilhos ou a retóricas mais inflamadas que consistentes, as Américas ditas latinas têm vindo a virar à esquerda.
Esta semana, passou quase desapercebido um acontecimento com muito maior peso simbólico do que o anterior regresso dos sandinistas ao poder, na Nicarágua:
As eleições presidenciais de El Salvador foram ganhas pelo jornalista Mauricio Funes, da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional.
Sim, essa mesma. A da guerrilha dos anos 80, contra um dos regimes mais descaradamente iníquos e homicidas do continente. Frente que, entretanto, se moderou nos seus propósitos e discurso, sem que no seu centro deixem de estar a equidade, a justiça social e a dignidade.
Para um velho cúmplice das Américas, a quem hoje em dia poucos pormenores chegam do quotidiano que por lá se vai passando, a notícia provoca um razoável espanto e uma alegria imensa.
Assim à primeira vista, pelas minhas contas e deixando de fora as Guianas e as antilhas (de que, confesso, não estou a par), só a Colômbia mantém um governo da "velha guarda" direitista pura e dura. E entre os restantes só encontro, sem pelo menos um cheirinho a esquerda, o Belize e a estável democracia costa-riquenha.
Para além das alterações país a país que daí decorrem, trata-se de um quadro regional completamente novo e único.
Quem não se lembra dos tempos em que a Costa Rica era, pelo contrário, a única pincelada democrática (embora, como ainda agora, tutelada pelo grande irmão do norte), num mar de ditaduras e regimes violentamente autoritários ou oligárquicos?
Com a mudança de governos, muito mais tem vindo paulatinamente a mudar.
Sob a sua forma recentemente mais visível, talvez, na unânime tomada de posição dos governos da região contra a possibilidade de golpadas separatistas ou intervenções externas na última crise boliviana.
Conforme disse na altura, é todo um novo estatuto internacional (e toda uma nova dignidade) que a situação presente permite que a região assuma.
Esperemos que as boas intenções internas da administração Obama sejam extensivas às suas relações com o sul e que a sua detentora da pasta internacional, a Srª Clinton, seja capaz de reconverter os seus hábitos mentais a este novo relacionamento e dignidade.
domingo, 22 de março de 2009
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