quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Uma boa notícia

Foram reatadas as negociações entre o governo boliviano e os líderes separatistas.

Talvez porque (apesar do empenho norte-americano na secessão, bem demonstado pela escolha do especialista Philip Goldberg para embaixador), a posição unida e inequívoca dos países da região, num tom mais preocupado com a firmeza do que com a retórica incendiada, tornou irrelevantes as performances histriónicas e contraproducentes de Hugo Chavez acerca do assunto e, com seriedade e credibilidade, apresentou um quadro que talvez nunca tenha sido visto nas Américas:

Os países "a sul do Rio Grande", independentemente das diferentes orientações políticas dos seus governos, não favorecem nem toleram golpadas separatistas e instigações de guerra civil contra governos democraticamente legítimos, por muito que isso agrade ao Grande Irmão do Norte e por muito que esse agrado seja evidente.

Entretanto, as razões de queixa que têm sido apontadas pelos líderes separatistas, e que aqui são repetidas, vêm dar razão ao que deixei dito no meu primeiro post acerca da Bolívia.
Já que, mesmo com a diminuição percentual da sua parte do imposto petrolífero, as províncias separatistas recebem 5 vezes mais dinheiro do que recebiam antes da nacionalização (de que discordaram), e já que não haverá diminuição do grau de autonomia provincial, então o problema são os outros dois aspectos da Constituição que está a ser preparada e que eles referem:

A limitação do tamanho das fazendas e os direitos outorgados à população indígena, maioritária mas tratada como infra-cidadã desde a independência do país.
Por outras palavras a diminuição dos latifúndios e o fim da supremacia "branca".

A metáfora da "Bolívia pós-Mandela", neste momento de negociações com um fundo racial tão claro, começa a fazer cada vez mais sentido para mim.

Mas não para toda a gente. Ainda esta semana li um respeitado colega lá do Instituto a enfiar a martelo e despropósito, na sua habitual crónica jornalística, uma frase sobre como Evo Morales trata como não-cidadãos quem discorda dele.
Neste quadro e nesta sucessão de acontecimentos, confesso a minha surpresa.
Mas é bem verdade aquela frase que os alunos se chateiam de me ouvir repetir nas aulas. Independentemente do brilhantismo que possa caracterizar a inteligência de cada um de nós, «só vemos o que estamos preparados para ver».

2 comentários:

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Paulo,

Das melhores coisas que li escritas por si. Não pela boa notícia, que já a conhecia, mas pela forma que a interpreta.
abraço.

ZP

Ps: Da melhores entre muitas melhores. Pode? Pode.

(Paulo Granjo) disse...

Confesso que reli várias vezes e não a acho assim tão boa.

Mas, em honra a si, vou colocar no arquivo de "Best of".

Aquele abraço.