terça-feira, 9 de junho de 2009

Atentado a Deviz Simango


Preparava-me eu para escrever um descansado comentário às eleições para o Parlamento Europeu, quando me cruzei com uma notícia dando conta de um atentado, hoje, contra Deviz Simango - eleito o ano passado presidente do Conselho Municipal da Beira como independente (veja-se aqui e aqui), e depois fundador e líder do Movimento Democrático de Moçambique.

Numa notícia que confunde Deviz Simango com o presidente do Conselho Municipal de Maputo (eleito pela Frelimo) e que chama ao porta-voz da polícia "Coça" (em vez de Cossa), não sei muito bem em que é que posso confiar...
Mas a "Rádio Maputo" (carinhosa alcunha do blog de Carlos Serra, por estar sempre "em cima da jogada") tem vindo a actualizar as informações acerca do assunto, neste post.

Assim, a caravana do MDM foi atacada em Nacala por dois carros cheios de activistas da Renamo, enquanto assistia a um acontecimento cultural, antes de realizar um comício.
Os indivíduos, apontados como ex-guerrilheiros da Renamo, arrancaram a pistola a um polícia e dispararam sobre a viatura de Simango, sem o atingir.
Depois, espalharam o caos, disparando para o ar com as pistolas que eles próprios traziam.

Estranho: porquê usar a pistola do polícia, se tinham as suas próprias armas?
Para que estas não pudessem ser referenciadas em estudos balísticos?
Para que - em caso de sucesso e contando com o seu ascendente local para não serem denunciados ou, pelo menos, para tornarem o caso suspeito - o atentado pudesse ser assacado à polícia e, consequentemente, à Frelimo?

São as únicas explicações que me surgem, e fazem pensar num acto deliberado e planeado, não numa qualquer altercação de cabeças quentes.

Entretanto, o porta-voz da Renamo negou ter conhecimento directo do incidente, mas aproveitou para "acusar" o MDM de «tentar fazer com que partidários da Renamo se juntassem à nova formação».
Ou seja, ao falar de uma possível tentativa de assassinato político, "vem-lhe à conversa" a justificação de que a vítima (presidente de outro partido) tenta atrair para as hostes dele pessoas que são militantes ou votantes da Renamo. Ou seja, ainda, isso justificaria ou desculparia que o matassem.

Se a vitória de Deviz Simango na Beira demonstrou que, afinal, os votantes não são propriedade de ninguém, essa lição parece custar a ser aprendida, nos estados-maiores partidários que sempre se conceberam como únicos - ou isolados, ou os únicos um face ao outro.

Vários amigos e conhecidos, das mais diversas sensibilidades políticas moçambicanas, me têm feito chegar a ideia de que o MDM está a fazer muito medo aos dois grandes partidos instalados.
É muito compreensível.

Sobretudo em meios urbanos, há muita gente que não vota por não gostar da governação de uns e desconfiar ainda mais dos outros.
Ao mesmo tempo, há quem vote Frelimo não tendo mais nada senão críticas a apontar-lhe, mas que o faz com medo do caos, boçalidade e mãos sangrentas que atribui ao seu opositor. Vota e vota Frelimo, não gostando, para que a Renamo não ganhe.
Tal como há quem vote Renamo, discordando da forma como é dirigida e deconfiando que ela viesse a tornar-se tão corrupta e autoritária como consideram que a Frelimo é, por verem na Frelimo o mesmo diabo que outros vêem na Renamo.

Uma oposição sem sangue nas mãos e uma imagem de competência, honestidade, modernidade e espírito democrático é, de facto, assustadora para quem, de um lado e do outro, geriu a luta política segundo essas regras estáveis de ausência de alternativas, ao longo dos últimos 15 anos.

Mas não sei se será este medo, ou se será a tal visão dos votantes, regiões e pessoas como propriedade partidária (ou se será, ainda, a ideia que ambas as forças partilham de que a liderança na guerra, seja a de libertação ou a civil, legitima por si só o poder), que levarão não só a actos como este atentado, como à ideia de que ele é desculpável ou, quiçá, legítimo.

Suspeito que serão as três coisas, em conjunto.

Mas, se as forças políticas instaladas não conseguirem ver que nenhuma dessas três coisas é simpática aos moçambicanos e ao mundo, que pelo menos uma coisa consigam ver:
Que o homicídio político, por muito normal que tenha sido no passado, é tão execrável como sempre foi - e é, hoje já e para toda a gente fora dos círculos do poder, totalmente inaceitável.

2 comentários:

Carlos Gil disse...

obrigado por esta análise.
olho o MDM julgando ver nele a esperança ressurgida, a renovação que aviva e melhora, e esta má notícia preocupou-me. o homicídio raramente é justificável (a treta da legítima defesa, quase sempre treta pois deverá ser a última alternativa) e se por razões políticas é abjecto. seja aí, na Guiné-Bissau, na Suécia ou em Kiribati. o medo e o ódio não se podem sentar à mesa quando olhamos a sociedade. e esse "tribalismo político" que refere, essa noção de propriedade (aspas) de eleitores e regiões eleitorais não vai com nada, nada que se deseje quando se pensa um futuro menos enevoado do imobilismo dos estatutos adquiridos e considerados inamoviveis, endeusados.
reitero o agradecimento pela actualidade e lucidez das análises

Carlos Gil disse...

a tag "rés pública" é bem pertinente